Economia

Programa para micro e pequenas empresas custou R$ 709 bi em isenção fiscal

Para especialistas, teto é muito alto e benefícios precisam ser avaliados

Hamilton Ferrari, Rosana Hessel
postado em 29/01/2018 06:00
Para Holanda, da FGV, incentivo leva à estagnação de companhias
Quando se observam os desequilíbrios das contas públicas, o programa destinado a facilitar a tributação para pequenas e micro empresas, o Simples Nacional, é a principal torneira de escape dos recursos públicos. A renúncia fiscal ; o que o governo deixa de arrecadar ; equivale a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo relatório do Banco Mundial. Durante o período de 2003 a 2016, o Ministério da Fazenda calculou que as isenções com o programa somaram R$ 709 bilhões. É de longe o maior incentivo fiscal em vigência no país.

De acordo com analistas, além da renúncia altíssima, o Simples não deu retornos suficientes no mercado de trabalho e na regularização das empresas, sendo necessária e urgente uma revisão dos benefícios para a melhora das contas públicas.

As projeções do Orçamento Federal de 2018 mostram que o governo vai deixar de arrecadar R$ 80,6 bilhões com o Simples, o que corresponde a 28,4% dos gastos tributários do Executivo. De acordo com as estimativas deste ano, as renúncias fiscais vão alcançar R$ 283 bilhões. Como comparação, o rombo deixado pelo programa corresponde a mais da metade do deficit fiscal esperado para 2018, que é de R$ 159 bilhões.

Em segunda posição no ranking dos gastos tributários, os rendimentos isentos e não tributáveis do Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF) vão impactar as contas públicas em R$ 27 bilhões, 33,5% do custo do Simples no ano. O economista Braulio Borges, da LCA Consultores, destacou que o programa é um dos itens que mais pesam na conta de subsídios. Na avaliação dele, o programa ficou completamente ;desvirtuado; com a recente ampliação do faturamento das empresas que podem ser incluídas no regime de R$ 3,6 milhões para R$ 4,8 milhões.

;Esse faturamento já não é mais de microempresa;, pontua Borges. O diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), Bernard Appy, também avalia assim. Para ele, o programa claramente tem problemas, devido ao limite extremamente elevado. ;Da maneira como está hoje, o Simples favorece empresas que não precisam. A mediana dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de US$ 50 mil, enquanto o Brasil permite US$ 1,5 milhão. Não faz o mínimo sentido;, afirma.

Ampliação

Ao longo dos anos, as ampliações dos limites de faturamento acompanharam o aumento dos gastos do governo com as renúncias do programa. Em 2003, o Simples gerava uma isenção de R$ 19 bilhões. O nível passou de R$ 50 bilhões em 2010 até chegar ao patamar de R$ 80 bilhões de 2018. Ou seja, o rombo anual subiu 320% nos últimos 15 anos.

O Banco Mundial avaliou, no relatório Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, que o Simples é distorcivo porque permite a sobrevivência de empresas ineficientes, que pagam salários relativamente mais altos a trabalhadores mais ricos, em detrimento de outras micro e pequenas companhias que poderiam crescer e gerar mais empregos.

Foi o que diagnosticou uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), publicada no livro Causas e consequências da informalidade no Brasil, organizado pelo pesquisador Fernando de Holanda Barbosa Filho, em conjunto com Gabriel Ulyssea. ;O Simples não obteve sucesso na formalização das empresas nem na melhora do mercado de trabalho. Os indicadores de emprego não mudam, o que significa que o Simples não funcionou como pretendia. É um programa que, na verdade, serviu apenas para a simplificação dos tributos;, aponta. ;Mas, mesmo simplificando, há benefícios para empresas pouco produtivas, o que não vemos em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, a dinâmica é: nascer, crescer e ganhar mercado. No Brasil há nascimento e estagnação;, lamenta.

Na avaliação dos analistas, isso ocorre porque as empresas não querem crescer e abrir mão do benefício, porque a tributação seria mais elevada. Por isso, Appy afirma que o programa é necessário, mas que é preciso uma reavaliação. ;No Brasil, há uma cultura de criar políticas de incentivo sem avaliação prévia. O Simples é um exemplo disso. Há a percepção de que o Brasil está começando a focar no combate às isenções, mas é de forma bem incipiente. Tanto é que o aumento do limite de faturamento das empresas vai valer a partir deste ano;, declarou o diretor do Centro de Cidadania Fiscal.

Braulio Borges lembra que há uma grande dificuldade para o governo rever os benefícios tributários, porque eles não aparecem nas despesas sujeitas à emenda do teto dos gastos, portanto, mesmo se forem cortadas, não terão impacto no descumprimento da regra a partir do próximo ano. Apesar disso, o Simples é uma das poucas exceções que entram na conta. As despesas discricionários que constam na Lei Orçamentária Anual, por exemplo, passaram de R$ 125,5 bilhões em 2017, para R$ 112,6 bilhões neste ano, registrando uma queda de 10,3%. Dentro dessa rubrica, estão incluídos investimentos constitucionais para a saúde, a educação, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e até o Bolsa Família.

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