O processo eleitoral de 2018 e a escolha de um candidato pró-mercado para ocupar o Palácio do Planalto são fundamentais para que o país volte a crescer no longo prazo, avalia a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Ela acredita que a eleição de um político contrário à agenda de reformas levará a dívida do Brasil a explodir e a situação será semelhante à do estado do Rio de Janeiro, que nem sequer paga os salários de servidores e aposentados em dia. ;Eu diria que poucas vezes o curto prazo foi tão importante para definir o médio e longo prazos. As questões são urgentes no Brasil;, avalia.
[SAIBAMAIS]
Para Zeina, apesar das perspectivas favoráveis ; de inflação baixa, juros em queda e início de recuperação econômica ; o país possui grandes desafios para crescer de maneira sustentável. Um deles é melhorar o nível educacional da população, algo que alavancaria a produtividade da economia. ;Educação é essencial para melhorar a distribuição de renda e para alavancar a produtividade. O Brasil está muito atrasado. A posição do Brasil nos rankings internacionais é uma vergonha quando comparamos com países pares. E quando a gente olha os dados, estamos mais estagnados no ensino médio;, comenta.
;Eu diria que poucas vezes o curto prazo foi tão importante para definir o médio e o longo prazos. As questões são urgentes no Brasil. Significa que o país pode viver a mesma situação dramática do Rio de Janeiro nos próximos dois anos e não daqui a 10 anos;
Na opinião de economista, o processo de recuperação cíclica da economia, que deve crescer 3% no próximo ano, é fruto da reorientação da política econômica do governo, que possibilitou a queda da inflação e consequentemente a redução da taxa básica de juros (Selic). Para ela, o risco de o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechar abaixo do piso da meta, de 3%, é um bom problema para o Banco Central (BC). Com isso, a Selic poder ceder ainda mais do que as expectativas do mercado. ;Eu acho que os juros podem ir abaixo de 7% ao ano. Não é uma projeção oficial nossa;, disse. Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida por ela ao Correio, durante o 38; Congresso Brasileiro da Previdência Complementar Fechada, realizado em São Paulo.
O processo de recuperação da conomia está consolidado ou existem riscos para que o país olte aos trilhos?
A gente precisa separar o que é recuperação e crescimento de longo prazo. A recuperação está consolidada. Podemos discutir se ela será maior ou menor em função das incertezas políticas, do espaço para corte de juros e do ambiente internacional. Eu estimo uma alta de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para o próximo ano. Se o ambiente político for tumultuado, a alta pode ser menor e, se for o contrário, com um bom debate eleitoral e maduro, o investimento e o consumo podem crescer e teremos surpresas positivas para o crescimento de 2018. Mas é importante não confundir essa recuperação cíclica, que é fruto da reorientação da política econômica e a definição de uma agenda para corrigir erros do governo Dilma Rousseff, com a elevação do potencial de crescimento no longo prazo. Essa resposta, ainda não temos. O que sabemos é que é urgente fazer o ajuste fiscal. Sem o ajuste fiscal, o próximo governo sofrerá com o fim do processo benigno que vemos agora. Não estou falando que isso ocorrerá daqui a 10 anos e sim, a partir do próximo governo, pela gravidade da situação fiscal.
O próximo ano será decisivo para o país?
Sim. Eu diria que poucas vezes o curto prazo foi tão importante para definir o médio e o longo prazos. As questões são urgentes no Brasil. Significa que o país pode viver a mesma situação dramática do Rio de Janeiro nos próximos dois anos e não daqui a 10 anos. Já batemos na regra de ouro da Constituição Federal, que diz que o governo não pode aumentar o endividamento público para cobrir gastos correntes. Isso implicaria paralisia da máquina pública e suspensão de diversos serviços prestados aos brasileiros. O curto prazo ficou muito importante, não só pela questão fiscal, mas também pela necessidade de acelerar o processo de reformas microeconômicas que aumentem o potencial de crescimento, uma vez que o bônus demográfico começa a se reverter nos próximos anos.
