Economia

"A única certeza é de que os juros vão cair a 8,5%", diz economista

Em entrevista ao Correio , o economista Luís Otávio de Souza Leal estima que o país vai conseguir ultrapassar a crise política e avançar na economia

Simone Kafruni
postado em 27/06/2017 06:00
Certo de que os juros vão cair até 8,5% ao ano no fim de 2017 e convencido de que a meta da inflação para 2019 deve ser reduzida para 4,25% nesta semana, o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, estima que o país vai conseguir ultrapassar a crise política e avançar na economia, mesmo sem a aprovação completa das reformas. ;A retomada já está ocorrendo;, diz.

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Para o especialista, o mercado está relativamente tranquilo diante de tanta turbulência política porque confia na credibilidade da equipe econômica, muito mais do que no presidente Michel Temer. ;O nome do presidente, hoje em dia, tem muito menos peso para o mercado. Se o Temer vai sair e entrar o Rodrigo Maia importa menos do que se a equipe econômica vai permanecer;, avalia. ;Mas, às vezes, o mercado é míope;, ressalta.

O cenário externo, de juros ainda baixos, também tem colaborado para a tranquilidade do mercado brasileiro e de países emergentes, explica Souza Leal. ;Até o fim do ano, o cenário externo vai continuar sendo favorável. Mas temos que resolver nossos problemas antes que essa maré mude;, alerta. Confira os principais trechos da entrevista concedida pelo economista ao Correio na sede do Banco ABC Brasil em São Paulo:


Há a perspectiva de mudança na meta de inflação, para 4,25% em 2019. Qual sua opinião?
Eu mudei de opinião várias vezes. Inicialmente, achava que o Banco Central (BC) não deveria reduzir a meta. Antes da última crise, passei a achar que devia. Depois, achei melhor não. E, agora, estou achando que é menos custoso mudar. A política monetária olha para frente. Então, quando o BC faz uma das variáveis, ele tem que avaliar a taxa de juro real. Para pensar em 2019, tem que ver os juros futuros e como está a expectativa de inflação futura, que já está em 4,25%. Se o BC mantiver em 4,5%, a tendência do mercado é mudar esta perspectiva para 4,5%. Melhor mudar de uma vez e garantir o espaço para derrubar os juros.

Como o senhor avalia o quadro econômico do Brasil?
Está complicado por conta da questão política. Mas a situação é melhor do que há dois anos. Mesmo nesta confusão toda, ainda é possível ter uma expectativa de crescimento. Isso porque o índice de inflação é bastante favorável junto com as contas externas, que também estão bem.

A questão fiscal é grave?
De fato, o país não está com as contas em ordem. Mas não tem os outros dois componentes. Com a inflação em queda, bem ou mal ; por mais paradoxal que possa parecer, uma vez que temos 14 milhões de desempregados ; permite uma renda real em crescimento, de, mais ou menos, 2% a 2,5%. Como os salários são reajustados pela inflação do ano anterior, e temos um processo de desaceleração da inflação muito rápido, há aumento real. Esse é um dos fatores que faz com que a dinâmica da inflação ajude a economia brasileira neste momento. O segundoé que, com a queda da inflação, há mais espaço para cair a taxa básica (Selic).

Quais suas projeções para a Selic e PIB?
A inflação vai fechar o ano um ponto percentual abaixo do centro da meta, em uma economia que ainda está com PIB (Produto Interno Bruto) acumulado negativo. Ou seja, há espaço para a redução dos juros continuar, mesmo com as incertezas políticas. E chegar aos 8,5% ao ano. O PIB, no ano que vem, pode crescer entre 1,5% a 2%. Em 2017, vai ter expansão de 0,3%. A crise vai ter pouco impacto porque o que está segurando o PIB são a agricultura e o setor externo, e nenhum dos dois sofre grande impacto com a crise política. Além disso, entre 70% e 80% do PIB do ano são definidos no primeiro trimestre.

Como o senhor avalia as reformas, depois da derrota do governo no Senado, que rejeitou a trabalhista numa das comissões?
As reformas têm importância para o mercado se comportar de forma mais positiva. Mas, mesmo com a derrota, eu continuo achando que está tranquilo. A crise pode bater no dólar e chegar a R$ 3,60, mas isso significa que as expectativas com relação à economia brasileira também vão ficar piores. Então, vai ter um crescimento menor e isso abre espaço para absorver a variação cambial. O BC deixou claro na ata que tem duas forças trabalhando: o aumento da incerteza em cima do câmbio, elevando a inflação; e a piora das perspectivas de crescimento da economia, puxando ela para baixo.

