Alessandra Azevedo
postado em 05/11/2017 08:00
Falta menos de uma semana para que as novas regras trabalhistas entrem oficialmente em vigor, em 11 de novembro. A espinha dorsal da Lei n; 13.467, que traz mais de 100 novidades à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é a prevalência do ;acordado sobre o legislado; em determinados temas. Significa dizer que a negociação entre patrões e empregados passará a valer mais do que a lei em situações específicas, como a decisão sobre o fracionamento das férias e a organização dos planos de cargos e da jornada de trabalho.As duas partes poderão decidir, em conjunto, como distribuir melhor o tempo trabalhado, desde que respeitados os limites de 44 horas semanais e de 220 horas mensais estabelecidos pela legislação, que não foram modificados na reforma. ;Você não pode alterar o horário de trabalho de 8h por dia ou 44h por semana, mas pode mudar a forma de compensar isso;, explica o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan. ;Esse instrumento pode ser usado por um funcionário que tem interesse de trabalhar 10 horas de segunda a quinta-feira e, na sexta, ir embora ao meio-dia, por exemplo. Se for bom para ele e para o empregador, tem como firmar esse tipo de acordo;, observa. A lei ;não obriga a mudança dos contratos vigentes, apenas a possibilita;, acrescenta o especialista.
A legislação também permite que os intervalos durante o trabalho sejam flexibilizados. Atualmente, a empresa é obrigada a dar de uma a duas horas de descanso para os empregados que fazem a jornada padrão, de seis horas por dia. Esse tempo passará a ser de, no mínimo, 30 minutos, o que será definido por acordo individual ou coletivo, feito entre o sindicato e a empresa. A ideia é que a diferença no período seja abatida no fim do expediente, o que permitirá que o trabalhador vá embora mais cedo, por exemplo. ;A tendência é que temas como a jornada de trabalho e a duração de intervalo sejam as primeiras pautas colocadas em prática, porque podem otimizar o trabalho de forma mais simples e trazer vantagens para ambos os lados;, avalia o especialista em mercado de trabalho Emerson Casali, diretor de Relações Institucionais da CBPI Produtividade Institucional.
Individual
Por acordo individual, diretamente entre empregado e patrão, também poderão ser negociados pontos como o banco de horas, que, atualmente, depende de acordo coletivo com a participação do sindicato da categoria. A partir de sábado, se as duas partes concordarem com os termos, a compensação poderá ser feita de maneira flexível, desde que as horas trabalhadas a mais sejam compensadas em até seis meses. Para o sindicalista Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, vinculado à Força Sindical, essa questão é problemática porque, ao não passar pelo sindicato, ;o acordo vai diretamente para o patrão, sem que o trabalhador tenha uma orientação sobre isso;.Quanto às férias, o período disponível continua o mesmo: 30 dias por ano. O que muda é que, em consenso com o empregador, o funcionário poderá dividir esse período em três, desde que um deles tenha pelo menos 14 dias corridos. A lei passa a permitir também que funcionários com mais de 50 anos de idade possam fracionar as férias, opção hoje vetada pela CLT. Além disso, fica proibido o início das férias dois dias antes de feriado ou de dia de repouso semanal remunerado (geralmente, domingo). ;Isso, se essa divisão for interessante para o trabalhador. Se ele não quiser, as férias continuam sendo como sempre foram;, pontua Furlan.
Outro ponto que dependerá de negociação entre empregador e funcionário é a possibilidade de demissão por consenso entre os dois. Pela legislação atual, quando pede demissão ou é demitido por justa causa, o trabalhador não tem direito à multa de 40% sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), nem à retirada do fundo. A partir de 11 de novembro, o contrato poderá ser extinto de comum acordo, com pagamento de metade da multa. O trabalhador poderá sacar 80% do fundo, mas não terá direito ao seguro-desemprego.
