Economia

Turbulência no cenário político paralisa a Bolsa de Valores

Negociações foram suspensas por 30 minutos, quando Ibovespa caía 10,47%; no fim do pregão, índice fecha em queda de 8,8%, depois de recuar 700 pontos em cinco minutos, durante discurso de Temer

Rosana Hessel
postado em 19/05/2017 06:00

Monica De Bolle, pesquisadora do Petterson Institute of International Economics:

Em meio ao clima pesado com a expectativa de renúncia do presidente Michel Temer, que acabou não se concretizando, o mercado abriu ontem em forte queda. Com apenas 21 minutos de pregão da nova Bolsa de Valores de São Paulo (BM), a B3, foi acionado o circuit breaker pela primeira vez desde outubro de 2008, durante a crise financeira global. Com isso, as negociações foram suspensas por 30 minutos, quando o Ibovespa, principal índice da bolsa paulista, caía 10,47%.


No primeiro dia após o vazamento da delação dos donos da JBS, a B3 encerrou o pregão com queda de 8,80%, a 61.597 pontos. A abertura de inquérito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar Temer ajudou a aumentar as apostas de renúncia ontem à tarde. O dólar subiu como não se via desde 1999, ano da maxidesvalorização, e acabou fechando o dia com alta de 8,62%, cotado a R$ 3,40 para a venda. O tombo do real só não foi maior porque o Banco Central interveio, com quatro leilões. A autoridade monetária informou que continuará fazendo leilões de US$ 2 bilhões até a próxima terça-feira.

O circuit breaker é um mecanismo de proteção das bolsas criado em 1987. Ele suspende o pregão quando a queda é superior a 10% por 30 minutos. Se, ao reabrir as transações, a variação do Ibovespa atingir uma variação negativa de 15% em relação ao índice de fechamento do dia anterior, os mercados são interrompidos novamente por uma hora. Em outubro de 2008, a bolsa paulista foi interrompida duas vezes, mas isso não ocorreu ontem. Após a volta das negociações, a B3 oscilou bastante até o pronunciamento de Temer, por volta das 16h. O Ibovespa chegou a perder 700 pontos cinco minutos após a fala do presidente, dando sinais de preocupação em relação à continuidade dele no cargo.


Prejuízo

A volatilidade do mercado refletiu nos negócios e as perdas dos investidores na bolsa foram grandes. Um levantamento feito pela Economática mostrou que o valor das empresas da B3 encolheu R$ 219 bilhões em relação à véspera, somando R$ 2,51 trilhões. Esse é o mesmo valor de 13 de janeiro, de acordo com a consultoria. Petrobras e os bancos tiveram as maiores perdas. O valor de mercado da estatal encolheu R$ 27,4 bilhões apenas ontem. A segunda maior desvalorização foi do Itaú Unibanco, de R$ 26,7 bilhões, e, em seguida, a do Bradesco, de R$ 24,4 bilhões.

Marco Saravalle, analista da XP Investimentos, destacou que empresas exportadoras acabaram na contramão do Ibovespa porque o real se desvalorizou bastante. Foi o caso de Suzano e de Fibria, empresas do setor de celulose que tiveram altas de 10% e 11%, respectivamente. ;Esse é um movimento natural quando o dólar sobe. E os investidores acabam vendendo suas posições e comprando esse tipo de papel para se protegerem no mercado de ações;, explicou.

A forte volatilidade do mercado também fez com que o Tesouro Nacional suspendesse os leilões previstos para a venda de títulos prefixados e indexados à Selic. Apenas o mercado secundário funcionou. O Tesouro Direto foi aberto somente às 16h, operou por uma hora e encerrou as negociações após o fechamento dos mercados. O Tesouro informou que realizará hoje os leilões de compra e venda dos títulos préfixados, indexados à Selic e à inflação. Os vencimentos vão de 2017 até 2055.


Pior por vir

O pior pode estar por vir. É consenso entre analistas que Temer não conseguirá se sustentar por muito mais tempo no poder, porque já não tem popularidade e a base aliada estaria se desmantelando após a denúncia. A expectativa é que, hoje, os operadores continuarão nervosos. ;Haverá mais confusão nos mercados porque o clima será de pré-impeachment. Ao não renunciar, Temer condenou o país a mais um ano de recessão porque não conseguirá garantir a governabilidade, muito menos, avançar as reformas;, afirmou a economista Monica De Bolle, pesquisadora do Petterson Institute of International Economics, de Washington. ;Temer pode continuar após esse Dia do Fico Sem Povo, mas ele ainda vai gerar mais turbulência;, apostou.

