Rosana Hessel
postado em 11/12/2017 06:00 / atualizado em 08/10/2020 14:34
O resultado positivo do Produto Interno Bruto (PIB) de julho a setembro, marcando a terceira alta trimestral consecutiva após a forte retração entre 2015 e 2016, deixou o país, tecnicamente, fora da recessão. No entanto, é preciso tomar cuidado para que esse processo de retomada não seja interrompido. Para especialistas, o Brasil ainda está no meio de uma década perdida, pois, para recuperar o PIB per capita de 2011, serão necessários vários anos. Além disso, se o problema fiscal não for atacado de frente pelo governo, em vez de sair da atual década perdida, o país poderá mergulhar em um segundo decênio de retrocesso.
“O quadro fiscal é muito ruim. A reforma da Previdência não resolverá o problema. É preciso que o governo faça mais, pois o ajuste fiscal gradual anunciado em 2016 não está surtindo efeito. Foram feitas muitas concessões e o país poderá emendar uma década perdida na outra”, avalia o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central. “A proposta de reforma da Previdência é defeituosa e ficou pior depois de todos os ajustes. E, se o governo continuar fazendo concessões para aprová-la a todo custo, essa conta corre o risco de ficar mais alta do que o benefício fiscal que a proposta proporcionaria. É preciso muito cuidado”, alerta.
Especialistas destacam que os deficits primários consecutivos previstos pelo governo até 2020 dificultam o processo de retomada da economia, porque não ajudam na queda da dívida pública. A taxa da dívida pública bruta em relação ao PIB ficou em 74,4% do PIB em outubro. Esse percentual é o mais alto da série histórica do BC, iniciada em 1998, considerando também os dados de antes da mudança de metodologia em 2010. Projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) — que considera os títulos emitidos pelo Tesouro para a carteira do BC, facilitando a comparação com outros países —, aponta que o indicador encerrará o ano em 83,4% do PIB, o maior patamar da série iniciada em 2000. A taxa é quase o dobro da média dos países emergentes, de 48,3% do PIB, mostrando que o risco de insolvência do país existe e não pode ser ignorado.
Incerteza
Em meio às incertezas da reforma previdenciária, as chances de o cenário pessimista traçado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) — que prevê a dívida pública chegar a 100% do PIB em 2021 sem a reforma da Previdência e os demais ajustes fiscais — não são poucas, segundo Freitas. “O ajuste fiscal não está nada bem encaminhado. Serão necessárias medidas complementares à reforma da Previdência, estimulando a concorrência. A reforma trabalhista pode ajudar nesse sentido, mas ainda há dúvidas quanto à constitucionalidade de muitas das mudanças propostas. Ainda não há certeza de que ela vai vingar”, resume Freitas.
Um integrante da equipe econômica, no entanto, descarta o risco de nova década perdida e afirma que o desequilíbrio fiscal será controlado com o teto dos gastos e a redução de subsídios financeiros. Mas, para a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, de Washington, o pior ainda está por vir no quadro fiscal, principalmente a partir de 2018. “O governo gastou muito tempo com a discussão da reforma da Previdência, que é importante. Mesmo se for aprovada, não será uma vitória para o governo, porque ele não fez o ajuste fiscal de curto prazo, que era extremamente necessário, como reverter as desonerações e adotar medidas para reduzir mais despesas para conter o crescimento do deficit primário”, alerta.
Levantamento feito pela consultoria Tendências mostra que o PIB per capita brasileiro continuará baixo por muito tempo. O pico de US$ 13,2 mil, alcançado em 2011, só deverá ser superado em 2026. E, em 2023, chegará a US$ 12,4 mil, superando o patamar de 2013, de US$ 12,3 mil, ou seja, uma década perdida em curso. “Estamos presos em uma armadilha. Para que a renda per capita volte aos patamares de quase dez anos atrás, são necessários investimentos, que ainda são baixos para contribuir com o crescimento do PIB. Como o governo vem cortando os investimentos como principal medida de ajuste fiscal, agora não tem poupança financeira para investir. Portanto, não será fácil”, explica a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências.
Desconfiança
Na década de 1980, culminada pela moratória da dívida externa brasileira e pela crise de confiança desenfreada, os problemas fiscais eram menores do que os atuais, na avaliação de Freitas, ex-diretor do BC. Ele lembra que, após a crise de 1981 a 1983, o país se recuperou em ritmo mais acelerado do que o atual, de 0,7% a 1% pelas projeções do mercado. A taxa prevista para os próximos anos pelo FMI, de até 2% entre 2019 a 2022, é menor do que metade da taxa de crescimento da crise de 1980, de 7%, e da de 1990, de 5%.
O consultor e ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Roberto Luis Troster, reconhece que o ritmo mais lento de recuperação do que em crises anteriores é preocupante. “Estamos no meio de uma década perdida, porque ainda não voltamos ao PIB per capita do pico de 2011, mas, se o governo não fizer ajuste fiscal para conter o forte crescimento da dívida pública, podemos ter duas e não uma década perdida”, afirma.
Devagar
Confira o comportamento do PIB nas crises das últimas décadas e na atual (variação anual em %)
Década de 1980
1981-4,4
19820,5
1983-3,4
19845,3
19857,9
19867,5
19873,5
Década de 1990
1990-4,2
19911,03
1992-0,4
19931,0
1994-0,5
19954,6
19965,3
Atual
2015-3,5
2016-3,5
20170,7*
20181,5*
20191,9*
20202,0*
20212,0*
* Previsão FMI
Fontes: FMI e IBGE