Economia

"País sairá melhor da crise ética", avalia presidente do TST, Ives Gandra

Especialista em direito tributário e professor emérito da Universidade Mackenzie, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho concedeu entrevista ao CB Poder

Leonardo Cavalcanti, Simone Souto, Paulo Silva Pinto, Denise Rothenburg
postado em 13/04/2017 06:00

Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho

O projeto de reforma trabalhista foi finalmente lido no Congresso Nacional. Um dos citados no relatório foi o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, por causa da tônica do discurso desse paulistano de 57 anos. ;Isso dá muita segurança para nós, julgadores. Quando temos parâmetros, marcos regulatórios mais claros, isso faz com que possamos decidir com mais segurança;, afirma. Especialista em direito tributário e professor emérito da Universidade Mackenzie, Gandra assumiu o posto em fevereiro de 2016. Em entrevista ao programa CB Poder, uma parceria entre a TV Brasília e o Correio Braziliense, demonstrou preocupação com a atual crise ética e política do Brasil, mas, otimista, disse que o país sairá melhor dessa crise.

Escritor, Gandra é autor de um manual sobre a trilogia O Senhor dos Anéis, publicado pela Editora Martins Fontes, em 2002. Segundo ele, começou como uma válvula de escape, mas hoje é possível fazer um paralelo com a realidade brasileira. ;Não existe um maniqueísmo entre uma pessoa boa e uma pessoa má. Mas nós podemos nos deixar corromper quando não temos a coragem de enfrentar esta situação, vendo o que é o certo, o que poderíamos fazer. Hoje, eu vejo o Brasil falando da crise, não estamos numa crise econômica, estamos em uma crise ética, de valores éticos;, explica.

Qual é a expectativa do senhor em relação à reforma trabalhista? O que o trabalhador brasileiro deve esperar?

Eu estou com muita expectativa positiva, principalmente, porque está sendo feita uma reforma mais ampla. Há muitos anos que a CLT tem sofrido pequenas alterações, mas, com tanta mudança do ponto de vista de novas tecnologias, novas modalidades de contratação, há várias lacunas, que, agora, estão sendo preenchidas. Quando temos marcos regulatórios mais claros, nós, julgadores, podemos decidir com mais segurança. E, com mais segurança, as empresas contratam mais.

O que o senhor ressaltaria como principal ponto do projeto?

A espinha dorsal dessa reforma é prestigiar a negociação coletiva. Se eu, eventualmente, fosse fazer uma reforma trabalhista, enxugaria a CLT, fazendo com que ela tivesse, principalmente, os direitos básicos comuns a todos os trabalhadores. O artigo 7; da Constituição tem 34 incisos, que dão uma cobertura geral para todos os trabalhadores. Dois desses incisos admitem flexibilização do salário e da jornada. Você pode reduzir salário ou jornada conforme esteja em época de crise econômica. O patrimônio jurídico do trabalhador não vai ser reduzido porque tem que haver uma vantagem compensatória se reduzir salário ou jornada.

Mas não ficou só nisso. Há mudança em 100 pontos. Existe a possibilidade de elas serem questionados e chegarem ao Supremo?

Quando uma nova lei contraria interesses, sempre tem associação ou partido político que entra com ação direta de inconstitucionalidade. O Supremo é que vai dizer.

O senhor acha que o relatório foi bem feito, bem discutido pela sociedade ou existem pontos que precisam ser mais debatidos?

Quando a reforma foi lançada, no final do ano passado, era um texto muito enxuto, com pontos de consenso entre as confederações patronais e as centrais sindicais, que tinha como espinha dorsal a negociação coletiva. Mas, é natural que quando vai para o Congresso, todos os segmentos queiram colocar os pontos de dificuldade encontrandos nas relações trabalhistas. Não é surpresa que aquele texto tenha sido ampliado.

Na reforma da Previdência acabou acontecendo isso. Existe a possibilidade de esse relatório acabar sendo desfigurado ao longo da negociação?

Não dá para prever, mas o relator, deputado Rogério Marinho, tem feito um trabalho louvável, ouviu muita gente. Desse processo, vai sair um texto final bastante protetor de direitos dos trabalhadores, mas também que dá garantias, do ponto de vista de segurança jurídica, às empresas.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que iria ampliar o texto que chegou do Executivo. Tem algum ponto nevrálgico com que o senhor não concorde?

Na questão da terceirização, eu entendo que a distinção entre atividade-fim e atividade-meio é importante. Mas, como é difícil definir o que é atividade-fim, atualmente até o fiscal do trabalho está atuando como juiz, porque ele vai dizer, interpretando as circunstâncias, se essa empresa pode ou não contratar. Eu colocaria algum dispositivo dizendo que cabe à empresa tomadora de serviços, à empresa principal, definir qual é a sua atividade-fim, e, a partir daí, ela não pode contratar permanentemente trabalhadores para essa atividade. O que não me entra na cabeça é duas pessoas trabalharem ombro a ombro, no mesmo ambiente, na mesma atividade, uma ser da tomadora, uma da prestadora, uma ganhando x, outra ganhando x sobre dois.


