Mesmo após confessar em delação premiada que pagaram propina para diversos políticos e gestores públicos em troca de financiamentos de fundos de pensão de estatais e bancos públicos, os irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores da J Investimentos, não serão presos ou usarão tornozeleira eletrônica. Os irmãos ainda terão direito de manter residência nos Estados Unidos. O acordo nem sequer prevê o afastamento deles de funções executivas na holding e nas demais companhias do grupo, como a JBS. Os Batista e os outros cinco delatores pagarão somente uma multa de R$ 225 milhões, menos do que os mais de R$ 1 bilhão que teriam ganhado em especulação no mercado financeiro.
Embora a companhia tenha de pagar outros R$ 11,2 bilhões em acordo de leniência proposto pelo Ministério Público Federal (MPF), terá prazo de 10 anos para ressarcir os cofres públicos. Se os depósitos forem mensais, o grupo gastará R$ 93,3 milhões, montante insignificante perto da receita líquida de R$ 170,3 bilhões da JBS, uma das diversas empresas. A proposta feita pela J aos procuradores era de pagamento de apenas R$ 1 bilhão, mas foi recusada. Até o fechamento desta edição, não havia notícia sobre a assinatura do termo. Entretanto, o MPF informou aos representantes da família Batista que as discussões seriam encerradas às 23h59 e a proposta expirada.
A expansão dos negócios se deu a partir de 2004, quando Joesley foi apresentado a Victor Garcia Sandri, empresário e amigo íntimo de Guido Mantega, então ministro do Planejamento. Ele relata na delação que Sandri cobrou R$ 50 mil mensais para intermediar encontros entre os dois e garantiu que a propina seria repartida com Mantega. Assim que o petista passou a comandar o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 2005, a empresa recebeu um financiamento de US$ 80 milhões.
Na opinião do professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Henrique Badaró, o benefício dado aos irmãos Batista não parece justo, diante de todos os crimes cometidos, pelo fato de eles saírem, praticamente, ilesos, permanecendo, inclusive, no comando das empresas. ;Eles tinham, ao menos, que deixar as companhias.; O professor considerou ;profundamente imoral; Joesley e Wesley terem faturado com a compra de dólares antes da divulgação da denúncia, que fez a moeda disparar.
Um procurador da República, que prefere não se identificar, ponderou que os donos da JBS não estavam condenados como os delatores da Odebrecht, se dispuseram a ajudar de formas diferentes e tudo isso é levado em consideração em um acordo de delação premiada. ;Tudo depende do que eles têm a oferecer e, obviamente, de quem eles vão conseguir provar o envolvimento nos ilícitos. Claro que um presidente da República tem peso maior na balança.;
No mercado, diversos executivos avaliaram que o MPF e o Judiciário foram brandos em relação às punições impostas aos irmãos Batista. Entretanto, admitiram que nenhuma outra delação trouxe tantos elementos comprobatórios. ;Para eles, o crime compensou. Cresceram às custas do governo, pagaram propina para políticos de todos os partidos possíveis e agora moram nos Estados Unidos, com a desculpa de que estão sendo ameaçados;, reclamou um banqueiro que preferiu anonimato.
Ascensão
Até 2006, a Friboi, empresa que mais tarde se tornaria a JBS, já era um dos maiores frigoríficos do Brasil, mas não estava entre as 100 maiores companhias do país. Faturava apenas R$ 4 bilhões ao ano. Mesmo com a chegada de Luciano Coutinho ao BNDES, Mantega garantiu que a estatal se tornasse sócia dos irmãos, por meio da compra de participação acionária. Desde a abertura de capital, em 2007, os Batista receberam mais de R$ 10 bilhões do banco público para custear a aquisição de diversos concorrentes, até se tornarem os maiores processadores de proteína animal do mundo. Os contratos eram fechados com percentuais de propina acertados para o PT e para Mantega.
Atualmente, quase 80% da receita da JBS é gerada no exterior, sobretudo nos Estados Unidos. A abertura de capital da companhia no país foi adiada diante das negociações do acordo de delação com o MPF e dos diversos processos que enfrentam no país. Os irmãos querem transferir a sede da companhia para lá, mas para isso dependem da assinatura de um outro acordo com o Departamento de Justiça norte-americano e do aval do BNDES.
O acordo de acionistas com a estatal, que possui 21,3% de participação na JBS, prevê poder de veto do banco público em questões relativas a reorganizações societárias. Direito que foi exercido no ano passado, quando os irmãos Batista tentaram transferir a sede da empresa para a Irlanda. O banco público justificou que a transferência da propriedade de ativos que representam 85% da geração do caixa operacional da JBS para o estrangeiro implicaria a desnacionalização da empresa.