Antonio Temóteo
postado em 04/12/2017 06:00
O ambiente externo favorável tem ajudado o Brasil a enfrentar a crise econômica sem pressões adicionais, mas se engana quem acredita que a bonança durará para sempre, avalia a economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour. Ela observa que a recuperação da atividade nas maiores economias do mundo tem sido acompanhada por queda nas taxas de desemprego. ;Há um temor de que as taxas de juros subam lá fora porque as maiores economias do mundo estão crescendo fortemente, ainda sem inflação. Em algum momento, pode surgir a dúvida de que os bancos centrais terão de correr atrás da curva;, explica.Diante desse cenário, Solange destaca que a aprovação da reforma da Previdência é essencial para reequilibrar as contas públicas e para que o país volte a crescer de maneira sustentável. Apesar disso, ela avalia que as mudanças nas regras das aposentadorias só receberão aval do Congresso Nacional no próximo governo. ;Há um calendário muito apertado e já estamos em clima eleitoral, com uma definição importante do papel do PSDB no governo. Já temos alianças do PT com o PMDB em vários estados. Acho muito difícil ser aprovada qualquer reforma nesse intervalo curtíssimo de tempo;, comenta.
Solange avalia que o país deve crescer 1% em 2017 e 2,6% no próximo ano. ;Contudo, a projeção está condicionada às turbulências derivadas do cenário eleitoral;, diz. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.
Recuperação lenta
Existem três motivos principais para que o processo de recuperação da economia seja lento e gradual. Primeiro, as empresas e famílias não estão prontas para tomar crédito, mesmo com taxas de juros menores. No caso das famílias, a desalavancagem já ocorreu, mas, nas empresas, esse processo ainda está acontecendo. Outra explicação é que os estímulos que foram concedidos em 2009, boa parte por bancos públicos, não foram concedidos agora. A política fiscal não deve ser expansionista, apesar da recessão, porque há um total desajuste nas contas públicas deixado pelo governo passado. O terceiro motivo está relacionado à mudança da política econômica como um todo. O Banco Central começou a cortar juros e trouxe as expectativas de inflação para perto da meta. O processo, que se mostrou correto, foi um pouco mais lento. Obviament, isso retarda a recuperação do ciclo de crescimento, mas o torna mais sustentável.
PIB
A despeito de o crescimento ter sido de apenas 0,1% no terceiro trimestre, o desempenho dos componentes do PIB mostra que a retomada está bem consolidada. Tivemos um crescimento do consumo mais forte do que esperávamos, mesmo sem o impacto do FGTS, e a volta do crescimento dos investimentos, que estavam em retração havia 15 trimestres seguidos. No lado da oferta, serviços e indústria apresentaram bom crescimento. Nossa expectativa é de alta de 1% para o PIB de 2017. Para 2018, estimo expansão de 2,6%. Contudo, a projeção está condicionada às turbulências derivadas do cenário eleitoral.
Previdência
É preciso ajustar as contas públicas para tornar o crescimento sustentádo. Primeiro, é necessário fazer a reforma da Previdência. Este governo aprovou medidas que ainda vão se traduzir em crescimento. Mas isso leva tempo. Um exemplo é a reforma trabalhista. Mas, sem dúvida, para ajustar as contas públicas, é preciso aprovar a reforma da Previdência. Existe esse buraco e esperamos que a reforma seja realizada assim que o próximo governo assumir. Não acho que haja chances de essa reforma ser aprovada agora. Há um calendário muito apertado e já estamos em clima eleitoral. Acho muito difícil ser aprovada qualquer reforma nesse intervalo curtíssimo de tempo.
Reformas e eleições
Obviamente que um ano a mais de espera para aprovar a reforma da Previdência tem um custo. Mas é uma reforma que traz mais benefícios a médio prazo do que a curtíssimo prazo. O Brasil pode se dar ao luxo de esperar porque o cenário externo é benigno. Mas isso, obviamente, muda rapidamente, e, se isso ocorrer, teremos um custo maior por não ter aprovado a reforma em 2017. Por enquanto, podemos nos dar ao luxo de esperar, contanto que saia uma reforma completa, como a que foi enviada ao Congresso pelo governo. Não uma proposta modificada. O que se espera é que, em 2019, seja aprovada uma ampla reforma. Não só um escopo reduzido, como se cogita aprovar agora.
