Economia

Para especialistas, terceirização pode gerar ações na Justiça

Empresários esperam formalização dos contratados sem carteira assinada e não aumento de prestadores de serviço

postado em 01/04/2017 12:06
Tornar as empresas terceirizadas mais qualificadas com a nova legislação, sancionada nessa sexta-feira (31/3) pelo presidente Michel Temer, é uma das apostas de especialistas ao analisar o tema. Para os críticos da lei, no entanto, direitos trabalhistas ficarão prejudicados.

Após a sanção do texto, empresários da área não esperam uma migração ;em massa; das contratações diretas para a prestação de serviços a terceiros, e sim uma formalização nos setores que já contratam dessa forma. A falta de detalhamento da legislação, porém, pode dar margem a ações na Justiça, contrariando a tese de que traria mais segurança jurídica às empresas.

Em 2014, havia 12,5 milhões de vínculos ativos nas áreas tipicamente terceirizadas e 35,6 milhões de trabalhadores eram contratados diretamente, número que tende a se inverter, de acordo com os contrários ao texto. Já os representantes da indústria e do comércio creditam à necessidade de contratação, à modernização do Estado e à maior produtividade os benefícios da nova lei.

Relator do projeto, o deputado Laércio Oliveira (SD-SE) acredita que os trabalhadores ficarão mais protegidos porque as empresas contratantes serão responsáveis ;subsidiárias; pelas obrigações trabalhistas. ;Nenhuma empresa pública nem privada vai terceirizar todas as suas atividades. Isso não vai ocorrer em hipótese alguma. O mercado vai se autorregular a tal ponto de não terceirizar tudo;, afirma.

O parlamentar explica que a terceirização não envolve diretamente as pessoas, e sim a prestação de serviços que podem ser oferecidos por empresas especializadas. ;De repente, o hospital quer terceirizar o serviço de enfermagem, porque existem empresas no Brasil que só trabalham com isso. A empresa prestadora disponibiliza para aquele cliente a mão de obra especializada na área. Essa diferenciação é importante para entender o projeto;.
[SAIBAMAIS]

As mudanças permitem a contratação de trabalhadores para exercer cargos em todas as áreas da empresa, inclusive na atividade-fim. Além disso, a contratação poderá ocorrer de forma irrestrita em empresas privadas e na administração pública. Atualmente, não existe uma legislação específica sobre a terceirização, mas decisões judiciais têm permitido a terceirização apenas para as chamadas atividades-meio, ou seja, funções secundárias que não estão diretamente ligadas ao objetivo principal da empresa, como serviços de limpeza, vigilância e manutenção.

Concursos públicos


De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, as carreiras de Estado não correm o risco de ser terceirizadas. Ele avalia, no entanto, que pode haver menos cargos destinados a concursos públicos. ;Carreiras de apoio já são, hoje em dia, terceirizadas. Então, a possibilidade de ampliar a terceirização nessas funções é muito efetiva. Com isso, há não só o risco de precarização, mas a possibilidade de haver clientelismo político, nepotismo.

Ele cita como exemplo, além dos enfermeiros, o próprio corpo médico de um hospital. ;Eu não tenho a menor dúvida de que vai diminuir a quantidade de cargos destinados a concursos públicos. Nas escolas, isso pode acontecer com os professores. Uma companhia aérea pode terceirizar todo o seu corpo de pilotagem, na medida em que não há um limite. Mas, acho que tudo isso são matérias que os magistrados vão interpretar e examinar, para ver o real limite da lei;, prevê.

No ensino, a preocupação de especialistas é quanto ao aumento das chamadas Organizações Sociais, que são contratadas em alguns estados para cuidar da administração de escolas.

Direitos


Para o subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ricardo José Macedo de Britto Pereira, a maior rotatividade dos trabalhadores pode comprometer a concessão de benefícios básicos, como décimo terceiro salário e férias. ;O problema é que toda vez que você coloca um intermediário na relação de trabalho, haverá a tentativa de explorar para ter ganho maior. A empresa que faz intermediação [terceirizada] também quer ganhar. Além disso, não há nenhuma garantia de que o empregador não dispense o seu empregado direto e o contrate em seguida em uma empresa prestadora de serviços. A lei não previu isso. Agora tem esse risco, o que é muito ruim;, observa Pereira.

Segundo ele, outro ponto negativo é a permissão de empresas com capital social muito baixo. De acordo com a nova lei, empresas com até dez empregados deverão ter capital mínimo de R$ 10 mil. ;São pequenas empresas que não terão o cuidado necessário com o ambiente do trabalho, e isso só vai confirmar dados de que a terceirização causa o adoecimento no trabalho, alto grau de acidentes, violação de vários direitos;, enumera.

Para o representante do MPT, órgão que anteriormente havia divulgado uma nota técnica solicitando o veto, a lei ;não traz direitos;, apenas uma ;liberação geral no campo das relações de trabalho;. Ele acredita que as ;diversas interpretações; da legislação darão espaço a questionamentos no Poder Judiciário, tanto na Justiça do Trabalho quanto no Supremo Tribunal Federal (STF). Além do caso analisado esta semana no STF, que tirou a responsabilidade da administração pública em passivos trabalhistas, outros recursos relativos à terceirização tramitam na corte.

Divulgado em março, estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que os trabalhadores terceirizados recebem salários entre 23% e 27% mais baixos, têm uma jornada maior e ficam durante menos tempo na empresa.

Com base em dados do Ministério do Trabalho e na Classificação Nacional de Atividades Econômicas, o estudo comparou informações registradas entre 2007 e 2014. Mostrou também que a rotatividade dos terceirizados e o afastamento por acidente de trabalho são maiores que entre os contratados diretamente.

Segurança jurídica


;Acredito que está havendo um pavor desnecessário nessa questão, porque não é possível você ter uma modalidade de contrato terceirizado hoje, que vem a ser os serviços especializados, no sentido de trazer alguma insegurança. Pelo contrário, é para dar segurança de proteção ao trabalhador que presta serviços para essas empresas terceirizadas;, contrapõe o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. Ele também avalia que a nova legislação não vai acabar com os concursos públicos, pois atualmente já existem categorias que atuam em determinados órgãos, como o próprio Judiciário.

Para Vander Morales, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos (Fenaserhtt), que reúne 32 mil empresas e cerca de 2,5 milhões de trabalhadores na área, em todo o Brasil, muitas empresas exercerão no Brasil algum tipo de terceirização especializada. "Isso vai ser bom para o mercado, para o próprio trabalhador. Pode resultar em maiores salários. A rotatividade vai até diminuir, porque hoje há uma insegurança. Alguns contratos são interrompidos por falta de clareza na lei. Haverá um compromisso maior do trabalhador com a empresa e elas passarão por uma qualificação maior. Essa é a mudança imediata;, diz Morales.

;Geralmente, as empresas terceirizadas não cumprem todos os seus deveres. Terminam o contrato e deixam de pagar verbas rescisórias e trabalhistas;, afirma o presidente da Anamatra. Na opinião de Germano Siqueira, a insegurança jurídica deve permanecer porque a lei tem brechas.

Vander Morales não concorda com a ideia de que o país está atrasado ao aprovar somente agora mudanças que podem ser um ponto de partida para revolucionar o mundo do trabalho. ;Na verdade, atrasados estão aqueles que querem fazer uma terceirização que corta direitos".

De acordo com o presidente da Fenaserhtt, o número de empresas terceirizadas pode aumentar, já que surgirão novas tendências. ;Muitas profissões de hoje vão desaparecer. O Brasil tem que mirar no futuro do trabalho. Como é que isso está acontecendo no mundo, com tantas pessoas precisando trabalhar? Precisamos desenvolver formas. Não precisamos ficar amarrados a um único modelo;, analisa.

Sancionada com três vetos pelo presidente Michel Temer, a nova lei, que trata também do trabalho temporário, foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União de ontem (31).

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra, sinalizou que o STF deve ser chamado a se pronunciar sobre a polêmica.

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