Economia

Donas de casa cada vez mais contribuem voluntariamente ao INSS

Mesmo quem não tem carteira assinada pode contribuir para a Previdência como segurado facultativo. Com isso, tem direito a auxílio-doença, salário-maternidade e aposentadoria. Modalidade é adotada por 1,27 milhão de pessoas

postado em 06/03/2017 06:01
Desenho de mão de mulher colocando moedinha em cofre no formato de um porcoEm meio a tantas mudanças propostas na reforma da Previdência, um item passou incólume: a possibilidade de contribuir para o sistema, mesmo sem trabalhar com carteira assinada. Nada menos do que 1,27 milhão de pessoas acha que vale a pena contribuir voluntariamente para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) todos os meses, em uma demonstração de que as aposentadorias e pensões no Brasil são vantajosas. De cada 10 desses segurados facultativos, 8 são mulheres, indicando que as donas de casa são o público-alvo principal dessa opção, que também é válida, entre outros, para estudantes e desempregados.

Em 2015, os segurados facultativos foram responsáveis pela arrecadação de R$ 1,7 bilhão aos cofres do INSS. A dona de casa Maria de Fátima Fernandes, 62 anos, não se arrepende de ter ingressado no sistema há 12 anos. Nesse período, ela já usou os benefícios concedidos duas vezes. A última, há dois anos, quando precisou fazer uma cirurgia na coluna cervical, que a deixou impossibilitada de fazer as tarefas do dia a dia. ;Até hoje tenho limitações;, conta.


Com os R$ 880 do auxílio-doença recebidos mensalmente durante um ano, Maria Fátima conseguiu pagar os remédios que precisou comprar e contratar uma diarista para ajudá-la em casa. ;Não me arrependo de contribuir, de jeito nenhum. Incentivo várias pessoas a fazerem a mesma coisa. Ainda que não cheguem à aposentadoria, vale a pena pelo auxílio-doença;, ressalta. A ampla cobertura do sistema é a principal vantagem, na avaliação de especialistas. ;As pessoas pensam muito em Previdência relacionada à idade avançada. Mas se esquecem dos benefícios de riscos, como pensão por morte, doença. A vantagem é começar cedo, para já ter essa cobertura;, afirma o advogado Fábio Zambitte Ibrahim, especialista em Previdência.

Ele lembra, no entanto, que para ser facultativo é preciso se encaixar em dois requisitos. O primeiro é ter pelo menos 16 anos de idade. ;Não é como previdência complementar, que pode pagar desde que a pessoa nascer;, compara. O segundo é não exercer atividade remunerada, ter pensão ou algum tipo de renda, como aluguel.

Sem retroatividade


O problema do facultativo, segundo Ibrahim, é que não se pode pagar retroativamente. ;Se a pessoa está desempregada há três anos e resolver contribuir, não vai poder pagar o valor relativo ao passado;, explica.

Existem três opções de planos de contribuição facultativa. Um deles é o completo, que dá direito a praticamente todos os benefícios do INSS, como aposentadoria, pensão por morte, auxílio-doença, salário-maternidade e auxílio-reclusão. Além disso, cada mês pago conta como tempo de contribuição para o cálculo da aposentadoria. O segurado não tem direito apenas ao auxílio-acidentário, ressalta Rogério Nagamine, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), especialista em Previdência. ;Não faz sentido, porque a pessoa não pode sofrer acidente de trabalho;, explica.

Nesse plano, a alíquota é de 20% sobre o salário de contribuição que o segurado escolher, entre um salário-mínimo (R$ 937) e o teto do INSS, de R$ 5.531,31. ;Quanto mais alto o valor escolhido, maior a aposentadoria, que vai ser calculada com base nessas contribuições;, explica o pesquisador do Ipea. O plano completo foi a opção de Maria Fátima, que pagava mais de R$ 350 por mês, por ter escolhido como base dois salários-mínimos. Uma pessoa desempregada que quer continuar contando tempo de contribuição enquanto não encontra outro emprego, por exemplo, tem mais vantagem se optar pelo plano completo.

[SAIBAMAIS]Esse foi o aviso que a dona de casa recebeu, anos depois de ter começado a contribuir, na agência do INSS. ;Disseram que não era uma boa ideia pagar os 20%, já que eu não pretendia me aposentar por tempo de contribuição. Tinha menos de dois anos de trabalho contados;, lembra.

Maria Fátima passou, então, a contribuir pelo plano simplificado, cuja alíquota é de 11% sobre o salário-mínimo vigente. Nessa opção, não é possível se aposentar por tempo de contribuição. É a única diferença em relação à cobertura do plano completo. A pessoa tem acesso aos mesmos benefícios, mas a aposentadoria final fica limitada ao piso de um salário-mínimo. ;O plano simplificado é para quem abre mão da aposentadoria por tempo de contribuição. Se começar a contribuir tarde, não vale a pena;, explica o advogado Fábio Zambitte Ibrahim.

Filho


Por nunca ter trabalhado e, por isso, não ter pretensão de se aposentar, a dona de casa Sidneide Moraes, 64, tinha dúvidas se valia a pena se inscrever como segurada facultativa. Há dois anos, o filho, Warley Moraes, 44 anos, resolveu pagar o plano simplificado para ela, que custava, até o fim de 2016, R$ 98 por mês. Em 2017, foi reajustado para R$ 103,07.

;Ainda não precisei usar, mas é bom saber que, se tiver algum problema, estarei coberta;, conta a dona de casa. ;É um auxílio, não foi feito pensando em aposentadoria;, comenta Warley, que acredita que todo mundo deveria pagar, mesmo sem ter carteira assinada. ;Passei cinco anos sem contribuir, quando não estava trabalhando, e me arrependo;, conta.

O melhor plano, no entanto, é o voltado para as donas de casa de baixa renda. Quem, além de se encaixar nos requisitos do plano simplificado, comprovar renda familiar de até dois salários-mínimos (R$ 1.874), pode ter as mesmas regras do simplificado, com alíquota de 5% do salário-mínimo, ou R$ 46,85. Essa modalidade é exclusiva para homem ou mulher que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico e não tenha renda própria.

Os períodos de carência, ou seja, o número de meses que a pessoa precisa contribuir para poder requerer os benefícios, é o mesmo para todos os planos. No caso de aposentadorias (cobertas pelo plano completo), a pessoa precisa ter contribuído pelo menos 180 meses, o que equivale a 15 anos, a não ser que precise de aposentadoria por invalidez. Nesse caso, a carência é de 12 meses, a mesma exigida para auxílio-doença. Já para requerer salário-maternidade, é preciso ter 10 contribuições. Para pensão por morte e auxílio-reclusão, não há período de carência.

Efeito da crise
Apesar das vantagens apontadas pelos especialistas, o número de segurados facultativos caiu nos últimos dois anos. De 2014 para 2015, passou de 1,35 milhão para 1,32 milhão. No ano seguinte, teve mais uma queda, para 1,27 milhão. Até 2014, o número crescia a grandes proporções. Entre 2002 e 2016, a média anual de segurados facultativos mais que duplicou: de 561 mil, saltou para 1,27 milhão. ;Um dos principais motivos foi o número de facultativos de baixa renda, que aumentou bastante até 2014;, explica Nagamine, do Ipea. Foi esse mesmo perfil que puxou a queda na quantidade de segurados facultativos nos dois anos seguintes, movimento que Ibrahim explica pela crise econômica. ;As pessoas tinham mais dinheiro, se empolgaram e depois pararam de pagar, por falta de renda;, acredita o advogado.

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