Economia

A partir de hoje, crédito rotativo do cartão só poderá ser usado por um mês

O Banco Central (BC) espera que as novas regras do rotativo possibilitem melhores condições para que as instituições financeiras

Marlla Sabino*
postado em 03/04/2017 06:00
As novas condições para o pagamento da fatura do cartão de crédito entram em vigor hoje. Com as mudanças, os consumidores podem usar a modalidade de crédito rotativo do cartão por, no máximo, 30 dias. Caso a pessoa pague qualquer valor entre o mínimo, 15% do total da fatura, e o integral, o saldo devedor deve ser quitado no mês seguinte. Para quem não puder pagar a pendência na data, os bancos serão obrigados a oferecer um parcelamento da dívida por uma linha de crédito com taxas de juros menores, com prazo de até 24 meses.

[SAIBAMAIS]O Banco Central (BC) espera que as novas regras do rotativo possibilitem melhores condições para que as instituições financeiras consigam reduzir as taxas de juros cobradas e evitem o superendividamento das pessoas, o que pode diminuir a incidência de consumidores inadimplentes no rotativo, que é a modalidade de crédito mais cara do mercado. Na prática, a expectativa é que os consumidores saiam de uma dívida em que os juros chegam a 481,5% ao ano para uma que cobra, em média, 163,5%.


Hoje, a inadimplência do cartão de crédito rotativo para pessoas físicas é de 33,2% do total de operações, enquanto a do parcelado é de apenas 1,2%. A economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, afirma que o número alto de endividados é consequência da facilidade em usar o cartão de crédito, combinada com as altas taxas de juros e o descontrole financeiro dos brasileiros.

O consultor de vendas Alisson Marques da Silva, 26 anos, quer se livrar do cartão. Para ele, a praticidade da ferramenta estimula o consumo. Há três meses, ele paga o valor mínimo da fatura porque as compras foram excessiva. Acumulou uma dívida de R$ 2 mil no período. ;Comprei um celular, tênis, roupa, gastei com festas e até parcelei a entrada de um carro. Quero acabar com o cartão, porque vira um vício. Gastei demais e quando vi não tinha como pagar;, diz.

A dívida de Silva aumentou mais de R$ 500 em três meses. ;Eu nem olho para quanto cobram de juros. Não gosto de ver essas taxas;, afirma Alisson. Mesmo com as novas regras, ele acha que vai se enrolar com as parcelas. ;Não vai fazer muita diferença para mim. O segredo é a pessoa saber se programar para pagar a fatura em dia;, declara.

Pesquisa do SPC Brasil aponta que o cartão de crédito é o motivo da inadimplência para metade das pessoas que estão com o nome sujo ou que estiveram nessa situação nos últimos 12 meses. A auxiliar de serviços gerais Cristiana Carneiro da Silva, 40 anos, conhece a realidade de não ter crédito na praça. Por três meses pagou o valor mínimo da fatura, mas, sem emprego, não conseguiu mais honrar os compromissos. ;A dívida aumentou quase R$ 500 em alguns meses;, diz.

Apesar de achar extorsivos os juros oferecidos, ela está se planejando para limpar o nome. ;Bloqueei o cartão e não uso nenhum. É ruim estar com o nome sujo, não consigo comprar nada;, desabafa.

Cuidados


Para Marcela, além das novas regras, é necessário que os consumidores se segurem na hora de comprar com o cartão. ;De fato, as taxas do parcelado são menores que as do rotativo, mas continuam elevadas. Ainda é necessário ter cuidado na hora de comprar a prazo, até porque os juros do rotativo continuam sendo cobrados no primeiro mês;, nota. A economista aponta que o problema é o consumidor usar o cartão para gastos corriqueiros e de curto prazo, além de não ter controle do valor da fatura, como admitiram 49% das pessoas ao SPC Brasil.

O diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Leonardo Garcia, acredita que a medida será positiva para o consumidor, pela obrigação de negociar a pendência com o banco antes que a dívida se torne uma bola de neve. ;As pessoas só se preocupam em resolver o problema quando já é um montante alto;, afirma. Para ele, além de informação, é importante que o cliente receba aconselhamento da instituição financeira para saber qual a melhor opção. ;Mesmo no parcelado, há o risco de ele escolher uma opção que não é tão vantajosa. É importante que ele conheça todos os encargos e possa comparar qual a melhor forma de pagamento;, aponta.

As regras são válidas para todos os cartões de crédito do mercado, inclusive os cartões private label, como C e Lojas Americanas. O cartão Nubank, um Fintech, também deve observar as novas regras, de acordo com o professor Breno Peixoto Cortez, do Centro Universitário Estácio. O especialista explica que as medidas funcionam como proteção aos consumidores que financiavam suas compras com o rotativo do cartão de crédito. ;O parcelamento de fatura já é um produto ofertado pelos bancos, porém, pouco utilizado. A mudança será benéfica para todos os envolvidos. O consumidor terá mais consciência financeira, os juros totais pagos tendem a reduzir e a curto prazo a inadimplência, também;, argumenta.

Ferramenta pode ser aliada


O cartão de crédito, usado com cuidado, pode trazer benefícios para os clientes, avaliam especialistas. Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira, afirma que a ferramenta deve ser usada como aliada e não inimiga. É um meio de compra seguro, que proporciona rapidez, segurança e comodidade de fazer pagamentos 30 dias após a transação, sem juros. ;O cartão de crédito não é o vilão. As pessoas precisam aprender a lidar com ele, porque, se bem utilizado, ele pode gerar benefícios, como bônus, milhas e pontuação;, garante.

Segundo o educador, ao longo do Plano Real, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, várias pessoas adquiriram o cartão de crédito pela primeira vez. Muitas com limites acima da capacidade de pagamento. ;Isso resultou em um desastre, porque não há educação financeira. Há quatro anos, nós tínhamos 50 milhões de endividados. Hoje nós temos 60 milhões e 80% deles no cartão de crédito;, afirma Domingos.

O especialista diz também que a ferramenta precisa ser usada com sabedoria. Não é necessário ter vários cartões de crédito com limites altíssimos. ;Quando se paga o valor mínimo da fatura é como se o consumidor fosse entrando numa areia movediça. No começo parece que vai conseguir sair, mas, no fim, não consegue. Fica atolado com os juros do rotativo ou do parcelamento;, afirma Domingos.

Atenção


Se for inevitável entrar no rotativo, o consumidor precisa observar o cenário e pesquisar as opções para quitar a dívida gastando o mínimo possível com juros. ;O parcelamento pode levar muita gente para a inadimplência. Cabe a cada pessoa procurar o crédito pessoal ou consignado com taxas menores para quitar a dívida logo no primeiro mês;, recomenda Domingos.

O principal ponto é respeitar o dinheiro. Rafael Seabra, educador financeiro do blog Quero Ficar Rico, conta que o cartão de crédito deve ser usado para pagar os ;sonhos; dos consumidores. ;Não se pode usar para pagar combustível ou compras do supermercado. Os gastos do dia a dia devem ser pagos com dinheiro ou cartão de débito. Todo mês você vai pagar isto, então por que deixar para pagar no mês seguinte? Precisa caber no orçamento;, explica.

Nos últimos seis meses, o policial civil Luis Ramires de Lima, 48 anos, percebeu que as despesas com o cartão estão saindo do controle. ;Uso para tudo, até na padaria;, admite.

Com medo de se endividar, ele está começando a mudar os hábitos. Até o começo do ano, usava três cartões de crédito, mas preferiu bloquear um dos plásticos. ;Eu paguei o mínimo em um deles, porque extrapolei o limite do orçamento e não dei conta de quitar a fatura. Só então me dei conta do quanto os juros são altos;, conta.

*Estagiários sob supervisão de Paulo Silva Pinto

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