Economia

Corte de juros trará retomada neste ano, analisa economista Roberto Padovan

Para o economista-chefe do Banco Votorantim, queda da inflação levará à manutenção de cortes significativos da Selic, mas os efeitos disso só vão aparecer com mais força no segundo semestre. Na avaliação dele, o país tende hoje a rejeitar medidas populistas

Simone Kafruni
postado em 03/07/2017 06:00
'A reversão do ciclo de commodities no mundo tem sido um incentivo importante para os países latino-americanos adotarem políticas mais responsáveis'
A queda da inflação e o corte de juros serão decisivos para sustentar a retomada, já em curso, do investimento e do consumo, o que deve impulsionar a atividade econômica brasileira no segundo semestre, aposta o economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani. ;A mudança da orientação de política econômica do atual governo levou a uma importante inflexão na confiança de empresários, consumidores e investidores. No entanto, pelas defasagens que há em economia, os números de atividade só começarão a ficar mais claros a partir do segundo semestre deste ano;, estima.


Para o especialista, a atual crise política retarda reformas e reduz a previsibilidade dos cenários, com efeito na confiança dos agentes. ;Mas, como há pouco espaço para guinadas na estratégia de política econômica, o impacto tende a apenas adiar a retomada, não inviabilizando um ciclo político e econômico mais favorável;, diz. Padovani ressalta que o cenário externo colabora para o otimismo. ;Historicamente são os fluxos globais de capitais que orientam os preços nos mercados financeiros domésticos. Nesse caso, o momento é bom;, reitera. Confira a seguir a entrevista concedida pelo economista ao Correio.

Qual sua posição sobre a redução da meta da inflação para 4,25% em 2019 e 4%, em 2020?
A reversão do ciclo de commodities no mundo tem sido um incentivo importante para os países latino-americanos adotarem políticas mais responsáveis, mantendo, com isso, elevada atratividade de suas economias aos investidores. Nesse ambiente, o Brasil tem feito uma reorientação de suas estratégias econômicas desde 2015 e, muito provavelmente, continuará nessa linha. Como resultado, há espaço para a retomada do crescimento com menor pressão inflacionária ao longo dos próximos anos. Em certo sentido, o CMN (Conselho Monetário Nacional) reconhece esse novo momento e volta a mostrar preocupação de indicar uma trajetória responsável, comprometido com inflação baixa.

O governo conseguiu a aprovação da reforma trabalhista na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Isso ameniza a crise política?
A crise política está associada a um ambiente mais amplo de baixo crescimento e escândalos frequentes. Nesse sentido, a tramitação da reforma trabalhista ajuda, mas não resolve a crise.

A permanência de Temer na Presidência é importante para o mercado, u a manutenção da agenda das reformas e da equipe econômica é que ão os aspectos mais relevantes neste momento?
As condições de governabilidade, os avanços de reformas e as escolhas de política econômica são temas interligados. De modo geral, o mercado está preocupado em antecipar a dinâmica dos preços de ativos, influenciados em grande medida pela dinâmica da dívida pública. Esta, por sua vez, está associada à agenda de reformas, em particular a da Previdência. Por esse aspecto, as condições de governabilidade importam apenas por permitir avaliações sobre a capacidade de o país avançar em reformas e manter uma gestão econômica responsável, em particular, no sistema de aposentadorias e pensões.

Na sua opinião, a economia está no chão?
Sim. Vivemos a maior recessão da história e o desemprego indica uma ociosidade grande no mercado de trabalho. Com a demanda doméstica fragilizada, a pressão é no sentido de menos inflação.

Como o senhor vê a política de juros? O que se pode esperar?
A recessão e a maior racionalidade na gestão econômica, sobretudo, a responsabilidade na condução da política monetária, permitem tanto a queda da inflação a curto prazo, quanto a ancoragem das expectativas a partir de 2018. Nesse caso, inflação abaixo da meta e o crescimento abaixo do potencial implicam juros abaixo de seu nível estrutural, que pode estar hoje ao redor de 10%. Ou seja, ainda há muito espaço para corte de juros.

