Lino Rodrigues
postado em 09/01/2018 06:00
São Paulo ; Além das restrições decorrentes da ação de classe especial (golden share) do governo brasileiro, que tem poder de vetar o negócio, um eventual acordo entre a Boeing e a Embraer terá que enfrentar também a oposição dos trabalhadores. O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, outras entidades de trabalhadores da região e o Sindicato dos Engenheiros de São Paulo marcaram para a próxima semana o início de uma campanha nacional contra qualquer tipo de transação que represente a transferência do controle acionário da empresa brasileira para a norte-americana.
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Os sindicalistas consideram que a venda da principal empresa da região pode transformar São José dos Campos (SP) em uma espécie de Detroit brasileira, a cidade americana que pediu falência em 2013 depois da crise que atingiu a indústria automobilística.
A confirmação das negociações entre as duas fabricantes de aviões, em 21 de dezembro, pegou os trabalhadores de surpresa na véspera do tradicional período de paralisação da fábrica para as festas de Natal e final de ano. Nas unidades de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, e Gavião Peixoto, no interior paulista, que empregam mais de 25 mil trabalhadores, o clima desde o retorno ao trabalho, na quarta-feira passada, é de apreensão e preocupação com o futuro da empresa e dos empregos.
;A maioria dos funcionários vê com muita preocupação essa movimentação, porque a história das fusões tem mostrado que a empresa maior acaba destruindo a menor;, diz Herbert Claros da Silva, vice-presidente do sindicato, e mecânico ajustador da Embraer. Segundo ele, o sindicato já enviou carta ao governo federal cobrando uma posição contrária à venda da empresa à Boeing.
Na fábrica de São José dos Campos, são produzidos os modelos da família 190, utilizados na aviação regional. O setor de montagem de jatos executivos ficou bem reduzido, desde que a produção dos jatos Phenom 100 e 300 foi transferida para uma nova unidade nos Estados Unidos. Na área militar, alguns componentes ainda são produzidos em São José, mas a maior parte do trabalho dos aviões militares (os modelos Tucano e o cargueiro KC-390) é realizada pelos trabalhadores da unidade de Gavião Peixoto. No total, a Embraer emprega cerca de 18 mil pessoas nas duas fábricas e escritórios do país.
Conflito de interesses
Outro ponto que começa a surgir como um empecilho à negociação é a parceria da Embraer com a sueca Saab, que venceu a concorrência internacional para fornecer os caças do programa FX-2 do Brasil. Na época, a Boeing foi a grande derrotada na licitação, que acabou vencida pelos suecos. Agora, uma parceria entre Embraer e Boeing pode gerar um conflito de interesses, já que americanos e suecos concorrem no mercado internacional. A questão foi colocada pelo ex-ministro da Defesa e das Relações Exterior Celso Amorim: ;A Suécia concordará em passar um segredo tecnológico para uma empresa que estará coligada a uma concorrente direta dela nesta área?;, questionou em artigo ao portal GGN.
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em regulação, Cleveland Prates, não vê problemas ou conflito entre suecos e americanos. Segundo ele, a Embraer e a Saab têm um contrato que prevê uma série de situações com exigências para a possível entrada de um sócio em uma das empresas. ;Não vejo problema, até porque a Boeing já sabia que a Embraer tem o contrato com a Saab;, diz Prates.
Para o especialista, ex-integrante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Embraer só tem a ganhar com o negócio. A empresa brasileira, diz ele, é muito mais uma desenvolvedora de tecnologia do que propriamente uma geradora de recursos para o país. ;Cerca de 70% da venda de uma aeronave equivale a insumos importados, ou seja, a Embraer desenvolve tecnologia e monta, mas para fazer isso compra componentes do resto do mundo. Mais importante que o símbolo nacional é a geração de riqueza. E se a Boeing está vindo para o Brasil para gerar riqueza e desenvolver tecnologias junto com a Embraer, só temos a ganhar com isso.;