Economia

Peso dos tributos na conta de luz dos brasileiros ultrapassa 50% da fatura

Contas de luz dos brasileiros embutem encargos com finalidades diversas, como cobrir o consumo da população de baixa renda, viabilizar a operação de usinas termelétricas e estimular fontes alternativas de energia

Simone Kafruni
postado em 30/01/2018 06:00
Impostos na conta de energia elétrica

No país dos subsídios, o setor elétrico é um dos que mais têm encargos e penduricalhos para bancar uma série de programas e descontos. Mais da metade da receita das empresas de geração, transmissão e distribuição de eletricidade são impostos, contribuições e encargos que embutem subsídios de toda sorte. Do carvão mineral para geração termelétrica e do combustível usado pelas usinas térmicas de sistemas isolados até descontos no uso dos fios em determinados empreendimentos e abatimentos nas tarifas de alguns consumidores, passando por programas sociais e assistenciais, tudo está dentro da fatura mensal de energia elétrica dos brasileiros.

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Estudo do Instituto Acende Brasil mostra que a carga tributária consolidada atingiu 51,64% do total da receita bruta operacional do setor elétrico em 2015. No exercício anterior, o mesmo levantamento havia registrado índice de 40,23%. Houve, portanto, aumento de 28% de um ano para o outro. Na pesquisa mais recente, tributos e encargos representaram R$ 88,1 bilhões da receita de R$ 170,7 bilhões.

O presidente do Acende Brasil, Cláudio Sales, ressalta que a tributação em energia elétrica é injusta, porque atinge a camada da população com menor renda. ;A fatura pesa mais no orçamento das famílias mais pobres;, alerta. ;O estudo, feito em parceria com a PWC, descortina o grande drama tupiniquim, de carga tributária sempre acima de 40%, o que afeta diretamente a competitividade da economia;, diz Sales.

De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), hoje, a maior parcela dos subsídios do setor está embutida na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Isso ocorreu quando a ex-presidente Dilma Rousseff promoveu o maior desarranjo regulatório do setor com a famigerada Medida Provisória n; 579, de 2012, depois convertida na Lei n; 12.783, de 2013. ;O reflexo de esconder tudo dentro da CDE com a MP 579 foi o salto que vimos de um ano para o outro no peso dos encargos. Embora tenha se mantido acima de 40% desde 2002, em 2015 passou de 51%;, explica Sales.

Tarifas


A conta de energia abarca inúmeros encargos (veja no quadro ao lado), mas, dentro da CDE, estão subsídios para bancar: a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE); descontos na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust) e na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd) para pequenos empreendimentos hidrelétricos e de fontes solar, eólica, biomassa e cogeração; descontos nas tarifas de energia elétrica para consumidores rurais, irrigantes e aquicultores, para aqueles enquadrados como prestadores de serviço público de água, esgoto e saneamento e irrigação pública, além de distribuidores de pequeno porte, como cooperativas, permissionárias ou concessionárias; e, por fim, a universalização do acesso à energia elétrica, por meio do programa Luz para Todos.

Sales chama a atenção para a Conta de Consumo de Combustível (CCC), criada para subsidiar o combustível das termelétricas de sistemas isolados. ;Antes, a CCC, usada para financiar o combustível das geradoras do Norte que não estavam conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN), era custeada pela conta de luz de todos os consumidores. Com a MP 579, foi parar dentro da CDE. A grande enganação de Dilma é que o Tesouro ia bancar a CDE, mas isso durou só um ano. O governo ficou sem dinheiro e a CDE voltou a ser custeada pelos consumidores, com o agravante de não ter transparência;, explica.

Custo rateado

O especialista pondera que o subsídio de combustível já se justificou. ;Como a geração de energia termelétrica é muito mais cara e, para alguns sistemas isolados, era o único recurso, foi uma política pública subsidiar a CCC e ratear o custo entre todos consumidores enquanto não se conseguia interligar as regiões ao SIN;, diz. No entanto, ressalta Sales, a interligação já foi feita. ;Em tese, não há mais necessidade de subsidiar a maioria das regiões. Porém, os estados atingidos reclamam uma receita importante de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em cima dos combustíveis. Aí começa uma série de distorções;, aponta.

Sales reconhece que, em um país como o Brasil, de ;múltiplas carências;, é fácil justificar a conveniência de subsidiar alguns setores. ;Mas é muito contraproducente aumentar os encargos indefinidamente. Chega-se a um ponto em que isso é danoso. Se o Brasil tem carga tributária que é considerada alta para países emergentes, a do setor elétrico, por ser regressivo, com maior impacto no orçamento dos mais pobres, deveria ser menor. No entanto, é assustadoramente maior;, lamenta.

Na opinião do especialista em energia Rodrigo Leite, sócio do escritório Leite Roston Advogados, a parcela de subsídios e encargos na conta de energia é significativa. ;Muito foi criado para subsidiar os setores mais frágeis. É legítimo pensar nisso para se ter uma base de ampliação da rede e maior receita no futuro;, explica. Contudo, Leite ressalta que o ;mais grave; é que os recursos da CDE, muitas vezes, são usados para compor subsídio cruzado. ;Há uma proposta do MME, atualmente em consulta pública, para definir diretrizes do novo marco regulatório, que pretende acabar com os subsídios cruzados, que são jogados na tarifa;, diz.

Leite afirma que os descontos no fio para fontes de geração como biomassa, resíduos e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) vão de 50% até 100%. ;É interessante para incentivar a produção por novas fontes, mas acaba onerando a distribuidora e a transmissora, que repassam o custo para os consumidores;, ressalta. O especialista lembra que os subsídios saem do mesmo bolso ; ou do consumidor, via tarifa, ou do contribuinte, quando o dinheiro sai do Tesouro, que arrecada impostos. ;Não se pode tapar buraco de falha estrutural do setor com subsídio. Isso só ocorre no Brasil, onde há muitas contas paralelas. O mercado europeu é muito mais livre;, afirma.

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