Economia

Decisão do STF de proibir greves na segurança dá margem a ações judiciais

Categorias, no entanto, avaliam que a participação da Justiça em negociações é positiva

Vera Batista
postado em 07/04/2017 06:00

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de decretar a inconstitucionalidade das greves das carreiras da área de segurança, por representarem risco à manutenção da ordem pública, pode dar margem a uma enxurrada de ações judiciais. Na opinião do presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia do Distrito Federal (Sindepo-DF), Rafael Sampaio, para impedir a greve dos policiais, a Corte os equiparou às Forças Armadas. Com isso, no entendimento do Sindepo-DF, todos podem reivindicar os mesmos direitos e prerrogativas dos militares.


Para Sampaio, isso significa que, na PEC 287, que trata da reforma da Previdência, a União não poderá transferir os profissionais de segurança pública para a alçada de estados e municípios. ;E isso ficou claro quando o STF igualou todos;, explicou. Um ponto obscuro da decisão, segundo ele, é a não definição de uma punição para quem decidir cruzar os braços. ;Provavelmente, será administrativa, em obediência ao estatuto do servidor;, analisou o presidente do Sindepo-DF.

Especialistas não conseguiram avaliar se a proibição de greve vai se estender a outros setores igualmente considerados essenciais, como saúde e educação. Isso dependerá de nova decisão específica do Supremo, em momento oportuno, segundo esclareceram advogados constitucionalistas.

No entanto, nem tudo foi considerado negativo na decisão do STF. Na opinião das categorias envolvidas, pelo menos um ponto é positivo: criou instrumentos que facilitam que acordos com governos estaduais ; inclusive salariais ; sejam cumpridos. Segundo Sampaio, o item que agradou foi o que obriga o Poder Judiciário a participar de negociações de interesse dessas categorias. ;A conciliação em juízo é nova. No DF, será importante a participação da Justiça Federal para obrigar o governo a honrar os compromissos;, alertou.

Antes do julgamento no STF, estava marcada uma greve geral contra a reforma da Previdência para 28 de abril, com a participação de outras categorias representadas pela União dos Policiais Brasileiros (UPB). Para o vice-presidente da Fenapef, Flávio Werneck, tudo continua valendo. ;Vamos respeitar a lei, fazendo, por exemplo, uma Operação legalidade ; controle da totalidade das cargas, que hoje é feito por amostragem;, explicou Werneck.

Ponto crítico

Proibir os policiais de fazer greve é correto?


Categorias, no entanto, avaliam que a participação da Justiça em negociações é positiva

SIM

; Adib Abdouni*

O direito à greve deve ser assegurado pelo Estado, enquanto direito fundamental do cidadão e legítimo mecanismo de reivindicação de direitos, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre quais interesses que devam, por meio do movimento paredista, defender, na hipótese em que estiver presente um impasse negocial apto a refrear a solução do conflito.

A questão ganha relevo quando a analisamos sob o enfoque do direito do servidor público, observada a peculiaridade de que a função que desempenha é realizada no interesse coletivo, a qualificá-la como essencial. Com efeito, para sabermos sobre a possibilidade do exercício ou sobre a vedação desse direito, devemos buscar a resposta no texto constitucional. Quis o legislador constitucional relegar para a legislação infraconstitucional a regulamentação da matéria, conforme se infere do artigo 37, inciso VII, da Carta Magna. Ademais, a Constituição Federal ainda cuidou de conferir ; expressamente ; sobre o tema, tratamento jurídico diverso entre as categorias dos servidores públicos civis e militares.

Pois bem.

Quanto aos servidores públicos civis em geral, a omissão do Poder Legislativo em editar lei específica para tratar dessa temática faz com que o Poder Judiciário seja obrigado a preencher o vácuo legal, com aplicação da lei de greve dos trabalhadores celetistas (Lei 7.783/89) na seara do serviço público.

No que toca aos militares ; Forças Armadas, Polícias Militares e Corpo de Bombeiros ;, vinculados a instituições que, por sua natureza, são organizadas com base na hierarquia e disciplina, a Carta Magna é categórica ao afirmar a proibição da greve.

A questão posta à prova no julgamento do Supremo Tribunal Federal na última quarta-feira, 5, no bojo dos autos do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654432, tratou da distinção pretendida por policiais civis, no sentido de que a vedação constitucional deveria ficar restrita aos policiais militares.

