Uma manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) fragilizou o discurso do governo de que a reforma da Previdência ;não vai manter privilégios;. Na contramão de declarações da equipe econômica, que pretende extinguir o regime atual dos parlamentares e colocar todos dentro dos limites do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o documento defende a legalidade de os congressistas manterem as regras diferenciadas, que incluem benefícios muito mais vantajosos que os dos demais trabalhadores, com aposentadorias integrais que podem chegar a até R$ 33,7 mil ; pelo INSS, o teto atual é de R$ 5.531,31.
Nos bastidores do Congresso, a manifestação é vista como uma forma encontrada pelo governo para agradar a deputados e senadores na tentativa de emplacar a reforma e angariar apoio para barrar a segunda denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer, além da liberação de emendas parlamentares.
A manifestação da AGU foi uma resposta à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) enviada à Corte em agosto pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que classificava o regime previdenciário dos parlamentares como ;inconstitucional;, por, entre outros motivos, contrariar os princípios ;da isonomia, da moralidade e da impessoalidade;.
Com entendimento diferente, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, afirmou, na manifestação, que ;o plano de seguridade social dos parlamentares encontra-se entre as prerrogativas constitucionais do Poder Legislativo, especialmente no que toca à sua auto-organização;. Ela argumentou também que a Constituição não veda a criação de regimes previdenciários específicos nem limita a existência deles aos modelos que vigoram hoje.
Incoerência
O relator da matéria no STF é o ministro Alexandre de Moraes, que não tem prazo para decidir se concede a decisão provisória pedida por Janot antes do julgamento do mérito do processo. O pedido da medida cautelar foi justificado para evitar que ex-parlamentares continuem recebendo benefícios indevidos, o que resulta em prejuízo aos cofres públicos, na visão do ex-procurador-geral.A AGU esclareceu, em nota, que, ;independentemente da tramitação de qualquer proposta de alteração normativa sobre o tema, tem a obrigação legal de representar pela conformidade jurídica dos atos impugnados;. Segundo a instituição, ;a iniciativa de defesa do atual regime de previdência de parlamentares decorre de competência estabelecida pela Constituição Federal e trata-se de atuação ordinária e recorrente, principalmente junto ao STF;.
Com ou sem intenção política, ao enviar o documento, o governo cria inconsistências no discurso, já que o posicionamento da equipe econômica tem sido de que não deve haver regras diferenciadas para políticos. Tanto o secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, quanto outros técnicos do órgão já se manifestaram favoravelmente à equiparação das regras entre políticos e demais trabalhadores e funcionários públicos.
A incoerência pode abrir brecha para que os parlamentares entendam que não serão tocados pela reforma da Previdência.
Desigualdade
Para a advogada especialista em direito previdenciário Jane Berwanger, a manifestação é ;incoerente; também pelo momento em que foi enviado. ;O governo afirma repetidamente que a previdência é deficitária, mas defende a manutenção de um sistema totalmente desigual;, disse. ;É muito estranho a AGU sustentar essa situação, querendo manter um sistema que, além de extremamente deficitário e desproporcional, é contrário à Constituição;, avaliou.Entre as críticas da especialista está o fato de que os parlamentares podem averbar tempo de outros mandatos e de contribuição ao INSS, em uma espécie de ;sistema híbrido; ao qual nenhum outro trabalhador tem direito. Para o cientista político Murillo de Aragão, da Arko Advice, esse é um tema que pode ser usado como moeda de troca, ;mas não é tão decisivo;. Isso porque parte dos parlamentares defende que haja mudança também nos próprios regimes previdenciários.