O Brasil é um país onde a desigualdade de renda alcança proporções gigantescas. Dados divulgados ontem pela Organização Não Governamental (ONG) britânica Oxfam mostram que seis brasileiros bilionários detêm a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres ; quase metade da população. E os contrastes sociais podem aumentar ainda mais se reformas estruturais, como a da Previdência, não forem aprovadas pelo Congresso.
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Como as aposentadorias e benefícios consomem de forma crescente a maior parte dos gastos públicos, postergar o ajuste fiscal pode comprometer repasses para políticas focadas nos mais pobres, como nas áreas da educação e da saúde, além da destinação de recursos para o programa Bolsa Família. É o que avalia o diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Neri, ex-ministro de Assuntos Estratégicos do governo Dilma Rousseff.
Atualmente, as despesas com Previdência e assistência social representam R$ 6,60 de cada R$ 10 gastos na área social, sendo o principal componente do rombo das contas públicas, que trava os investimentos na economia e impede o governo de desenvolver políticas consistentes de redução da pobreza. Por causa disso, sem a aprovação da reforma, a desigualdade pode se agravar. ;Se realmente não tiver uma reforma da Previdência, vai ser complicado o efeito da PEC dos gastos;, avaliou Neri.
O economista se refere à emenda constitucional que limita a expansão dos gastos públicos à inflação do ano anterior, aprovada no ano passado. Sem o estancamento do rombo da Previdência e maior controle das despesas, repasses para o Bolsa Família e para serviços essenciais, como saúde e educação serão naturalmente menores nas próximas duas décadas ; período de vigência da PEC.
No cenário previsto por Neri, a desigualdade, que tem subido em uma taxa de 1% ao ano desde 2015, poderia tornar ainda mais dramática a relação de renda entre ricos e pobres no Brasil. A Oxfam calcula que um trabalhador que recebe salário-mínimo ; condição de cerca de 23% da população ; levaria 19 anos acumulando os rendimentos para atingir o salário que os ;super-ricos; ganham em um mês. Esse mesmo público, por sinal, é o mais beneficiado pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS), destacou o coordenador de campanhas da ONG no Brasil, Rafael Georges.
Embora admita que a Previdência tem cumprido papel fundamental de garantir renda, sobretudo para famílias que dependem de um salário mínimo, Georges tem dúvidas de que reforma da Previdência em discussão na Câmara dos Deputados possa aumentar a progressividade e se o momento atual é propício para isso. ;Será que essa reforma vai realmente tirar privilégios? Será que esse é o melhor momento para fazer a reforma? O ambiente e o que temos visto sugere que não;, disse.
Educação
Com ou sem a reforma nos moldes atuais, o equilíbrio das contas públicas será fundamental para intensificar investimentos em educação, por exemplo, permitindo que brasileiros como a diarista Maria Aparecida da Conceição, 36 anos, possam ter mais qualificação e disputar melhores oportunidades no mercado de trabalho.
Maria Aparecida tem certeza de que é por meio da educação que pode conseguir uma vida melhor. Por isso, voltou a estudar. ;Eu não sabia ler nem escrever. Agora, tenho aulas à noite. Quero um futuro melhor pra mim e para a minha família;, disse. Com seis filhos para sustentar e uma renda que mal tem chegado a um salário mínimo por mês, as dificuldades têm sido muitas na casa da diarista. ;Não é todo dia que consigo serviço. Dá apenas para comprar a alimentação essencial, como arroz e feijão;, lamentou.
Ainda que estude muito e consiga um trabalho formal, Maria Aparecida vai se deparar com outra desigualdade difícil de ser superada: a de gênero. Mantidas as condições do mercado de trabalho dos últimos 20 anos, o relatório da Oxfam Brasil aponta que as mulheres só ganharão os mesmos salários que os homens em 2047.
* Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo