Economia

Brasileiro tira de circulação um terço das moedas emitidas no país por ano

Brasileiro chega a tirar de circulação 7,4 bilhões de unidades. Sem ter condições de dar troco, comerciantes tentam conscientizar população sobre a necessidade de disponibilizar o dinheiro de metal e oferecem ágio e prêmios a quem as usa

Simone Kafruni
postado em 13/02/2017 06:00

O motorista Benjamin de Miranda anda sempre com moedas no bolso para ajudar no troco


O hábito dos brasileiros, de encher cofrinhos, tira de circulação um terço das moedas emitidas no país por ano. Para desespero de comerciantes, caixas e cobradores de ônibus, a população guarda até 7,4 bilhões de unidades que deveriam estar no mercado, facilitando o troco e viabilizando transações. As medidas para driblar a falta de moedas passam pela compra com ágio, apelo aos clientes e até recompensas para os consumidores que pagam com o dinheiro de metal. Para piorar, o custo de produção das moedas é maior do que o das cédulas e, na maioria delas, o valor de face não paga o gasto com a confecção.

Nos mercados menores, distantes de bancos, é comum ter cartazes pedindo por troco e até oferecendo dinheiro para compra. Em Tamandaré (PE), um estabelecimento oferece 3% a mais para quem estiver disposto a trocar moedas por papel. Na capital federal, o supermercado Veneza precisa apelar ao bom senso dos clientes. No microfone, o fiscal de loja Sebastião Batista, de 24 anos, implora para que quem tem cofrinhos leve as moedas para trocar nos caixas e ajudar no atendimento.

O gerente do estabelecimento, Evantuir Ramos, 48, explica que não basta ir ao banco para conseguir troco. ;Muitas vezes, o banco também não tem. A gente precisa fazer um agendamento para as trocas. Não é fácil;, alerta. Outro problema, ressalta, é quando saem moedas comemorativas, como na época das Olimpíadas. ;A situação fica ainda mais crítica. As pessoas colecionam;, diz.

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O quadro poderia ser ainda pior, mas, atualmente, 70% das compras são feitas com cartões. O caixa Kairo Noleto, 18, conta que a saída é arredondar, às vezes para cima, outras para baixo. ;Mas os clientes reclamam. Acham que o mercado lucra com isso. Só que tem dias que fecho com menos dinheiro, outros com mais. Faço um fundo de caixa porque sempre vou precisar arredondar;, conta. Kairo revela que muitas pessoas nem sequer se esforçam para facilitar o troco. ;Aí quando veem que preciso trancar o caixa e sair para conseguir moedas, é que elas começam a olhar nos bolsos;, reclama.

Não é o caso do motorista Benjamin Bispo de Miranda, de 47 anos. Consciente, ele, que sempre compra com dinheiro, não guarda moedas em casa. ;Eu ando com elas no bolso. Sei da dificuldade que é fazer troco, então faço minha parte. Moeda é para circular;, ensina.

Pesadelo

Pois é na circulação de passageiros, todos os dias, que o problema se agrava. Com tarifas quebradas, de R$ 3,50 e R$ 4,95, as moedas são o pesadelo dos cobradores de ônibus. ;O pessoal tem que se virar porque nem a arrecadação tem o suficiente para distribuir;, conta a assistente de Arrecadação da empresa de transporte coletivo Piracicabana, Cleide das Graças Oliveira. Ela diz que os cobradores trocam entre eles, na virada dos turnos, apelam aos passageiros e até guardam de um dia para o outro.

A falta de moedas acabou até mesmo com um tipo de comércio muito comum, as lojas de R$ 1,99. O dono da Casa Melo Presentes, Victor Hugo Melo, de 23 anos, afirma que precisou abolir o valor depois que a Casa da Moeda parou de emitir as de R$ 0,01. Embora elas tenham validade até hoje, deixaram de ser produzidas em 2004 e sumiram de circulação. ;Nós arredondamos os preços, mesmo assim é difícil. Nos faltam, principalmente, as de R$ 1 e R$ 0,50;, assinala.