Para os técnicos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), esse é um dos pontos questionáveis das novas regras. Eles entendem que, na prática, poderá haver pressão para que o trabalhador entre em um acordo que não o beneficie. Em nota técnica sobre a reforma, a entidade afirmou que ;as relações de poder entre patrão e empregado são assimétricas; e, portanto, o estabelecimento de comum acordo ;é uma opção que pode significar perdas para o trabalhador, que será levado, em muitos casos, a aceitar essa modalidade de rescisão contratual;.
Hierarquia
O Dieese também entende que as novas regras fragilizam a proteção ao trabalhador demitido ao acabarem com a obrigatoriedade de que os sindicatos ou o Ministério do Trabalho homologuem as rescisões de contrato de trabalho com mais de um ano. ;O trabalhador que precisar e buscar assistência para a realização da rescisão terá que arcar com o ônus desse auxílio. A regra vai dificultar que o trabalhador possa, no momento da rescisão, entender o que está sendo pago e reivindicar futuramente alguma verba que tenha sido paga abaixo do valor;, explica a entidade.Uma das principais críticas em relação à reforma, ressaltada pelo procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, é o fato de que o empregador tem mais possibilidade de impor as condições na hora de negociar. Patrão e empregado não estariam, portanto, em pé de igualdade para poder chegar a um acordo. Por isso, ele entende que a reforma é ;inconstitucional desde a espinha dorsal;. O negociado sobre o legislado, segundo ele, ;reduz a proteção social do trabalhador;.
Mau empregador
O impasse que pode surgir nessa situação é reconhecido por Alexandre Furlan, da CNI. ;Quem dirige a prestação de serviços é o empregador. Então, eu não vou dizer que ele não tem a prevalência da hierarquia. É claro que, se uma empresa tiver, por exemplo, dois empregados, concordo que eles estarão mais sujeitos a fazer o que o patrão quer, para não perderem o emprego. Isso pode acontecer;, considera. Mas ressalta: ;Isso é o mau empregador, que nós não defendemos;.
Legislação mais flexível
A prevalência do negociado sobre o legislado, ponto principal da nova legislação trabalhista, não é novidade, explicam os especialistas. ;Desde que não subtraia direitos, a negociação sempre pôde se sobrepor à lei;, explica Emerson Casali, diretor de Relações Institucionais da CBPI Produtividade Institucional. O grande mérito da reforma é ;oficializar; o que já é feito atualmente. ;As pautas da área empresarial ainda estão muito cautelosas, e as da área de trabalhadores, muito defensivas;, afirma.
Apesar de flexibilizar a lei, nenhuma negociação poderá se sobrepor aos direitos garantidos na Constituição Federal. Pontos como garantia de salário-mínimo, 13; salário e repouso semanal remunerado, por exemplo, não poderão ser tocados. O pagamento de horas extras continua sendo superior ao do normal em pelo menos 50%. As negociações entre patrões e empregados também não podem tratar de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego e salário-família, que são benefícios previdenciários.
O texto que entrará em vigor este mês também proíbe que uma empresa recontrate, como terceirizado, o serviço de empregado que tenha sido demitido nos últimos 18 meses. ;Dizem que a legislação veio para suprimir direitos, mas não foi o que aconteceu. Uma legislação infraconstitucional jamais poderia se sobrepor ao que está na Constituição Federal;, explicou o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan.
A lei também penaliza os empregadores que não registrarem os funcionários. A multa para esses casos diminuiu durante a tramitação do texto na Câmara dos Deputados, mas continua mais alta que a praticada atualmente: para cada empregado não registrado, a penalidade será de R$ 3 mil. No caso de micro e pequenas empresas, de R$ 800. A proposta do governo era que fossem de R$ 6 mil e R$ 1 mil, respectivamente. Hoje, a empresa está sujeita a multa de um salário mínimo ; o que equivale, em 2017, a R$ 937 ; por empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada reincidência. (AA)