Jaqueline Mendes
postado em 16/01/2018 06:00
São Paulo ; O fazendeiro capixaba Wanderlino Medeiros Bastos, dono de uma área de 800 mil hectares nos arredores do município baiano de Itabuna, definiu para si, em dezembro último, uma inédita resolução de ano-novo: passar o trator sobre seus 450 mil pés da café e demitir 600 funcionários. E cumpriu à risca. Hoje, restam na propriedade apenas 50 empregados, além de bananeiras, cupuaçuzeiros e algumas dezenas de seringueiras.
A decisão radical do empresário de 76 anos foi motivada por sua revolta com a legislação trabalhista brasileira, que, segundo ele, o tem ;castigado de forma impiedosa; nos últimos anos. ;A legislação trabalhista no Brasil é um resumo sórdido do que nosso país se tornou, um lugar que enxerga empregadores como exploradores e condena a classe operária ao desemprego sem fim e à subserviência;, desabafa Wanderlino.
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O extermínio da lavoura em Itabuna interrompe uma história de 200 anos da família Medeiros Bastos, que domina a produção cafeeira no Sul da Bahia e Norte do Espírito Santo desde 1836. ;Meus antepassados teriam vergonha de ver o que eu fiz, mas não tive alternativa. Os invejosos da Justiça do Trabalho e do Ministério Público com a prosperidade da minha fazenda arruinaram o meu negócio.;
A fúria do ex-cafeicultor exemplifica o sentimento de parte do empresariado brasileiro com o vaivém do governo em relação às normas que regulamentam as relações entre patrões e empregados. No fim de dezembro, o presidente Michel Temer publicou a Portaria 1.293, revogando a Portaria 1.129, definida dois meses antes, que flexibilizava as definições de trabalho escravo.
A tentativa de alterar as regras, na esteira da aprovação da reforma trabalhista, gerou mais conflitos e incertezas. ;O passo atrás do governo se mostrou um grande retrocesso e uma tragédia para o processo de aprimoramento e modernização do convívio entre funcionários e empregadores;, afirma Luiz Antonio França, presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). ;Nenhuma empresa é a favor do trabalho escravo, mas a questão é que nossas regras continuam não sendo claras e afugentam investidores.; (leia entrevista).
O coro contra a revogação da portaria ganhou aliados de peso, como o dono da varejista Riachuelo, o pernambucano Flávio Rocha. ;Existe um forte movimento antirreforma no Brasil, uma força que atrasa qualquer tentativa de evolução da lei;, diz. ;A inclusão do nome de grandes empresas em listas de trabalho escravo é absurda e expõe um problema ainda mais grave, o vácuo jurídico pela ausência de legislação clara e objetiva;, acrescenta o empresário.
A opinião de Rocha é compartilhada pelo copresidente da mineira MR, Rafael Menin. A empresa, maior construtora do Brasil, chegou a ter seu nome incluído na ;lista suja; por fiscais que consideram existir algumas irregularidades em seus canteiros de obras com operários terceirizados. ;Foi uma grande injustiça com a MRV, porque temos os mais rígidos controles existentes e as melhores práticas em segurança e ambiente de trabalho;, afirma Menin. ;Fomos acusados sem ao menos existir um processo. Não tivemos sequer direito à defesa.;
Nem todos, no entanto, são críticos em relação à rigidez da lei e das fiscalizações do trabalho escravo. Para a advogada Maria Lúcia Benhame, sócia-fundadora do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em relações trabalhistas, o histórico de escravidão no Brasil, as dimensões continentais do território e a incapacidade de um sistema de fiscalização mais intenso geram a necessidade de uma legislação restritiva. ;Podem existir excessos, obviamente, mas todo empresário pode contestar e recorrer de qualquer autuação de fiscais. Os mandados de segurança existem para isso.;
No fogo cruzado das novas regras, há quem olhe para a polêmica com bons olhos. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que manifestou apoio à Portaria 1.129, não existe nenhuma tentativa de deteriorar as relações de trabalho nem enfraquecer a luta contra o trabalho escravo. Para a CNI, o mais importante é a definição de parâmetros com mais clareza, como a fixação exata do que caracteriza expressões como trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante ou mesmo condição análoga ao trabalho escravo.
Essa transparência, segundo a CNI, ajudaria a coibir excessos e impedir a ocorrência de autuações abusivas, como a que foi imposta a uma empresa de Campinas (SP), acusada de submeter seus empregados a ;condições degradantes; devido à falta de suporte de sabonete e de cabide para toalha nas proximidades do chuveiro do canteiro de obras. ;O que se busca é sanar distorções na aplicação da lei e prestigiar o devido processo legal;, afirma o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI, Alexandre Furlan.