Riscos externos
Há um temor de que as taxas de juros subam lá fora porque as maiores economias do mundo estão crescendo fortemente. Há o risco de a inflação voltar nesses países. A taxa de desemprego não para de cair nos Estados Unidos. O risco é de os bancos centrais terem de apertar os juros mais do que está precificado nas curvas. Apesar de o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, estar subindo os juros, há o risco de ele estar atrás da curva e de ter de acelerar esse processo. Também existem riscos geopolíticos importantes, como os potenciais conflitos entre Estados Unidos e Coreia do Norte. E há sempre o medo de uma desaceleração mais forte na China.
Reflexo no Brasil
Sempre que o ambiente externo é favorável, a pressa de fazer o dever de casa é menor. Acredito que, se não estivéssemos tão perto de um ano eleitoral, o governo tentaria aprovar a reforma da Previdência com o mesmo afinco que mostrou inicialmente. Agora, fica muito difícil. Não é que o Brasil ignore o setor externo, mas a classe política não tem total conhecimento de que o ambiente externo benigno é temporário. Só conseguimos avançar com reformas importantes em momentos de aperto. Sempre foi assim na nossa história.
Mercado de trabalho
O processo de recuperação também será lento e gradual. No início, o trabalho informal e o por conta própria crescem primeiro, porque a confiança de que a recuperação econômica será forte e sustentável não é tão grande a ponto de as empresas começarem a contratar e investir. O ponto positivo é que reforma trabalhista muda isso. Ficou mais fácil contratar e demitir. Isso tende a levar a um nível maior de formalização. Do outro, tem a questão da pejotização. Não sabemos o que ocorrerá. Isso terá impacto na arrecadação previdenciária. Mas alguma regulamentação deve ser feita sobre esse tema.
Divisor de águas
A reforma da Previdência é um divisor de águas. Ela não é suficiente, mas é uma condição necessária para o Brasil crescer. Se não ocorrer, podemos entrar em uma rota desagradável de mais recessão e equívocos de política econômica. Além dela, precisamos de outras reformas. A tributária é importante. A abertura do país para atrair mais investimentos e uma agenda de reformas para elevar a produtividade também são necessárias.
Corda no pescoço
Sabe-se há muito tempo da necessidade de reformar a Previdência. Mas os países só fazem reformas impopulares, que afetem benefícios sociais, quando estão em um momento muito difícil. Tivemos isso na Europa. Espanha, Portugal e Grécia avançaram nas reformas em um momento muito delicado. Foi um processo dolorido. O desemprego na Espanha teve que chegar a 25%. A Grécia precisou ficar próxima ao calote para reduzir benefícios sociais. O Brasil quase chegou a essa situação quando resolveu entrar no debate da reforma da Previdência. Para o nosso ;azar;, o mundo ficou melhor e conseguimos ;escapar; da reforma da Previdência sem gerar uma grande crise doméstica. A situação benigna internacional não durará para sempre. Mas só fazemos as coisas com a corda no pescoço.
Efeito JBS
Se não fosse o evento de maio (a denúncia do empresário Joesley Batista contra o presidente Michel Temer), teríamos aprovado a reforma da Previdência. Eu estava otimista, achava que sairia uma boa reforma, muito menos diluída do que está se discutindo agora. A situação de outros países que tiveram que enfrentar o problema e a crise que atingiu o Rio de Janeiro acabaram servindo de aprendizado. Mas aí veio o evento de maio que impediu a aprovação da reforma, e, de lá para cá, o mundo conspirou a favor do Brasil. Os preços dos ativos estão melhores. Foi um azar. Estávamos quase lá, não fizemos o gol e o mundo melhorou.
Consenso
Tirando os partidos de extrema esquerda, que dizem que tudo o que é feito por esse governo está errado, vemos um consenso maior em torno da reforma da Previdência. Não são apenas os liberais. A maioria entende que a situação precisa ser corrigida porque os estados estão vivendo essa crise muito forte. Não há dinheiro para nada, os salários estão atrasados. Isso pode acontecer em nível federal também. O teto de gastos está aí. O próximo governo, mesmo sem a corda no pescoço, sendo ele de centro-direita, fará a reforma porque não conseguirá cumprir o teto dos gastos sem mudar a Previdência.