Como ficariam essas relações de trabalho? Quem paga meu salário não é meu chefe direto ou não é a empresa onde eu trabalho. Essa relação torna o trabalhador mais frágil ou traz mais segurança?

A terceirização é uma realidade econômica irreversível. Nós passamos da empresa vertical, em que todos os trabalhadores, de todas as atividades, pertenciam à própria empresa para uma cadeia de produção. Cabe a cada empresa decidir aquilo que é o seu foco, sua atividade, todas as outras são atividades-meio para atingir esse fim. Portanto, se temos um marco regulatório seguro, fica muito mais fácil resolver essas questões de terceirização, sem depender de uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho.

Faz sentido uma fábrica de carros terceirizar o trabalho?

As empresas são montadoras. Elas compram os componentes e entregam o produto final. Elas também se especializam, como uma empresa que pode decidir fabricar apenas pneus. As empresas querem se especializar. Não adianta uma empresa querer fazer várias coisas. Uma empresa pode ter o setor de copa e cozinha, o setor de veículo. A terceirização não vai reverter nenhuma evolução do mercado adquirida até agora.

O senhor é fã de O Senhor dos Anéis, escreveu um manual pela Martins Fontes. Há cobiça e corrupção próximas dos personagens. O senhor consegue fazer uma relação entre o livro e a realidade do país hoje?

Nós nos colocamos diante de tentações entre a luta do bem contra o mal. Não existe um maniqueísmo entre uma pessoa boa e uma pessoa má. Mas nós podemos nos deixar corromper quando não temos a coragem de enfrentar essa situação, vendo o que é o certo, o que poderíamos fazer. Hoje, eu vejo, o Brasil falando da crise, não estamos numa crise econômica, estamos em uma crise ética, de valores éticos.

O senhor acha que o Legislativo está preparado para enfrentar uma reforma trabalhista?O que sai em todos os jornais hoje é a lista do ministro Fachin, que elenca todas as pessoas envolvidas em corrupção.

Eu faria uma comparação. Há muita gente que diz que não é possível fazer uma reforma trabalhista sem antes fazer uma reforma sindical. Porque, se nós queremos prestigiar a negociação coletiva, os sindicatos têm que ter mais legitimidade. Mas, se colocarmos antes a sindical, que é mais complexa, nunca vai sair a trabalhista. Fazer uma limpeza do parlamento, como muito falam, antes de fazer qualquer reforma... nunca vamos fazer nada. Então, vamos fazer aquilo que é possível.

Uma das polêmicas da reforma é a questão do recurso sindical. Vai ser uma batalha, claramente por conta da força das centrais dentro de determinados grupos no Congresso. Qual problema do imposto sindical hoje, na sua avaliação?

O problema é que ele é obrigatório para todas as categorias, todos os empregados. Seria razoável, no meu modo de ver, criar uma contribuição sindical negocial, voluntária, para a época da data-base para se conseguir naquela convenção o reajuste de salário. Então, é justo que o trabalhador pague para o sindicato, que luta por ele.


Isso não enfraquece uma das partes? O trabalhador não deixará de ter um sindicato mais efetivo? Esse é o argumento das centrais.

Não, o que acontece na prática, e a gente vê isso há anos, é que a criação de sindicatos provoca reclamação das antidades antigas, que, pela especificação ou redução de base territorial, querem ganhar o imposto sindical.

E como vai ser no caso de haver dois sindicatos de uma mesma categoria?

A OIT prevê o princípio do pluralismo sindical. Hoje, a unicidade sindical faz com que um sindicato só represente em cada base territorial toda a categoria. Então, você fica sempre com aquele ranço dos mesmos sindicatos. Em um regime de competição, o sindicato que oferecesse melhores serviços, os melhores direitos dos trabalhadores, teria mais associados.

No Brasil, não poderia ocorrer uma queda no desemprego, mas também uma queda da renda das pessoas, com a reforma trabalhista, como se viu em outros países?

Eu assisti a três palestras, de um português, um alemão e um francês. Os três estavam de acordo que o desemprego caiu em seus países. Em alguns momentos, houve uma redução salarial. Mas as economias se recompuseram. Quando você deixa mais flexível o sistema, o empregador que não iria contratar pessoas antes, com medo da legislação, vai pensar em contratar com a reforma. Entre ganhar, por exemplo, 20 mil e estar empregado, é melhor estar empregado. As vantagens devem ser negociadas a cada período, circunstância de tempo e lugar.

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