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, considera a saída de Temer inevitável, mas se preocupa sobre quem ficará no lugar dele. Para ela, o importante, no caso de uma transição, é que a equipe chefiada pelo ministro Henrique Meirelles continue, para ;dar um pouco mais de previsibilidade; na condução da política econômica. ;Uma coisa é certa: os investimentos continuarão parados, mesmo os que davam sinais de retomada. Vamos ver, de novo, a economia desacelerando. O Banco Central ainda não abandonou a estratégia de reduzir os juros, mas não tem mais espaço para ser agressivo no corte da Selic (taxa básica);, apostou.

Alessandra destacou que, daqui para frente, a emenda do teto dos gastos está comprometida, porque a reforma da Previdência não deverá mais avançar no Congresso Nacional. ;O risco país vai subir e os juros futuros, também, e isso vai continuar fazendo com que a dívida pública continue crescendo, o que vai prejudicar a retomada da confiança;, avisou.

Informação privilegiada

A JBS teria comprado grande volume de dólares na quarta-feira, em operações que são objeto de investigação das autoridades regulatórias. É o que afirmaram agentes de mercado que preferem não se identificar, algo não confirmado oficialmente. De acordo com as suspeitas, a empresa se beneficiou de informações privilegiadas para lucrar com a desvalorização do real.

Um dos principais acionistas da J, controladora da JBS, Joesley Batista é o responsável por ter gravado conversas com o presidente Michel Temer e pela delação ao Ministério Público. Foi esse o motivo do terremoto que se abateu ontem sobre os mercados financeiros e de capitais.

O dólar encerrou a quarta-feira cotado a R$ 3,13, em alta de 1,23%. Ontem, a elevação foi de 8,62%, levando a cotação a R$ 3,40. O ganho da JBS, segundo suspeitas que são objeto de investigações, pode ser superior aos R$ 225 milhões de multa que terão de ser pagos à Justiça devido às ilegalidades cometidas pela empresa junto com os crimes que estão sendo delatados.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) anunciou que poderá realizar investigações independentemente de ser provocada por agentes do mercado. Mas, devido ao sigilo que envolve esse tipo de operação, a autarquia do Ministério da Fazenda não explicitou se a JBS é objeto de análise.

O Banco Central (BC), ao ser questionado por jornalistas sobre a situação, afirmou que ;não comenta casos específicos que podem envolver mercados regulados;. Ressaltou também que, ;no âmbito de suas competências legais, apura informações recebidas de várias fontes, com vistas a eventual abertura de processo punitivo;.


Orientação é ter cautela

Em um dia de queda histórica na Bolsa de Valores de São Paulo (BM), a B3, a recomendação para os investidores é sangue-frio e cautela nesses momentos de pânico do mercado. ;O ser humano é um animal racional, mas tende a tomar decisões irracionais;, avaliou Marco Saravalle, analista da XP Investimentos. ;A orientação é tomar cautela e não vender em um momento como esse, porque o cenário econômico não está definido com os desdobramentos recentes;, afirmou.

Alexandre Cabral, especialista em finanças e professor da Fundação Instituto de Administração (FIA) da Universidade de São Paulo (USP), sugere a quem tem papéis ficar quieto como está diante da forte queda no mercado acionário. ;Mas, para quem pensa em investir na bolsa com expectativa de retorno no longo prazo, pode ser um ponto de entrada. É bom ficar atento às oportunidades;, orientou.

Para os conservadores que podem investir até R$ 5 mil, Cabral disse que é melhor continuar na renda fixa, principalmente, os títulos do Tesouro Nacional indexados à Selic (taxa básica da economia), porque o Banco Central deverá reduzir o ritmo de queda dos juros daqui para frente. ;Para investir mais de R$ 5 mil por um ano ou dois, é bom ficar de olho nos CDBs de bancos médios, que têm um bom rendimento;, avisou. Ele disse que, apesar da forte alta dos papéis de exportadoras ontem, é necessário ficar atento ao movimento do câmbio. ;Se o real se desvalorizar muito e o risco do país subir, o rating dessas companhias piora. É preciso saber o momento certo para entrar e sair;, ensinou.

Fabio Gallo, especialista em Finanças Pessoais e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), explicou que o pequeno investidor precisa ficar quieto neste primeiro momento, porque o cenário tende a piorar. ;A percepção é que o país vai sangrar mais nos próximos 30 a 60 dias;, alertou. Ele lembrou que o quadro externo também está tenso com a ameaça de impeachment do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Com isso, deve haver migração dos grandes investidores para um ativo que não tem muita liquidez, mas é seguro: o ouro. ;Esse investimento não é recomendável para o médio investidor;, disse, recomendando Tesouro Direto.

O estrategista chefe da BullMark, Renan Silva, ressaltou que a queda na abertura do pregão ontem refletiu a desconfiança do mercado, mas houve certa correção dos valores e acomodação após a interrupção do pregão. Hoje, alertou, o mercado deverá continuar instável. ;Por isso, a cautela deve permanecer;, afirmou.

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