Golpes em sistemas eletrônicos têm se tornado cada vez mais comuns. A criatividade dos criminosos, no entanto, superou as expectativas e afetou até servidores da Receita Federal. O surpreendente é que os fraudadores clonaram a documentação das vítimas, inclusive contracheque e senha de consignação do Siapenet (Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos), do Ministério da Fazenda. Entraram em prédio público e conseguiram trocar o código de acesso das vítimas. Com os dados, pediram empréstimos consignados de valores altos, em média R$ 300 mil.
Não levaram o dinheiro porque funcionários da Cooperativa de Crédito Mútuo do Servidor Federal (Credfaz) desconfiaram da operação e denunciaram a fraude. De acordo com Nelson Pessuto, diretor de crédito da Credfaz, neste ano foram identificados quatro casos, com três servidores ativos e um aposentado, entre agosto e setembro. Os bandidos estavam bem articulados. Foram, presencialmente, à cooperativa de regiões diferentes das que supostamente trabalhavam, sob o pretexto de que haviam sido transferidos.
[SAIBAMAIS]Fizeram o cadastro com toda documentação e pagaram a taxa de adesão. ;Quando faz o empréstimo, a pessoa tem que capitalizar 10% do valor;, explicou. ;Nos dois casos de fraude, em Belo Horizonte, surpreenderam porque chegaram a depositar cerca de R$ 4,8 mil. Já em Brasília, fizeram opção por descontar do próprio empréstimo;, informou. No DF, a ação ocorreu em curto período de tempo. O falsário disse que era morador do Guará e fez o registro de associação na Credfaz em 16 de agosto. Em 5 de setembro, pediu o empréstimo para ajudar um familiar com problemas de saúde.
Como a Credfaz já conhecia o procedimento do golpista, liberou os R$ 300 mil e preparou uma armadilha: entrou em contato com a polícia, porque o ;auditor; teria que comparecer à agência para pegar o dinheiro, onde seria recebido pelos policiais. Porém, ele não apareceu. ;Mas o circuito de segurança registrou o momento em que ele foi solicitar o consignado na associação;, salientou Pessuto.
Facilidades
O grande problema, segundo Nelson Pessuto, é que os procedimentos na administração pública são frágeis. ;Para a troca de senha, basta levar os documentos e dizer que quer mudar o código de acesso. No primeiro momento, o atendente não tem como comprovar ou negar que a pessoa que se identificou com aquele nome é mesmo a que trabalha para o governo. Uma das hipóteses é de que isso tenha acontecido;, descreveu.
A cooperativa suspeitou das operações porque os criminosos cometeram a falha de escolher pessoas com contracheque limpo e sem dívidas na praça, para facilitar a liberação do crédito. ;O perfil do tomador do crédito não convenceu. Quem busca consignado está com o salário comprometido ou tem pouca margem consignável;, destacou Pessuto. Como auditor-fiscal tem altos salários, que vão de R$ 19 mil a R$ 30 mil, no fim de carreira, os empréstimos solicitados pelos fraudadores seriam descontados em 96 prestações mensais de valores entre R$ 6 mil e R$ 7 mil.
Ao suspeitar do perfil do tomador de crédito, a cooperativa entrou em contato com as superintendências do Ministério da Fazenda e com as delegacias sindicais das regiões onde os filiados estariam lotados. ;Uma das pessoas que teriam pedido empréstimo era uma mulher que estava em lua de mel;, contou. A Credfaz pediu ao Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) para que entrasse em contato com as vítimas, a fim de que mudassem as senhas no Ministério da Fazenda e cancelassem autorizações para consignações e registrassem boletim de ocorrência. ;Pode ser que estejam tentando financiar outros bens;, alertou Pessuto.
O diretor da Credfaz não descarta a possibilidade da ajuda de pessoas de dentro dos órgãos envolvidos ou dos órgãos emissores de documentos pessoais. ;Estranhamente, os cadastros de ativos e de aposentados são expostos no mercado. É muito comum recebermos ofertas de financeiras de crédito e dinheiro fácil;, lamentou Pessuto, que também é auditor aposentado e foi presidente da Unafisco Sindical (quando a entidade era o equivalente ao Sindifisco), entre 1993 e 1999.
;É de causar perplexidade o fato de ter ocorrido dentro do Ministério da Fazenda;, destacou Kleber Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (atual Unafisco). Para melhorar esse serviço, ele sugere, por exemplo, que, em toda ficha cadastral, tenha a foto do servidor.
Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), afirmou que a insegurança de dados é uma realidade no mundo. ;E sempre é consequência de falha humana, de um descuido;, explicou. Normalmente, alguém que passa a senha para um amigo ou familiar ou que não muda regularmente o código de acesso. ;Nesses casos, sempre se trabalha com a hipótese de fraude de dentro. Mas, normalmente, são facilidades dadas pelo próprio cidadão, como senhas com dias de aniversários próprio ou de filhos e cônjuges.;
De acordo com o Ministério do Planejamento, o sistema é seguro e permite rastrear a identificação do usuário que fez o acesso. O órgão orienta as unidades de gestão de pessoas a não alterarem o endereço eletrônico do servidor, aposentado e pensionista presencialmente. ;Todos os procedimentos devem ser pelo Sigepe, a partir de senha pessoal e intransferível;, destacou. ;Para fazer uma consignação em folha, o primeiro passo é acessar o Sigepe. Depois de entrar no sistema, o servidor precisa solicitar uma nova senha para cada operação diferente, que é recebida diretamente no e-mail cadastrado;. ;Ainda assim, se ocorrerem casos pontuais em que, após apuração, se comprove o desconto indevido de valores no contracheque, a consignatária será obrigada a efetuar o ressarcimento;, ressaltou o ministério.