Economia

Crise política deve segurar corte de juros

Mercado estima que autoridade monetária reduzirá a Selic em, no máximo, um ponto percentual diante das denúncias de corrupção

Antonio Temóteo
postado em 21/05/2017 06:00
Ilan Goldfajn admitiu que incertezas aumentaram, mas avalia que BC atuará com firmeza e serenidade
A escalada da crise política após a divulgação da delação premiada de executivos da J sepultou as apostas do mercado de que o Comitê de Política Monetária (Copom) acelerará o ritmo de cortes da taxa básica de juros (Selic) na reunião marcada para 30 e 31 de maio. Antes da revelação da conversa entre o presidente da República, Michel Temer, e Joesley Batista, presidente da holding que controla a JBS, a aposta era de uma queda de até 1,25 ponto percentual.
O próprio Banco Central (BC) admitia essa possibilidade nos discursos de Ilan Goldfajn. Agora, os analistas mais otimistas projetam a manutenção do ritmo de redução em 1 ponto percentual e os pessimistas já consideram que a diminuição será de até 0,5 ponto percentual.

Após o mercado registrar desempenhos negativos, com queda da Bolsa de Valores de São Paulo (BM) e elevação do dólar, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, minimizou os efeitos da crise sobre a política monetária. O discurso foi repetido na quinta-feira e em reunião com investidores no dia seguinte.
Conforme ele, a autoridade e o Tesouro Nacional estão trabalhando de forma ;serena e firme; para acalmar os agentes econômicos. Goldfajn indicou que a queda de juros não está comprometida. ;A questão que estamos atuando hoje não tem relação mecânica e direta com a política monetária. É uma decisão que será tomada nas reuniões ordinárias do Copom baseada nos objetivos tradicionais pela autoridade monetária;, disse.
[SAIBAMAIS]
Apesar de tentar colocar panos quentes, Goldfajn admitiu que as incertezas aumentaram diante das tensões políticas. Os analistas ainda alertam que a crise pode comprometer o trâmite das reformas e inviabilizar o ajuste fiscal. Com isso, o BC seria obrigado a frear a queda da Selic. Para o economista Rafael Cardoso, da Daycoval Investimentos, o corte de juros será inferior a 1,25 ponto percentual na próxima reunião do Copom.
Segundo ele, o balanço de riscos piorou, o que pode levar a manter a intensidade de cortes em 1 ponto percentual ou reduzir para 0,75 ponto percentual. Entretanto, ele não descartou a possibilidade de a equipe de Ilan Goldfajn frear a redução da Selic, o que comprometeria o processo de retomada da economia brasileira. ;Esta última possibilidade é menor, mas temos que esperar os desdobramentos políticos dos próximos dias. Mas é certo que enfrentaremos soluços e tropeços;, detalha.

O cenário mais provável, na avaliação de André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, é de o BC reduzir o ritmo de queda de juros. Ele alterou a projeção e reduziu de 1,25 ponto percentual para 0,75 ponto percentual a previsão de corte na taxa na próxima reunião do Copom. ;Vai ter corte na Selic porque existem condições macroeconômicas para isso. Mas acho que a autoridade monetária vai ser mais cautelosa;, afirmou Perfeito, que prevê crescimento de apenas 0,1% neste ano. ;Vou manter essa previsão, por enquanto, porque ela já está entre as mais pessimistas;, comenta.

Volatilidade

Nas duas próximas semanas, a atenção dos agentes de mercado continuará centrada nos desdobramentos da delação feita pelos executivos da J e as repercussões sobre a economia, avalia o economista-chefe do banco Haitong, Jankiel Santos. Conforme ele, não é possível antecipar o desfecho do imbróglio político, mas o potencial de solavancos é enorme, com possibilidade de grande volatilidade nos preços dos ativos financeiros. Apesar disso, ele destaca que o diagnóstico feito pelo BC quanto às perspectivas econômicas será bastante semelhante ao realizado na reunião anterior. ;Permanecerá identificando espaço para continuidade do processo de redução da taxa básica de juros, embora sem acelerar o ritmo de corte como vinha sendo aventado pelos agentes de mercado mais recentemente;, avalia.

Para ele, isso será possível porque a inflação continuará em trajetória de queda e o resultado do Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA 15) de maio, que será divulgado na próxima terça-feira, indicará essa tendência. Ele estima que o IPCA-15 registrará alta de 0,19%, o que levaria o índice a acumular variação de 3,72% nos últimos 12 meses. ;Ou seja, a inflação já estaria em patamar bastante inferior à meta estipulada para este ano e reforçaria a perspectiva de continuidade do processo de queda da taxa básica de juros;, explica.

O imbróglio político mudou o balanço de riscos do BC e levará o mercado a refazer as projeções para corte de juros na próxima semana, comenta o economista-chefe do Baco Fibra, Cristiano Oliveira. Entretanto, ele destaca que o nível de incerteza impede que as estimativas sejam exatas. ;O ciclo de queda deve continuar, mas o tamanho e a intensidade podem ser revistos;, comenta.


Carestia em queda


O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em abril, registrou alta de 4,08%, no acumulado em 12 meses, enquanto que, há um ano, a variação era de 9,28%. Ou seja, em apenas quatro meses, o indicador oficial do custo de vida ficou abaixo do centro da meta estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%. O resultado foi o menor nessa base de comparação desde julho de 2007. A profunda desaceleração dos preços reforça a avaliação dos economistas de que a inflação fechará próxima da atual mediana das expectativas do mercado, de 4,01%. Se confirmado, seria a menor carestia desde 2006. Naquele ano, o IPCA subiu 3,14%.

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