Jornal Correio Braziliense

Economia

Parlamentares mostram pouca disposição para apreciar reforma da Previdência

Governo admite fatiar a proposta, levando para discussão apenas a idade mínima para aposentadoria, a equiparação das regras dos setores público e privado e as normas de transição


Se nem o Executivo, que defende com unhas e dentes a agenda econômica, se arrisca a dar uma data mais precisa, no Legislativo, o clima é de desânimo. Fora a tropa de choque do presidente Michel Temer, poucos deputados da base aliada se mostram dispostos a votar as mudanças antes das eleições de 2018, mesmo que elas se resumam a apenas alguns pontos da proposta original.

Diante de tantas dificuldades e incertezas, o Planalto já admite fatiar a reforma, caso não seja possível votar, na íntegra, o relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA) até o fim do ano. Três pontos foram elencados como principais pelo presidente Michel Temer que, segundo ele, representam 75% das mudanças: a idade mínima para aposentadoria, de 65 anos para homens e 62 para mulheres, a equiparação das regras da iniciativa privada e do serviço público e as normas de transição.

Nem na bancada do PMDB, partido do presidente, entretanto, os votos estão garantidos. A legenda, que estava decidida a fechar questão sobre o assunto antes da primeira denúncia ; já tinha coletado mais de 50 assinaturas para isso ; , agora tem como foco as eleições. Nos bastidores, o sentimento é de que já houve muito desgaste para barrar as denúncias contra Temer e não há mais espaço para pautas impopulares. Essa percepção é bem exemplificada pelo fato de até figuras importantes do partido terem se posicionado contra o presidente na última quarta-feira, como o deputado Mauro Mariani (PMDB-SC), pré-candidato ao governo do estado em 2018. Ele havia votado pelo arquivamento da primeira denúncia, mas mudou de ideia na segunda.

Um deputado da base aliada ressaltou que ;essa agenda é do governo, não dos parlamentares;. ;Politicamente, até o Rodrigo Maia (DEM-RJ, presidente da Câmara) tem consciência de que é praticamente impossível;, diz. Em recente entrevista, o presidente da Câmara afirmou que as próximas semanas serão decisivas para entender o verdadeiro apoio que o governo tem na Casa, mas que ;com certeza, a reforma da Previdência não será a que a equipe econômica sonhou;.

No PSDB, a conjuntura é ainda pior que no PMDB. Embora os tucanos, em geral, defendam a agenda reformista, os deputados oscilam entre a proposição de um texto alternativo e o desânimo em aprovar qualquer alteração nas regras para aposentadoria.

;A pauta morreu. Sem chance de votar este ano;, resume o deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG). Para ele, o fato de o governo insistir no assunto é ;uma tentativa de mostrar serviço;. ;A minha opinião é de que a reforma tem que ser discutida pelos próximos candidatos, com os eleitores, não agora;, defende.

A percepção do líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), é que ficar para o próximo governo ;não é a melhor alternativa, mas talvez seja a única que resta;. Ele lembra que, no início de um governo, em 2019, deve haver mais facilidade para votar ;um texto melhor do que algo agora, emparedado pelas eleições;. ;Primeiro tem que ter a definição do texto que pode ser votado, porque ainda há muita incerteza quanto a isso. E o segundo problema é a contagem de votos, mesmo. Não adianta pensar no texto se não tiver o apoio necessário. E, hoje, não tem nem texto nem apoio;, diz o líder do DEM. ;É complicado conseguir votar agora, mesmo enxugando o texto e deixando só idade mínima;, admite.

Até o protagonista do tema no Legislativo, deputado Arthur Maia, que relatou a matéria na comissão especial, está desmotivado para tocar o tema que discutiu durante todo o primeiro semestre. Pessoas próximas a ele afirmam que o governo ainda não o procurou para traçar um plano, e que o deputado está ;cansado do desgaste; de encarar o ônus político da reforma sozinho, enquanto os outros fogem da raia.

