Economia

Em nome da sobrevivência, locadoras se unem para enfrentar o futuro

Assim como bancos, redes de varejo, instituições de ensino e vários outros setores, empresas de aluguel de carros chegaram à conclusão de que incorporar concorrentes pode ser bom negócio

Jaqueline Mendes
postado em 10/01/2018 06:00
Um dos últimos segmentos a surfar na onda de fusões e aquisições foi o de locadoras de veículos

São Paulo ; Alguns dos setores mais relevantes da economia viveram, nos últimos anos, ciclos de intensa consolidação ; jargão que, no dicionário econômico, define quando várias empresas se unem para criar uma companhia mais robusta. Apenas para relembrar os casamentos mais recentes, foi assim no setor bancário, com o Itaú e o Bradesco incorporando grandes concorrentes, como as operações brasileiras do Citi e do HSBC. A criação da Via Varejo surgiu também após a união da Casas Bahia com o Ponto Frio. Na educação, grandes grupos como Kroton, Anima, Anhanguera e DeVry ganharam musculatura com a aquisição de rivais.

Um dos últimos segmentos a surfar na onda de fusões e aquisições foi o de locadoras de veículos. A mineira Localiza, a maior empresa do mercado nacional, comprou a subsidiária brasileira da americana Hertz, em dezembro de 2016, por R$ 337 milhões. Em março do ano passado, a também mineira Locamerica adquiriu 33,7% do capital da Auto Ricci, por R$ 329 milhões, e incorporou a Panda de Itu por R$ 47,7 milhões.

[SAIBAMAIS]Tudo parecia bem acomodado. Parecia. Na semana passada, a Locamerica e a Unidas divulgaram a intenção de fundir suas operações ; um negócio que envolverá R$ 998,5 milhões. A união está condicionada à análise e à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas não deve enfrentar muita resistência dado o grau de pulverização do segmento de locadoras. No ranking desse setor, a soma da participação de mercado das três principais não chega a 45%.



Com a fusão Locamerica-Unidas, a Movida, do grupo JSL, cai para a terceira colocação. A Localiza continuará na liderança, com 19,6% de market share em tamanho de frota (ver quadro). Apenas como comparação, no mercado americano, três grupos ; a Hertz, a Avis e a Enterprise, dona das bandeiras Alamo e National ; dominam 90% do mercado. ;Há pouco risco de a fusão ser vetada pelo Cade. Afinal, existem centenas de pequenas locadoras independentes espalhadas pelo Brasil;, afirma o analista Pedro Nogueira, que acompanha o setor.

Assim como bancos, redes de varejo, instituições de ensino e vários outros setores, empresas de aluguel de carros chegaram à conclusão de que incorporar concorrentes pode ser bom negócio

Pode-se, portanto, apostar em mais negócios entre as locadoras, especialmente de grandes adquirindo pequenas, em um futuro não muito distante. ;Esse ciclo de consolidação está se fechando para a Locamerica, por enquanto;, afirma Luis Fernando Porto, CEO da companhia. ;Após a aprovação do Cade, a prioridade será criar sinergias e aprimorar os processos de trabalho de ambas as empresas.;

Para a Locamerica, a fusão é um salto e tanto. Com as recentes aquisições, em dois anos a frota da empresa se multiplicou por quatro. Juntas, Locamerica e Unidas serão responsáveis pela gestão de 100 mil veículos, 23 endereços, 72 lojas de seminovos e atuação em todos os estados do país. A receita combinada superou os R$ 2 bilhões, de janeiro a setembro de 2017. O negócio foi fechado com a compra de 40,3% do capital da Unidas pela Locamerica, por R$ 398,6 milhões. O restante da transação acontecerá por meio de troca de ações.

A nova estrutura societária prevê participação de 39,2% dos controladores da Locamerica e 25,2% dos da Unidas, que incluem a Enterprise e a Principal, duas multinacionais do setor, além do fundo Fitpart Capital Partners, que pertence a ex-sócios do banco de investimentos Garantia. ;Estão saindo os sócios financistas e ficando gente do negócio;, afirma o economista Álvaro Frasson, analista da Eleven Financial. Após a transação, os três fundos sócios (Vinci, Kinea e Gávea) venderam as suas fatias na Unidas. O mesmo caminho foi trilhado pelo Banco Votorantim, que se desfez de 4,91% das ações para a Itaú Corretora.

Para os grandes investidores que restam, a expectativa é que a empresa combinada consiga atuar com força similar tanto na locação para empresas quanto para o consumidor final. Segundo o CEO Luis Fernando Porto, 65% dos carros deverão ficar direcionados a frotas corporativas. ;Não vejo um mercado melhor do que outro. Ambos têm grande potencial de crescimento no Brasil;, diz. ;O setor pode crescer por mais uns cinco anos, com taxas próximas dos dois dígitos.;

Diferencial

Haverá alguns desafios. ;A Locamerica é a única empresa de capital aberto do setor que lucra com a venda de seminovos;, diz Frasson. Isso é um diferencial importante, já que a revenda dos carros usados representa atualmente metade da receita das grandes empresas de locação brasileiras. Ou seja, vender seminovos não significa apenas uma forma de aliviar custos e perdas, mas sim uma fonte de rentabilidade. E ela conseguiu isso diminuindo o tempo médio de uso de sua frota para 17 meses ; segundo Porto, ao fim de 2018 esse índice baixará para 15 meses ;, o que reduz os custos de manutenção e aumenta o valor de revenda. Esse objetivo, no entanto, só foi alcançado pelo fato de a empresa se dedicar ao mercado de frotas corporativas, no qual os cuidados dos clientes com o veículo são maiores e o índice de sinistros, menor.

Outra vantagem da atuação junto às empresas são os contratos mais estáveis, de longo prazo, e um potencial grande de crescimento do nicho. Segundo a Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla), apenas 11% das empresas do país terceirizam as suas frotas. Em alguns países europeus, como a Inglaterra e a França, cerca de metade delas preferem essa estratégia. Para as locadoras que planejam se manter competitivas no setor depois da fase de consolidação, será preciso ampliar a atuação nas duas frentes. Afinal, escala é muito importante tanto para a compra de veículos junto a montadoras quanto para estabelecer uma rede de revendas de largo alcance.

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