Rodolfo Costa , Mirelle Bernardino*
postado em 26/03/2017 08:00
A midiática divulgação da Operação Carne Fraca pela Polícia Federal ameaça o império da carne brasileira. Maior exportador da proteína no mundo, o Brasil lida, agora, com a perda da credibilidade no mercado internacional, suspensões de compra e devoluções do produto. A operação coloca em xeque não apenas a indústria alimentícia, como também a saúde financeira de centenas de milhares de famílias produtoras rurais e o patrimônio da carne brasileira, construído ao longo de séculos.
O reinado brasileiro em exportação de carnes começou a ser construído no início do século 16, em meados de 1500, com a descoberta do país. Na chegada das primeiras embarcações, vieram aves. Em 1534, aportavam algumas cabeças de bois encomendadas de Cabo Verde por Ana Pimentel de Souza, mulher do militar português Martim Afonso de Souza.
Com a colonização, chegaram mais gado, porcos, ovelhas e cavalos. Os animais tiveram que se adaptar ao clima do Brasil e, ao final dos anos 1500, já eram usados como tração para tocar os engenhos da cana-de-açúcar. O professor Cleyton Mendes, da Faculdade de Agronomia e Veterinária da Universidade de Brasília (UnB), explica que eram inúmeras raças bovinas. ;Mas havia um problema: elas precisavam se reproduzir mais rapidamente;, conta.
Os agropecuários perceberam que os animais da raça crioulo tinham que ser aprimorados. Para aumentar a reprodução, trouxeram a raça zebu da Índia, que se adaptou bem às condições tropicais. Com isso, o Brasil começou a comercializar os animais. ;Durante a Primeira Guerra Mundial, o mundo precisou de comida e a Europa foi a primeira a consumir o gado brasileiro;, afirma Mendes.
Tecnologia
Nos anos 1970, com a exploração da tecnologia, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) criou um programa para substituir as pastagens nativas pelas cultivadas. O país conseguiu ampliar a produção e chegou a um rebanho de 70 milhões de cabeças. Alguns anos depois, a epidemia da vaca louca aterrorizou os consumidores de carne na Europa.
A partir daquele momento, destaca Mendes, a qualidade da carne brasileira ficou em evidência. ;A Europa sondou os solos brasileiros e aceitou nosso produto;, comenta. Poucos anos depois, o Brasil estava exportando para o mundo. ;A produção se intensificou e a qualidade aumentou;, afirma o chefe-geral da Embrapa Gados de Corte, Cleber Oliveira Soares.
Na criação de suínos, o uso de tecnologia é intensivo, avalia o diretor executivo da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS), Nilo de Sá. ;Anualmente, exportamos animais para fazer melhoramento de raça. Tudo é feito em instalações de qualidade, vacinas e controles de doença;, explica. Com isso, a suinocultura consolidou o país como o quarto maior exportador. ;O Brasil é livre das principais doenças que acometem os porcos na Europa e nos Estados Unidos;, declara.
Na primeira exportação de frangos, em 1975, várias empresas embarcaram peças em um só contêiner para a Arábia Saudita e os Emirados Árabes. Hoje, o setor exporta mais de 200 mil contêineres por ano, diz o vice-presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin.
Em 40 anos, foram despachados mais de 2,4 milhões de contêineres e as exportações totalizaram US$ 100 bilhões. Em 2016, a receita foi de US$ 8 bilhões. ;A indústria da carne é um patrimônio do país. O Brasil tem que defender esse setor, principalmente diante da situação em que vivemos;, avalia Santin.
O Brasil tornou-se o segundo maior produtor e o primeiro maior exportador de aves no mundo. Os números da exportação de carne bovina também surpreendem. De 1996 a 2016, o faturamento saltou de US$ 473,1 milhões para US$ 5,5 bilhões, expansão de 1.066%. No mesmo período, o volume de toneladas subiu de 151,7 mil para 1,4 milhão, aumento de 823%.
As exportações dispararam a partir de 1995, porque o Brasil passou a tomar medidas internas, com melhoria da qualidade e incentivo às vendas externas. Agora, será preciso uma força-tarefa para fortalecer as relações comerciais e procurar a melhor saída para o Brasil, avalia o professor Cleyton Mendes, da UnB. ;É preciso intensificar o processo de controle e investir na rastreabilidade. Isso é uma exigência no mercado, pois, quando há problemas dessa natureza, eles têm como ser identificados;, afirma o professor.
Na opinião do chefe-geral da Embrapa Gados de Corte, Cleber Oliveira Soares, é necessário investir em segurança. ;Precisamos de melhoramento genético e de apurar as irregularidades para que não se questione a fiscalização no Brasil. O país precisa continuar buscando alternativas no mercado;, diz.
* Estagiária sob supervisão de Simone Kafruni