Rosana Hessel, Anna Russi*
postado em 16/10/2017 06:00
Nos últimos anos, as construtoras médias e focadas no segmento econômico abocanharam espaços das grandes tradicionais do mercado, que acabaram encolhendo. De acordo com levantamento feito pela consultoria Neoway, 16 companhias respondiam por 25% das obras em andamento no país em 2011, e, hoje, e esse número dobrou, chegando a 32.;No atual cenário, houve maior participação de pequenas e médias construtoras na metragem útil construída em detrimento de grandes empresas conhecidas do mercado. Além disso, nota-se um crescimento das que atuam nos mercados de médio e baixo padrão, além da diversificação do portfólio daquelas que se concentram em médio alto e em alto padrão;, afirma o estudo. A consultoria destaca ainda que a mineira MRV Engenharia conseguiu se manter na liderança ao longo desse período, seguida pela Direcional e pela Tenda, incorporadoras voltadas para a baixa renda que ocuparam os lugares antes de Rossi Residencial e Cyrella.
Na avaliação de Cristina Della Penna, principal executiva de marketing (CMO, na sigla em inglês) da Neoway, a MRV vem ;nadando de braçada; nos últimos anos por ter escolhido o segmento que conseguiu apresentar bons números: o focado em famílias de rendas média e baixa. ;As incorporadoras que sentiram mais o impacto da crise foram as com atuação forte em rendas média alta e alta;, diz.
O presidente da MRV, Rafael Menin, explica que a empresa vem liderando o setor há pelo menos quatro anos e que o bom desempenho da companhia é fruto do posicionamento estratégico no mercado imobiliário, focado no segmento econômico e sempre de olho nas tendências do mercado. ;A capacidade de compra desse segmento não foi alterada porque ele é mais resiliente à crise do que o de renda média alta;, explica. ;O segmento econômico teve uma performance boa durante a crise. Com o emprego retornando e a renda do brasileiro voltando a subir, não há dúvidas de que o mercado vai se recuperar;, resume.
Recuo
O executivo reconhece que, desde 2014, a queda da confiança e o crédito mais escasso fizeram o mercado encolher de 70% a 80%. Segundo ele, para sobreviver à crise, a MRV balanceou os investimentos, focando, principalmente, cidades onde a economia dependia do agronegócio, como no Centro-Oeste do país. ;A empresa incrementou os lançamentos onde a demanda era aquecida. E como tinha flexibilidade operacional, por atuar em 148 cidades, adiou investimento onde a demanda caiu, como foi o caso do litoral do Rio;, afirma.Na visão de Menin, crise traz ônus e bônus. ;A MRV continuou investindo em terrenos nos últimos três anos, enquanto a concorrência parou de comprar. Agora temos áreas suficientes para um potencial de venda de R$ 43 bilhões quando sairmos da crise. Vamos estar em uma posição mais confortável para surfar no novo cenário de crescimento;, aposta. A meta dele é lançar 500 mil moradias nos próximos 10 anos.
De acordo com Cristina, da Neoway, o mercado imobiliário está começando a se recuperar depois da confusão dos distratos, quando muitas pessoas acabaram devolvendo as unidades compradas no meio da recessão e, consequentemente, houve forte queda no volume de lançamentos. ;O mercado chegou ao fundo do poço e, no próximo ano, voltará a registrar crescimento em torno de 28% após ficar praticamente estável em 2017;, avisa a executiva. ;Hoje, a nossa percepção é que, com a crise, o mercado voltou ao patamar de 2004 e 2005. Mas algumas regiões já estão apresentando desenvolvimento. Esse início de recuperação está relacionado com a queda dos distratos e a estabilização do desemprego neste ano;, comenta.
Especialistas reconhecem que os estoques caíram, mas ainda estão em um patamar elevado e algumas construtoras possuem mais de um ano de vendas parado. O consenso é que os preços vão se acomodar porque estavam muito inflados na maioria das capitais e que dificilmente voltarão aos patamares anteriores. ;Haverá correção, mas não nos índices do passado;, aposta Cristina.
Bolsa
O economista Marco Saravalle, da XP Investimento, acompanha de perto as construtoras listadas em bolsa e destaca que os preços das ações também começam a se recuperar, mas, em muitos casos, ainda não foi possível que algumas voltassem aos valores de três anos atrás. ;É preciso sempre olhar com cuidado esse setor. As empresas que atuam nas faixas de renda média e baixa, com maior demanda e maior oferta de financiamento, estão tendo performance melhor do que as que atuam no topo da pirâmide, que sofreram mais na bolsa;, explica.As empresas que atuam na Grande São Paulo sofreram mais do que as que atuam na capital, segundo o analista. ;Há incorporadoras que lançaram imóveis a R$ 8 mil o metro quadrado em Guarulhos e, hoje, se oferecerem R$ 5,5 mil, estão vendendo;, diz. Saravalle lembra que algumas empresas começam a retomar os lançamentos, mas as ações não voltaram ao patamar de 2013.
A MRV acumulou alta de 93,3% em três anos, conforme dados da XP. A Rossi desvalorizou 71,08% e os papéis da Cyrella subiram 16,91% no mesmo período. ;A recuperação do setor ainda vai ser gradual;, avisa Saravalle.
De acordo com dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), em 2014, a poupança financiou R$ 120 bilhões ao mercado imobiliário e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), cerca de R$ 40 bilhões, um terço da caderneta. Segundo o presidente da entidade, José Carlos Martins, a previsão para 2017 é de que os financiamentos imobiliários tenham R$ 40 bilhões de recursos da poupança e algo entre R$ 55 bilhões e R$ 60 bilhões do fundo de garantia. Martins considera que, a partir do próximo ano, os recursos de caderneta voltem a responder pela maior parte do financiamento no mercado. ;Tinha perdido muito recurso nesses três anos, o que agora começa a se reverter com a taxa Selic. As empresas voltadas à classe média devem retomar e acelerar o crescimento;, completa.
Regionalização
Com forte atuação no Distrito Federal, o empresário Paulo Octávio destaca que a tendência do mercado imobiliário nacional é ficar cada vez mais regionalizado. ;Há muitas dificuldades para construtoras de fora, as legislações de cada estado são diferentes, os terrenos, a burocracia, impostos, as condições tornam difícil a mudança de cidade;, explica. Ele lembra que, entre 2007 e 2009, Brasília recebeu mais de 10 empresas de outros países, mas que já se retiraram devido aos obstáculos de mercado. Segundo ele, como as empresas envolvidas na Lava-Jato foram afastadas e basicamente deixaram o mercado, o setor não sofreu grande impacto. ;E essas empresas estavam começando a operar nesse campo, não tinham participação nem experiência no mercado;, afirma.
* Estagiária sob a supervisão de Simone Kafruni