Diálogo

O governo, que já admitiu ter perdido a ;batalha da comunicação; quanto à reforma, está ciente das dificuldades no Congresso Nacional. Agora, membros da equipe econômica se organizam para ir até a Câmara conversar pessoalmente com os parlamentares. Além dos deputados da base que estão desanimados, o foco da articulação será nos considerados ;mais influentes;, como líderes de bancadas, que, se desistirem de apoiar a reforma, influenciarão outras dezenas de colegas.

A estratégia do governo é focar em demandas de bancadas mais fortes politicamente e, até então, sem muito consenso quanto ao tema, o que dá margem para aumentar a quantidade de votos. Nesse contexto, a bancada evangélica, que conta com cerca de 70 deputados, é um dos principais alvos. A agenda da bancada da bala também deve ser ouvida com mais atenção pelo presidente nos próximos dias, em busca de votos, embora sejam menos suscetíveis a apoiar a reforma, por terem grande parte dos integrantes no serviço público ; maior lobby contra a reforma.

Se o governo conseguir os 308 votos necessários na Câmara, em dois turnos, a reforma ainda precisará passar pelo Senado, também afetado pela proximidade do ano eleitoral. Ano que vem, dois terços das cadeiras da Casa serão renovadas, inclusive a do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), que preside a Casa e a quem cabe a decisão de pautar a matéria. Recentemente, ele mesmo já declarou ;não ser o momento oportuno;.

R$ 141,4 bilhões
deficit acumulado da Previdência de janeiro a setembro

R$ 33,5 bilhões
superavit do Tesouro Nacional sem as contas da Previdência

21,4%
crescimento do rombo previdenciário nos primeiros nove meses do ano em relação ao mesmo período de 2016

Buraco sem fundo

>> Rodolfo Costa
O rombo da Previdência é cada vez maior. No acumulado entre janeiro e setembro, o deficit atingiu R$ 141,4 bilhões. Não fosse o imenso saldo negativo do sistema, o Tesouro Nacional estaria superavitário em R$ 33,5 bilhões. Quando comparado ao mesmo período do ano passado, o desequilíbrio nas contas da Previdência apresenta alta real ; descontada a inflação ; de 21,4%. Dado o atual quadro e as dificuldades do governo federal em articular a base para votar a reforma, especialistas temem pelo pior.

A não aprovação da reforma, ainda que mais ;light; e bem mais modesta do que a proposta original, é preocupante, avalia o economista Roberto Ellery, professor da Universidade de Brasília (UnB). ;Aprovar a idade mínima é quase que uma obrigação. Seria melhor do que nada. Ela é fundamental para fazermos uma discussão mais aprofundada;, pondera.

O governo federal tem tentado fazer o dever de casa. O corte de gastos está sendo feito, reconhece Ellery. Sem a Previdência, entre janeiro e setembro do ano passado, o Tesouro acumulou superavit de R$ 11,9 bilhões. Em comparação ao mesmo período deste ano, o avanço em termos reais foi de 160,5%. ;O problema é que a União está toda amarrada com os gastos da Previdência. E continuará pelas próximas décadas;, diz.

Hoje, os gastos previdenciários equivalem aos de países com população muito mais envelhecida do que a do Brasil, destaca Ellery. ;Esse é o principal problema. Se aposentar por tempo, sem critérios de idade, não faz sentido. É totalmente distante de experiências internacionais. Tanto de países mais ricos quanto de mais pobres. Se a reforma não for feita, comprometerá todo o ajuste fiscal.;

Ajuste

A necessidade de um ajuste na Previdência se faz mais necessária diante dos efeitos da Emenda Constitucional 95, que limita os gastos públicos à inflação do ano anterior. Mais conhecida como teto dos gastos, a lei limitou o aumento das despesas públicas à inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior.

No caso, para cumprir com o novo regime fiscal, os gastos públicos poderão subir apenas 3% em 2018. A probabilidade de estourar o teto já é muito grande no próximo ano, e, sem a reforma, a tendência é de que os gastos com a Previdência continuem subindo. ;Vai chegar ao ponto em que o governo só terá dinheiro para cobrir o rombo do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social);, adverte o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito. Sem equilibrar essas despesas, a União continuará precisando se financiar ainda mais para pagar as dívidas, cenário que tende a elevar a inflação e os juros, e inibe a retomada dos investimentos.