O comerciante explica que muitos consumidores compram, com notas grandes, mercadorias de baixo valor só para trocar o dinheiro. ;Isso atrapalha demais o nosso negócio. Temos que apelar aos clientes mais fiéis. Eu, casualmente, estou com o porta-moedas cheio hoje porque um deles abriu o cofrinho e trocou o dinheiro na nossa filial em Taguatinga. Aí eu trouxe um pouco para cá;, diz, organizando a nova unidade, no Sudoeste.

Entesouramento

O Banco Central (BC) explica que esse fenômeno de guardar moedas em cofrinhos, gavetas ou no carro, chamado ;entesouramento;, ocorre no mundo inteiro. Estudos da instituição apontam que os brasileiros entesouram 7,4 bilhões de moedas. A autoridade monetária admite, no entanto, que a produção de numerário foi impactada, desde 2014, pela ;necessidade de redução da despesa pública; no âmbito federal. Mas ressalta que ;a área técnica tem envidado esforços para administrar os estoques disponíveis com a finalidade de atender de forma mais equânime possível às demandas;.

Em 2016, o BC disponibilizou 761 milhões de novas moedas, volume 11% superior a 2015, quando foram 685 milhões de unidades. ;Em 2017, já foram disponibilizadas mais 86,7 milhões de moedas, alcançando 119 moedas por habitante;, explica, por meio da assessoria de imprensa. Existem em circulação 24,68 bilhões de unidades de moedas ou R$ 6,23 bilhões em valor, o que corresponde a uma disponibilidade per capita de R$ 30.

Falta de hábito

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) alerta que estudo do BC mostra que as moedas acumuladas representaram 32% do total emitido em 2015. Atualmente, o estoque de moedas existente no mercado corresponde a 100 unidades para cada habitante, números equivalentes à média internacional, destaca a entidade. Entretanto, usar moedas não é hábito dos brasileiros, diferentemente do que ocorre em outros países em que é comum o maior pagamento e recebimento de moedas metálicas.

O diretor de operações da Febraban, Walter de Faria, explica que o hábito de guardar e não usar moedas é um resquício do período de inflação alta. ;O dinheiro perdia valor muito rapidamente e, por isso, as moedas eram menosprezadas;, diz. Após a estabilização do real, no entanto, as moedas esquecidas na bolsa ou na gaveta podem ser suficientes até para pagar pequenas contas. ;É importante que as pessoas se sensibilizem sobre o valor que elas têm e sobre a importância também das cédulas de pequenas denominações. Elas precisam circular no mercado, pois facilitam o troco no comércio e reduzem as despesas do governo com novas emissões de dinheiro;, explica o executivo.

Para quem possui o saudável hábito de economizar, o diretor de Educação Financeira da Febraban, Fabio Moraes, orienta que não é preciso abrir mão da poupança diária para ajudar na circulação de moedas. O diretor aconselha que se abra o cofrinho com frequência para a troca de moedas poupadas por cédulas de maiores denominações. Outra sugestão do executivo é que se faça uma aplicação com o montante guardado. ;Além de ajudar o sistema financeiro a colocar moedas em circulação, você também faz o seu dinheiro render, ao colocá-lo em uma aplicação financeira em vez de mantê-lo parado em casa, perdendo valor;, sugere.

Iniciativa

O Banco Central considera relevantes todas as iniciativas que levam à conscientização da população sobre a importância de as cédulas serem preservadas e as moedas, postas em circulação. ;Mostraram-se exitosas experiências como a do Metrô de São Paulo, que desenvolveu uma campanha de comunicação e instalou máquinas ;Cata Moedas; nas estações, incentivando a compra de bilhetes com moedas e dinheiro trocado e estabelecendo pontos para a realização da troca;, ressaltou a assessoria da autoridade monetária.

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