No caso, o Plenário da Corte Suprema ; por maioria de votos e sob a previsível crítica das associações de classe ; reafirmou a inconstitucionalidade de greve de policiais civis, na esteira de precedentes daquela Casa de Justiça.

E o fez com razão. É que não se pode perder de vista que servidores públicos de órgãos de segurança ; civis ou militares ; realizam atividade intrinsecamente ligada ao exercício de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Até porque, ainda que civis, os integrantes da polícia judiciária representam, em última análise, o braço armado do Estado. Assim, suas atividades constituem serviços públicos essenciais, a revelar, nessa ordem de ideias, sua equiparação aos militares, ante sua missão de garantir a paz social.

Assim, deve prevalecer o entendimento de que não é possível dar tratamento constitucional isonômico a servidores públicos civis e integrantes da polícia civil (armados), posto que eventual paralisação ; sabemos disso ; irradia efeitos danosos gravíssimos à sociedade, tornando o cidadão refém do movimento paredista ; por mais justo que seja o mote da reivindicação. A ilicitude da greve de policiais é causa de responsabilização civil e criminal de seus participantes.

* Advogado constitucionalista e criminalista


Categorias, no entanto, avaliam que a participação da Justiça em negociações é positiva

NÃO

; Fabrício de Oliveira Campos*

O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, esta semana, que os policiais civis não têm direito à greve, tal como já ocorre com os policiais militares. O argumento é o de que os policiais civis são agentes responsáveis pela segurança pública e a paz social, direitos fundamentais que devem ser preservados em favor de todos os cidadãos. Apesar de ser um argumento impressionante, como o é todo argumento que coloque a segurança pública no debate, a decisão do Supremo foi de encontro à própria Constituição e é um prêmio para a negligência e incompetência dos estados em manter e prestigiar os responsáveis pelo nosso direito à segurança.

A Constituição de 1988 aborda de forma muito clara as categoriais policiais. Os policiais militares são expressamente proibidos de ingressarem em movimentos grevistas. Os policiais civis, assim como os policiais federais, não são alcançados pela proibição. Está escrito e está claro. Essa diferenciação entre as polícias foi obviamente objeto de atenção quando da formulação da Constituição de 1988. A ideia da Constituição é (ou foi...) a de ampliar ao máximo direitos individuais, entre eles o direito à greve, direito que foi retirado somente das carreiras militares e mais nenhuma outra (o que em si já é questionável, ao menos quanto às polícias militares). O STF ampliou uma proibição que a própria Constituição não quis ampliar.

O direito e os limites à greve já são bem regulamentados. Serviços essenciais não podem ser paralisados integralmente, a exemplo do que ocorre com serviços de saúde ou transporte público. A ilegalidade dessas greves, quando reconhecida, gera pesadas sanções aos respectivos sindicatos e comprometem o ponto dos trabalhadores que abusam do direito.

Essa opção do STF em dizer o que Constituição nunca disse vai culminar por ameaçar justamente o direito que a Corte afirma defender, isto é, acabará colocando o próprio direito à segurança pública em risco. Sem o direito dos policiais civis (e federais) à greve, os estados (e o governo federal) ganham fôlego na manutenção de políticas salariais injustas, ficam mais à vontade com a negligência, com o sucateamento e com o descompromisso com categorias importantíssimas. São premiados com uma parcela menor de responsabilidade, sabendo que o servidor espoliado e ressentido pela falta de estrutura, apesar dos riscos de sua atividade, não pode lançar mão de mecanismos eficientes de protesto.

Por fim, o STF parece privilegiar a ideia de que o servidor insatisfeito deve procurar outra atividade, como se no edital dos concursos estivesse escrito ou nos juramentos estivesse consignado que o Estado pode violar planos de carreira, desprezar a necessidade de reposições salariais, expor os servidores a riscos maiores do que os inerentes à atividade, deixar faltar o essencial para que as missões sejam cumpridas, etc. O Estado tem responsabilidade com a segurança pública na medida em que tem responsabilidade com esses servidores. Excluí-los do direito fundamental à greve é, portanto, premiar quem não cumpre a sua parte para com as categorias policiais.

* Criminalista, sócio do Oliveira Campos & Giori Advogados

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