Rosana Hessel
postado em 01/05/2017 07:05
As mudanças no texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n; 287/2016, que trata da Reforma da Previdência, podem ter diminuído as resistências de alguns parlamentares da base aliada do governo de Michel Temer, ao manter privilégios a determinadas categorias que fizeram barulho e quebra-quebra no Congresso Nacional. No entanto, essas alterações deixam o problema para o próximo presidente da República, que assumirá em 2019, alertam especialistas.Um dos principais estudiosos em Previdência no país, o economista e cientista político Paulo Tafner, pesquisador da Fundação de Estudos e Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe-USP), avisa que, ao manter os privilégios de professores e de policiais e ao não equiparar as idades mínimas para a aposentadoria entre homens e mulheres, o governo já definiu um prazo de validade bem curto para essa reforma. ;O presidente que assumirá em 2019 vai ter a tarefa de apresentar uma nova PEC alterando as mudanças incorporadas;, afirma, em tom categórico.
;Lamentavelmente, o relator melhorou alguns aspectos porque os parlamentares mais irresponsáveis deste país fizeram pressão. Se essas mudanças foram o custo para garantir a aprovação, tudo bem, mas, em menos de 10 anos, vamos ter que fazer as correções do que foi cedido agora;, adiciona Tafner. Para ele, o governo não pode mais ceder na atual proposta porque ela perderá o pouco do efeito que tem para conter o desequilíbrio e recuperar a sustentabilidade dos regimes de Previdência. ;Não tem mais espaço para desidratar a proposta da reforma. Além disso, a mudança, em alguns pontos, é palatável, mas, em outros, é um retrocesso;, explica.
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[SAIBAMAIS]O economista da USP não poupa críticas aos grupos que defendem a manutenção de privilégios, como servidores, professores e policiais. ;Fico assombrado com educadores que pregam aos alunos que o Brasil é injusto e, quando se tem uma reforma para igualar as aposentadorias, querem ser tratados de forma diferenciada. Estão defendendo o interesse da própria categoria;, afirma. Tafner conta que os professores, assim como os policiais, vivem tanto quanto os demais profissionais. ;Tabulei uma série de dados tanto para professor quanto para policial e eles sobrevivem como qualquer outra categoria profissional. Não há nenhum elemento técnico que justifique esses dois grupos terem um tratamento tão diferenciado;, avisa. O acadêmico considera que as corporações precisam fazer seguro de vida para os policiais que correm mais risco em campo.
O ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, tem reiterado que os gastos com benefícios previdenciários consomem mais da metade do total das despesas da União e continuarão crescendo, mesmo com a reforma atual. Pelas estimativas da pasta, com o texto da PEC modificado pelo relator, o deputado federal Arthur Maia (PPS-BA), a taxa das despesas com as previdências pública e privada e com a assistência social, em relação aos gastos orçados pelo governo, passará de 54%, em 2016, para 76%, em 2026. Sem a reforma, chegaria em 85% no mesmo período.
O doutor em estatística Kaizô Iwakmi Beltrão, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape-FGV), reforça a importância da reforma porque a mudança demográfica da população brasileira está sendo rápida e, em 2030, o número de beneficiários da Previdência será praticamente igual ao de contribuintes, o que é preocupante. ;Se não houver a reforma, o governo federal vai atrasar os pagamentos dos benefícios, como ocorre hoje no Rio de Janeiro;, afirma. Pelas estimativas do Tesouro Nacional, o rombo da Previdência Social, neste ano, será de R$ 189 bilhões.
Diferenças menores
Na avaliação de Tafner, no caso das aposentadorias rurais, manter as diferenças faz algum sentido, apesar de o rombo das aposentadorias no campo ser muito maior do que nas cidades porque há muitas particularidades. Ele faz um alerta: ;A Previdência urbana não é mais superavitária como no passado, e, em breve, o deficit deverá ser igual ao do campo ou maior;. E não para por aí.
Um levantamento comparativo entre os estados feito por Tafner com os dados demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que os idosos do Nordeste vivem tanto quanto os aposentados do Sul e do Sudeste. ;A diferença de expectativa de vida entre os estados está diminuindo e é possível afirmar que, nos próximos anos, não haverá diferenciação, o que justifica a reforma o quanto antes;, destaca. Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, Tafner constatou que o percentual de idosos acima de 65 anos em relação à população do Piauí, um dos estados mais pobres do país, é maior do que em São Paulo e em Santa Catarina. O Rio de Janeiro lidera essa lista, com 7,9% de idosos em relação à sua população. São Paulo tem 6,9% de seus habitantes com mais de 65 anos. No Piauí, a taxa é de 7,5%, e, em SC, unidade federativa com uma das melhores qualidades de vida do país, o percentual é de 5,5%.
;A diferença de idade da população entre os estados está cada vez menor entre os idosos. Se compararmos Piauí e Santa Catarina, os dois extremos do país, a esperança de vida vai diminuindo e chega a pouco mais de dois anos após os 80 anos;, destaca. Nos dias de hoje, a diferença é cada vez menor em todos o estados.
Perdas maiores
As mudanças na proposta da Reforma da Previdência, de acordo o Ministério da Fazenda, reduziram a economia prevista para o sistema previdenciário privado e os benefícios assistenciais, de R$ 793 bilhões, para
R$ 604 bilhões, entre 2018 e 2027, ou seja, R$ 189 bilhões a menos. Mas esses números podem ser considerados otimistas porque o impacto da proposta deverá ser maior do que o governo está prevendo. Pelas contas do economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, a economia prevista com a proposta, em 10 anos, seria menor, de R$ 755 bilhões, e, com as alterações feitas pelo relator, passou para R$ 500 bilhões. Logo, as perdas com as mudanças no texto do Executivo serão maiores em valores absolutos, de R$ 255 bilhões.
;A Reforma da Previdência é suficiente para gerar uma sustentabilidade nos regimes nos próximos 10 anos, no máximo, mas outras medidas precisarão ser tomadas para compensar essa diluição do impacto fiscal da PEC 287. Essa mudança é importante para sustentar a emenda do teto dos gastos públicos;, explica Schneider.
Não tem mais espaço para desidratar a proposta da reforma;
Paulo Tafner, pesquisador da Fipe-USP