Do ponto de vista econômico, como você avalia a proliferação de candidatos com discurso extremista e os impactos de uma eventual eleição de um político dessa vertente?
É difícil para um economista avaliar esse movimento. Mas acho que a sociedade está cansada e não vê muitas opções. Não há muita reflexão do eleitor, porque ele não conhece os candidatos. Eles têm se impressionado com uma frase postada em uma rede social, mas não têm uma visão clara. Isso é algo transitório. Temos uma sociedade que, aos poucos, vai se engajar nesse debate. Um ponto importante é que, mesmo os mais extremistas têm a preocupação de manter um discurso mais ponderado nas questões econômicas. É muito complicado um candidato negar o problema fiscal, e a crise do estado Rio de Janeiro é muito didática. Não há espaço para populismo no Brasil. O custo de não fazer o ajuste fiscal é tão grave que isso, por si só, ajuda a empurrar essa agenda.
O governo Temer tem impulsionado a economia por meio de estímulos ao consumo, injetando dinheiro por meio de saques de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O governo comete os mesmos erros do passado?
A melhora cíclica não é fruto dessas políticas, como de saques do FGTS, e, sim, de ter orientado a agenda econômica, que ajudou a inflação a cair e o Banco Central (BC), a cortar os juros. A queda da Selic (taxa básica de juros) é a política anticíclica mais importante que temos agora. É claro que não é missão do BC gerar essa recuperação, mas é fruto da queda da inflação. Mas, de fato, é o único instrumento disponível, e o mais potente. Essas outras medidas, como saques do FGTS, ainda que tenham desempenhado peso importante no PIB do segundo trimestre, não foram determinantes. Eu não diria que o governo tem uma política marcada pelo incentivo ao consumo. Acho que foi uma medida emergencial, em função do elevado nível de endividamento das famílias. A grande questão é que, se nós não avançarmos na agenda de reformas, esse aumento do consumo não gerará alta dos investimentos e teremos um voo de galinha.
Você fala sobre a reorganização da política econômica e de um BC com credibilidade. Mas ninguém, nem a própria autoridade monetária, estimou uma inflação tão baixa. O que pesou nesse processo de queda tão profunda da inflação?
A grande questão foi a reorientação da política econômica. Tiveram alguns elementos de sorte? Tiveram. Ter uma boa safra agrícola, um ambiente internacional de baixa volatilidade com apreciação do real, claro que ajudou e acelerou a queda da inflação mais do que se imaginava. No ano passado, quando o Ilan Goldfajn tomou posse no BC, ele falava que era possível entregar a inflação na meta, de 4,5%, mesmo que fosse um projeto ambicioso. É claro que outros fatores ajudaram. Mas tivemos muitas reformas. Quem imaginou que a reforma trabalhista seria aprovada e a Taxa de Longo Prazo (TLP) passaria pelo Congresso? Esse combinado de fatores ajudou bastante. No que chamo de componente de sorte, a safra agrícola e o comportamento do câmbio, até isso é importante qualificar. Porque, mesmo com sorte, sem um trabalho prévio, a sorte sozinha não ajudaria. Ao final, tivemos uma confluência de fatores que implicaram muitos acertos de política econômica e do próprio BC, que foi zeloso na condução da política monetária. Mas, se a inflação ficar abaixo do piso da meta, nós teremos um bom problema. E isso não deve ser visto como espaço para que o BC cortasse mais os juros. A autoridade monetária tem suas restrições.
Até onde irá a queda de juros?
A inflação continua a surpreender positivamente, mesmo com o resultado de setembro. Teremos juros abaixo de 7% ao ano?
