Economia

Marcelo vai continuar longe dos negócios da Odebrecht

Para especialistas, saída do executivo da cadeia não deve alterar os planos da empresa de profissionalizar a gestão e deixar o fantasma da corrupção e da Lava-Jato para trás

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 20/12/2017 06:00
São Paulo ; A ida de Marcelo Odebrecht para casa, onde cumprirá prisão domiciliar, reacende a dúvida: será que a família Odebrecht pretende se reaproximar dos negócios? Ou o escândalo revelado pela Operação Lava-Jato foi suficiente para que se tomasse a decisão de profissionalizar a gestão e afastar qualquer vestígio da antiga administração? Quatro dias antes de Marcelo deixar o presídio de Curitiba, depois de 913 dias no cárcere, em direção ao apartamento onde vive a família, em São Paulo, Emílio, seu pai, anunciou que deixará a presidência do Conselho de Administração do grupo em breve.

Sede do grupo em São Paulo: receita da construtora despencou de R$ 4,1 bilhões em dezembro de 2016 para R$ 2,2 bilhões em setembro deste ano

Para o mercado, o futuro do grupo é tão incerto que a volta de Marcelo aos negócios, ainda que informalmente, é vista como algo improvável, sob risco de colocar todo o investimento que tem sido feito nos últimos dois anos em práticas de governança corporativa por água abaixo. Já a decisão de Emílio de antecipar seu desembarque do conselho, que deveria acontecer em dezembro de 2018, para o primeiro semestre ; provavelmente em abril ; é avaliado como um movimento muito bem estudado para aumentar as chances de recuperação da companhia.

[SAIBAMAIS]Não por coincidência, abril de 2018 será uma data muito importante para o grupo. É quando vencerá uma dívida de R$ 500 milhões da construtora e outros US$ 100 milhões em resgates de bonds. ;É uma situação bem complicada, porque a empresa não tem geração de caixa suficiente;, avalia Alexandre Garcia, diretor associado da agência de análise de risco Fitch Ratings. Uma possibilidade seria tentar refinanciar esses vencimentos, mas o momento não é favorável à construtora, que viu sua receita despencar de R$ 4,1 bilhões em dezembro de 2016 para R$ 2,2 bilhões em 30 de setembro de 2017.

A situação é tão grave que, desde janeiro de 2017, a nota dada pela Fitch à construtora é CC (duplo C) ; quando a empresa alcança níveis altos de risco e o default, ou calote, parece ser provável. Abaixo do CC vem o C (quando, por exemplo, algum credor não recebeu na data prevista) e D (quando o pagamento não ocorreu e o default é decretado, seja por meio de um pedido de recuperação judicial, seja quando um credor pede a falência).



;É interesse de todos os acionistas que o negócio prospere, por isso parece improvável que o Marcelo resolva voltar a tomar alguma decisão no grupo;, afirma um analista que conhece de perto a empresa. Segundo Garcia, hoje o grupo tem uma preocupação em revitalizar dois de seus principais ativos: a construtora e a Braskem. Por isso, tem implementado uma série de mudanças nos últimos dois anos, quando começaram os acordos de colaboração com a Justiça no âmbito da Operação Lava-Jato.

Para especialistas, saída do executivo da cadeia não deve alterar os planos da empresa de profissionalizar a gestão e deixar o fantasma da corrupção e da Lava-Jato para trás;A tendência é que o grupo foque em algumas áreas em que tem maior expertise, como construção e petroquímica. Ainda assim, a expectativa é que essas empresas fiquem menores do que estão hoje;, diz Paulo Furquim de Azevedo, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper. Ainda segundo o professor, em outros setores a saída deve ser a venda de ativos, como vem acontecendo, já que a economia de escala é fundamental e chega um momento em que o negócio deixa de ser viável. ;O mercado não é ingênuo e já sabe que isso (venda de ativos) vai acontecer depois de todo o vendaval;, afirma o especialista.

Azevedo vê como improvável a volta de Marcelo aos negócios, ainda que seja um acionista importante. No período de negociação pré-delação premiada, sua relação com a família começou a se deteriorar por conta de opiniões divergentes. Como consequência, Marcelo acabou negligenciado nas decisões da companhia. ;Ainda que ele pudesse voltar aos negócios, isso não seria uma ameaça à modificação profunda no modus operandi da nova gestão;, diz Azevedo. Já a saída de Emílio, explica o professor, pode ter um peso positivo, porque mostra ao mercado que os negócios dão mais um passo importante para a profissionalização do grupo.

Sem mudanças


Assim como Azevedo, Marcos Melo, professor de finanças do Ibmec-DF, diz que a prisão domiciliar de Marcelo não deve mudar a condução dos negócios da família ou a forma como o mercado tem percebido o grupo desde a sua prisão. ;Entre os fatos mais recentes, sem dúvida o mais importante é a saída do Emílio do conselho, porque pode representar a continuidade do grupo e a possibilidade de no futuro voltar a prestar serviço para clientes para os quais não pode hoje, como a União.;
Ainda que o mercado saiba que o grupo vem se comprometendo com regras mais rígidas de governança corporativa desde que estouraram os escândalos envolvendo suas empresas, as mudanças levarão muito tempo para serem efetivamente implementadas. ;Por mais que os envolvidos em atos criminosos tenham sido afastados ou punidos pela Justiça, infelizmente esse comportamento permeia a cultura da empresa e leva um tempo para que a nova cabeça da organização influencie todo o corpo, ou seja, colaboradores e seus fornecedores;, diz Melo.

Por meio de nota, a Odebrecht informou apenas que manifesta ;solidariedade com Marcelo, esposa e filhas por seu retorno ao convívio familiar. Marcelo conta com o reconhecimento da empresa por enfrentar as adversidades atuais com coragem e espírito de colaboração;. O texto, curto e pouco elucidativo, pode ser mais um sinal de que o ex-presidente do grupo será tratado apenas como acionista, e nada mais.

  • Grupo vende ativos e troca nomes de empresas


  • Desde que teve de enfrentar a Justiça, o Grupo Odebrecht vem passando por uma série de mudanças ; da troca do nome de algumas de suas empresas à venda de ativos. Até agora, o programa de alienação de ativos, tanto no Brasil quanto no exterior, trouxe para a companhia R$ 7,3 bilhões, mas a estimativa é que a soma alcance R$ 12 bilhões. O processo só deve ser concluído no primeiro semestre de 2018. Mas o que foi feito até agora, segundo a companhia, já reduziu a dívida consolidada pela Odebrecht S.A. em R$ 9 bilhões. Com a conclusão do programa, prevista para o primeiro semestre de 2018, a redução deverá chegar a R$ 16 bilhões. Além de se desfazer de ativos para reforçar o caixa, o grupo optou por mudar algumas marcas. A Odebrecht Agroindustrial passou a se chamar Atvos. A Odebrecht Realizações Imobiliárias tornou-se a OR. Já a Braskem, apesar de ter mantido o nome, passou a adotar uma nova marca, com identidade visual nas cores azul e amarelo. A intenção é que a marca Odebrecht passe a ser usada exclusivamente para denominar a holding.

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