Jornal Correio Braziliense

Economia

Entre perdas e ganhos, reformas provocam apreensão entre especialistas

No entanto, as reformas garantem a sobrevivência do regime e a retomada dos investimentos, afirmam os defensores da proposta



No intervalo entre uma greve geral e novas manifestações, marcadas para amanhã, a palavra que define o 1; de maio deste ano é inquietação. A data comemorativa não deixa, entretanto, de ter como protagonistas os trabalhadores, que reivindicam, entre outras pautas, o fim das reformas trabalhista e previdenciária. O grau de descontentamento com as mudanças que o governo pretende aprovar ainda este semestre suscitam uma dúvida compreensível, em meio a tantas novidades: o que se ganha e o que se perde, de fato, com as reformas previdenciária e trabalhista.


De imediato, é fácil ver de que maneira a reforma vai afetar a vida dos brasileiros. Ao estabelecer uma idade mínima para aposentadoria, que hoje não existe no Brasil, e diminuir potencialmente o valor dos benefícios, com uma fórmula de cálculo que exige 40 anos de contribuição para a aposentadoria integral, o governo gerou preocupação entre os trabalhadores. Proibir o acúmulo de pensões com aposentadorias, se a soma for maior que dois salários mínimos, e vetar a acumulação de duas pensões por cônjuges são outros pontos questionados pelos opositores da reforma. Eles alegam ainda que a exigência de 25 anos de contribuição pode impossibilitar a aposentadoria da maior parte dos brasileiros. Hoje, 79% dos que se aposentam por idade (de 60 anos para mulheres e 65 para homens) não conseguiram contar mais de 15 anos de contribuição.


Na opinião da presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger, quem mais perde são os trabalhadores rurais. Não tanto na idade, porque a exigência para quem trabalha em regime de economia familiar será de 60 anos para homens e 57 para mulheres, com 15 de serviço, mas pela contribuição individual que passará a ser exigida. ;O pequeno produtor, que hoje paga ao vender a produção, nem todo mês tem como contribuir;, explica. De acordo com ela, esse obstáculo poderá atingir cerca de 4 milhões de pessoas que poderiam, nos próximos anos, se aposentar, mas que talvez não tenham mais condições.

Impactos

Diante dos impactos imediatos, é mais difícil mensurar os ganhos que serão proporcionados pela reforma da Previdência. Os defensores da proposta argumentam que, sem essas mudanças, por mais que pareçam duras, as chances de o país não conseguir pagar as aposentadorias em um futuro próximo são grandes. Quem mais ganha com as mudanças são os jovens, que terão a garantia de uma Previdência Social que ainda funciona. Reformar o sistema, hoje deficitário em R$ 150 bilhões, ;criará um ambiente que propiciará um crescimento maior da economia e geração de emprego;, defende o secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano.


[SAIBAMAIS]Ele considera que a grande vantagem da reforma é assegurar a sustentabilidade do regime previdenciário, sendo essa garantia o maior sinal de que ela melhorará a vida dos trabalhadores. ;Isso tem um resultado de curto prazo na economia, não só daqui a muitos anos. O mercado reage imediatamente. Só a perspectiva de ter a aprovação de uma reforma e uma melhora no rombo fiscal permite que os juros caiam agora, por exemplo;, explica Caetano. Nesse cenário, a geração de empregos é uma consequência que pode ser vista como certa pelos brasileiros.


Outra expectativa dos defensores da reforma é que, a longo prazo, ela garanta, além de uma economia mais saudável, ;investimento público maior e carga tributária menor;, cita o consultor legislativo do Senado Federal Pedro Nery, especialista em Previdência. Por serem mais distantes e, em grande parte ;secundários;, esses efeitos são menos observados pela população. ;Acho que a dificuldade é comparar o cenário futuro com e sem a reforma. As pessoas pensam no que muda em relação à situação imediata, por isso ficam indignadas, mas não em relação ao que acontecerá nos próximos anos caso nada seja feito, o que seria muito pior;, argumenta.


Jane Berwanger concorda que o sistema previdenciário precisa ser reformado, mas critica a pressa do governo. ;Se as mudanças fossem conduzidas com calma e com mais diálogo, seria mais fácil de explicar a necessidade e os eventuais pontos positivos para as pessoas;, avalia a advogada. Para ela, o fato de a proposta ter sido enviada ao mesmo tempo que a trabalhista acabou causando desconfiança. ;Além de ter errado a mão na reforma previdenciária, que é muito dura, o governo mandou duas propostas que alteram direitos de uma só vez. Isso acabou causando uma resistência muito grande.;

O que está em jogo
Veja as principais mudanças propostas aos trabalhadores com as reformas da Previdência e trabalhista:

; Regras mais rígidas para aposentadoria
O governo pretende estipular idade mínima de 65 anos para homens e de 62 para mulheres, além de 25 anos de contribuição para ambos


; Benefícios mais baixos
A aposentadoria integral só será garantida após 40 anos de serviço. Quem se aposentar com o tempo mínimo de contribuição, de 25 anos, receberá 70% da média de todos os salários, percentual que aumenta quanto mais anos a pessoa trabalha


; Transição para todos
A partir do momento que a reforma for aprovada, ninguém poderá se aposentar com menos de 53 anos de idade, se for mulher, ou 55, se for homem. Como pedágio, o trabalhador precisará trabalhar 30% a mais do que faltaria para alcançar o tempo mínimo de contribuição pela regra atual (30 anos para mulher e 35 anos para homem) na data da entrada em vigor

; Proibição de acumular pensões
A pensão por morte poderá ser recebida junto com aposentadoria, desde que o valor final não ultrapasse dois salários mínimos, mas não poderá ser acumulada com outra pensão por morte

; Divisão de férias
Poderão ser parceladas em até três períodos, de no mínimo cinco dias, desde que um deles dure pelo menos 14 dias corridos. Fica proibido o início das férias dois dias antes de feriado ou de dia de repouso semanal remunerado

; Terceirização
A reforma trabalhista sugere alguns aperfeiçoamentos na lei que foi aprovada para regulamentar a terceirização. Por exemplo, a quarentena: funcionários demitidos só poderão ser recontratados como terceirizados após 18 meses da demissão

; Enfraquecimento dos sindicatos
A contribuição sindical deixará de ser obrigatória e passará a ser opcional. Além disso, pela reforma previdenciária, trabalhadores rurais não precisarão de declaração do sindicato para comprovar os requisitos para a aposentadoria, como é feito hoje


; Jornadas mais flexíveis
O limite de trabalho semanal aumentará de 25 para 30 horas, sem horas extras, ou 26, com possibilidade de seis horas extras por semana. Além disso, a possibilidade de trabalhar 12 horas seguidas de folga de 36 horas passará a fazer parte da legislação


; Trabalho intermitente
Passará a ser permitido o trabalho descontínuo e com remuneração paga por hora. O contrato deve ser feito por escrito, com o valor da hora especificado, desde que não seja inferior ao valor-hora do salário mínimo ou ao pago aos demais funcionários que exerçam a mesma função Regulação do teletrabalho e do trabalho remoto As atividades feitas de casa, no regime de home office, não obedecerão a um regime de jornada e poderão ser alteradas para presencial, mediante a mudança contratual. A responsabilidade de estrutura para o teletrabalho e reembolso das despesas deverá ser previsto em contrato, sem considerar valores como remuneração


; Comissão laboral
Empresas com 200 a 3 mil empregados terão que ter uma comissão laboral no ambiente de trabalho com no mínimo três representantes. Número de membros poderá ser alterado livremente em negociação com o sindicato, com mandato de um ano e quarentena de dois anos para reeleição