Eu acho que os juros podem cair abaixo de 7% ao ano. Não é uma projeção oficial nossa, mas pode ficar abaixo, sim. Apesar de termos sinais melhores no mercado de crédito, não dá para dizer que estamos em um quadro de normalização. E, quando olhamos os fatores principais da inflação, percebemos que há mais fôlego para surpresas positivas. Acho que o BC deve desacelerar o ritmo de corte na próxima reunião, mas estão, cada vez mais, crescendo as chances de termos Selic abaixo de 7% ao ano.
O mundo ainda conspira favoravelmente em relação ao país. Teremos uma entrada maior de investimentos se as reformas forem aprovadas?
Os fluxos de recursos de estrangeiros para o Brasil continuam a ocorrer. O Brasil não é o país dos sonhos, mas está longe de ser o país dos pesadelos dos investidores. Eles estranham a forma como o Brasil funciona, mas, ao mesmo tempo, veem um país que busca se acertar. Agora começamos a ter sinais mais claros de recuperação e ficarão cada vez mais claros, até porque a política monetária tem um efeito defasado e demora dois trimestres para se materializar. Essa percepção de volta do crescimento, com todas as repercussões que tem na dívida pública, na estabilização da política, para acalmar a sociedade, pode acelerar a entrada de recursos. Mas, o que seria muito importante na agenda microeconômica é acelerar as reformas para que os fluxos de investimentos sejam usados para obras de infraestrutura, para financiamento de investimento das empresas. Que sejam recursos de apostas no crescimento no Brasil. Há muito dinheiro na mesa, mas precisamos arrumar minimamente esse ambiente de negócios para firmar essa parceria com o setor privado. E, nesse quadro de quase colapso dos serviços públicos no Brasil, esses recursos têm que ser empregados em educação, em saúde, em infraestrutura.
;A criança tem que ser alfabetizada na idade certa, o número de horas na escola faz diferença. Estamos muito atrás nesses quesitos;
Do ponto de vista estrutural, educação e produtividade são agendas que precisam deslanchar no país?
Educação é essencial para melhorar a distribuição de renda e para alavancar a produtividade. O Brasil está muito atrasado. A posição do Brasil nos rankings internacionais é uma vergonha quando comparamos com países pares. E, quando a gente olha os dados, estamos mais estagnados no ensino médio. Os indicadores mostram que, no ensino básico, houve uma melhora, porque não é preciso investir tanto para recuperar uma criança. Mas, no ensino médio, o jovem já vem com uma herança terrível. O desafio é ainda maior. Gastamos muito e gastamos mal. Essa agenda é intimamente ligada à produtividade. Não é só uma questão de distribuição de renda, é também de produtividade.
Já temos uma geração que nem estuda, nem trabalha e temos uma deficiência no ensino médio. O que isso significa?
Precisamos resgatar os nossos jovens. Os que nem estudam e nem trabalham são quase 20% do total. É muita coisa. Muitos jovens fora da escola. A evasão escolar é altíssima. Para aumentar a atratividade do ensino médio e que se consiga alcançar o ensino superior, é preciso cuidar de cada etapa. A criança tem que ser alfabetizada na idade certa; o número de horas na escola faz diferença. Estamos muito atrás nesses quesitos. O que vejo como luz no fim do túnel é que esses diagnósticos estão mais precisos e isso está mais presente na agenda política do que no passado recente. Esse tema está entrando na agenda política de forma importante.
O Brasil teve um ciclo benigno de migração de estrangeiros no início do século passado que ajudou o desenvolvimento econômico, depois se fechou. Mudar essa realidade seria interessante?
Em tempos de fim de bônus demográfico, conseguir atrair mão de obra qualificada de outros países seria um passo bastante importante. Às vezes, esse assunto assusta as pessoas diante do desemprego em alta. Mas tem que enxergar a entrada do estrangeiro como parceria para impulsionar o país. É uma agenda bem-vinda. Já houve uma mudança na agenda de migração e isso pode ser um fator importante. A partir de 2022, já temos um encolhimento do número de jovens. Em 2030, o encolhimento será da população em idade ativa no país. Talvez a entrada do estrangeiro no Brasil seja inevitável.