Se há duas forças, uma pode vencer a outra. Qual?
Fica aquela dúvida de qual das duas vai ganhar. O recado do BC é que, se for para errar, é melhor errar para baixo. Ou seja, baixar os juros e depois ter que subir porque a inflação voltou. Isso é melhor do que ser conservador demais e ter problemas de recuperação mais lenta da economia. Por isso, mesmo com o cenário incerto da política, eu insisto: a única coisa certa é que os juros vão acabar 2017 em 8,5%. O banco projeta que vão continuar nesse patamar em 2018. O último RTI (relatório de trimestral de inflação) apenas reforçou nossa expectativa: 8,5% de juros e meta da inflação reduzida para 4,25%.

Por que o mercado está tão tranquilo, apesar das crises?
Por conta da ação coordenada do Banco Central com o Ministério da Fazenda. Essa operação conjunta mostra que a equipe econômica é harmoniosa, faz as coisas em conjunto e é competente. O mercado confia na equipe econômica. O nome do presidente, hoje em dia, tem muito menos peso para o mercado. Se o Temer vai sair e entrar o Rodrigo Maia importa menos do que se a equipe econômica vai permanecer. E não falo só do Henrique Meirelles (ministro da Fazenda), porque ele não é formulador de política econômica. Ele é formador de equipes boas. A mesma coisa o Ilan, que se cercou de ótimos profissionais no BC. A credibilidade da equipe econômica é um dos fatores para a tranquilidade do mercado. O outro é o cenário externo.

Até quando o Brasil pode contar com a ajuda do mercado externo?
A política do Banco Central americano (Fed, Federal Reserve), e que logo será do Banco Central Europeu (BCE), é reduzir as compras de títulos no mercado. Talvez o BCE, lá por setembro, avise que não vai prorrogar o programa de compras. O Fed já está começando a dizer que até o fim do ano vai reduzir. Então, acho que até o fim do ano, o cenário externo vai continuar sendo favorável ao Brasil. Mas temos que resolver nossos problemas antes que essa maré mude.

E quando a maré pode mudar?
Eu acho que é bem possível começar a sentir uma mudança das taxas dos títulos mais longos de países como Alemanha e Estados Unidos em 2018. Mas é preciso ficar alerta. Apesar de dizerem que o mercado antecipa as coisas, às vezes ele é muito míope e só enxerga quando está a um palmo do nariz. Eu não acho que vai mudar já no primeiro trimestre do ano que vem. Mas, sim, ao longo de 2018.

O Brasil conseguirá resolver os problemas até lá?
Antes um economista poderia responder isso. Depois tivemos que ouvir cientistas políticos para fazer as análises. O próximo passo é chamar um vidente ou um pai de santo. Nós tivemos uma reunião em 16 de maio na qual apresentamos um quadro de recuperação e, no dia seguinte, estourou a delação do Joesley (Batista, um dos controladores da JBS). Então, está difícil fazer qualquer previsão no Brasil.

Quando o senhor estima o início da retomada da economia?
A retomada já está ocorrendo, com o cenário de queda na inflação e a possibilidade de queda forte e rápida dos juros. Ao mesmo tempo, as contas externas estão muito bem. O país tem US$ 370 milhões em reserva. A balança comercial está batendo recordes de saldo positivo todo mês. Quando o investidor estrangeiro vai colocar dinheiro no país, é isso que ele olha. O BC tem espaço para fazer swap. Apesar de ter problema de rating (classificação de risco) e estar no meio de mais uma crise política, isso é desesperante para nós que estamos aqui, para o investidor estrangeiro não há risco de perder dinheiro.

Há risco de o Brasil dar calote?
Hoje, nenhum risco. Pela visão do investidor estrangeiro, é pouco arriscado. Agora, quanto à recuperação fiscal, eu diria que a reforma da Previdência é um problema sério que teremos de enfrentar. Mas é administrável até o próximo governo. Então, será uma escolha da sociedade, que vai eleger o próximo governo.

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