A real retomada vai ocorrer quando, na sua avaliação?
A mudança da orientação de política econômica do atual governo já levou a uma importante inflexão na confiança de empresários, consumidores e investidores. Da mesma forma, a queda da inflação e o corte de juros serão decisivos para sustentar a retomada já em curso do investimento e do consumo. Pelas defasagens que há em economia, no entanto, os números de atividade só começarão a ficar mais claros a partir do segundo semestre deste ano.

Qual o peso da crise política para a retomada?
A crise política retarda reformas e reduz a previsibilidade dos cenários e, com isso, a confiança dos agentes. Mas, como há pouco espaço para guinadas na estratégia de política econômica, o impacto da crise tende a apenas adiar a retomada, não inviabilizando um ciclo político e econômico mais favorável.

E as reformas?
As reformas são essenciais para tirar a economia da recessão. Com a reforma trabalhista, o mercado de trabalho pode ficar mais flexível e o custo pode cair, permitindo a redução da taxa de desemprego, tornando a recuperação mais sólida. A reforma da Previdência é fundamental para estabilizar a dívida no médio prazo, criando um círculo virtuoso entre confiança, crescimento e ajuste das contas públicas. Além da agenda macroeconômica, há uma série de medidas microeconômicas que podem tornar o sistema econômico mais eficiente e produtivo, também atuando no sentido do crescimento e da queda do desemprego.

O mercado não parece tão estressado. Por muito menos, já tivemos momentos de maior volatilidade. O que houve?
Historicamente são os fluxos globais de capitais que orientam os preços nos mercados financeiros domésticos. Nesse caso, o momento é bom. O ambiente externo tem sido marcado por confiança no crescimento e na manutenção das condições abundantes de liquidez. Com confiança, os investidores internacionais buscam risco nos mercados emergentes, favorecendo o comportamento de preços de ativos dos mercados locais.

O que realmente importa para o mercado?
Os mercados sempre desenham suas estratégias a partir das considerações de risco e retorno. Em um ambiente de abundância de liquidez global, há a percepção de que o aumento marginal do risco no Brasil não reduz a atratividade dos retornos do mercado local. Em parte, esse sentimento se deve à leitura de que a gestão econômica continuará sendo marcada por responsabilidade e reformas, independentemente das incertezas políticas de curto prazo.

O que move o sentimento do investidor no Brasil?
O investidor local é sempre muito pragmático e está atento às condições de fluxo e a mudanças nos fundamentos. Até o momento, não há motivos para se imaginar uma guinada populista da política econômica local. Com fundamentos relativamente controlados e fluxos de investimentos que favorecem os mercados emergentes, prevalece a visão de que há oportunidades no país.

No cenário externo, parece que o segundo semestre será favorável. A inflação dos Estados Unidos não subiu. Podemos ter uma suspensão na alta de juros do banco central norte-americano (Fed)?
O banco central norte-americano vem mostrando relativa convicção no processo de normalização da taxa de juros. É preciso que haja dados de atividade mais claros mostrando nova fragilidade da economia para que os planos do Fed possam ser alterados.

Na Europa, a vitória de Macron afasta risco de radicalização na França. Qual o reflexo para os estímulos?
A vitória de Macron ajuda a consolidar a visão de que o avanço do populismo, como visto nos Estados Unidos ou no Reino Unido, encontrou seu limite. Com um ambiente político mais previsível, o atual ritmo de crescimento na zona do euro pode ser mantido, reduzindo as chances de mais estímulos fiscais e monetários.

A China parou de piorar, o que é bom para países emergentes como o Brasil. Qual o impacto disso na economia brasileira?
A China mostra, há algum tempo, uma trajetória controlada de desaceleração econômica. Por um lado, esse comportamento não conduz a um ciclo favorável de commodities, como vimos no passado recente. Mas, por outro, mantém relativa previsibilidade no crescimento econômico global, ao mesmo tempo em que incentiva a adoção de políticas responsáveis nos países emergentes. O resultado líquido parece bom e não deve ser um problema para a construção de um novo ciclo de crescimento e responsabilidade no Brasil.

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