Jaqueline Mendes
postado em 31/01/2018 06:00
São Paulo ; Quem já esteve em Ouro Preto e Mariana, em Minas Gerais, ou em Anchieta e Guarapari, no Espírito Santo, antes e depois de novembro de 2015, facilmente perceberá que todas essas cidades estão mais pobres. Os buracos tomaram conta das principais ruas e avenidas, a iluminação noturna já não mostra os ricos detalhes da arquitetura barroca, nem as belezas do litoral capixaba, e a limpeza urbana é precária em locais que deveriam estar cheios de turistas. Dentro de hospitais e escolas, o sucateamento salta aos olhos, relembrando a realidade vivida por centenas de municípios nordestinos castigados pela seca.
Quanto mais o tempo passa, mais a situação se agrava. Desde o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, operada pela mineradora Samarco, as economias locais e as finanças públicas afundam em problemas. ;A Samarco está em Mariana há quase meio século, período em que criou no município uma relação de dependência com os recursos gerados pela empresa;, diz o prefeito da cidade, Duarte Júnior (PPS). ;A volta das operações da Samarco não é uma questão de concordar ou discordar dela, é uma questão de sustentabilidade financeira dos municípios.;
[SAIBAMAIS]A partir deste ano, as dificuldades tendem a crescer. Como o repasse de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercados e Serviços) dos governos estaduais aos municípios tem um ;delay; de dois anos, em 2018, as cidades mineiras e capixabas receberão parte do imposto arrecadado em 2016, primeiro ano de inatividade completa da Samarco. Ou seja, o que está ruim vai ficar pior. ;Infelizmente, é grave a condição financeira e econômica de todas as regiões em que temos operações paralisadas;, disse aos Diários Associados o presidente da Samarco, Roberto Carvalho. ;Temos percebido que a população e as autoridades apoiam a retomada das nossas atividades.;
O apoio se justifica. A paralisação da Samarco traz imensas dificuldades. Estudo encomendado à Tendências Consultoria pela australiana BHP Billiton ; sócia da Samarco ao lado da Vale, cada uma com 50% ; comprova que a inatividade da empresa só deteriora a situação fiscal de Minas Gerais, do Espírito Santo e, em última instância, do Brasil. A perda de receitas, que chegou a R$ 8,3 bilhões nos primeiros 12 meses de máquinas paradas, poderá alcançar a cifra de R$ 46,7 bilhões em 10 anos. No quesito emprego, o estrago é devastador: 4 mil vagas a menos entre os capixabas, 14,5 mil em território mineiro e mais de 19 mil em todo o país. Em arrecadação de impostos, o prejuízo pode alcançar R$ 10 bilhões em uma década.
;As maiores vítimas da inatividade da Samarco são os municípios pequenos, como Mariana e Ouro Preto, que dependem do dinheiro pago pela mineradora em impostos para custear o básico em saúde, educação e segurança;, afirma Eric Brasil, coordenador técnico da Tendências e um dos autores do estudo. ;Ao contrário de outras catástrofes, como acidentes aéreos e incêndios, que geram impacto econômico apenas imediato, o rompimento da barragem da Samarco não vai parar de gerar estragos enquanto a empresa ficar sem operar.;
O reinício da Samarco, porém, não parece estar distante. Na semana passada, circularam rumores de que a BHP Billiton estaria vendendo sua parte na Samarco para a Vale, o que faria parte do plano de recuperação da empresa. Os envolvidos não comentaram a informação. De concreto, o Conselho de Política Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) aprovou em dezembro as licenças do Sistema de Disposição de Rejeito Cava de Alegria Sul. Com isso, em uma explicação simplificada, o Complexo de Germano, da Samarco, depositará seus resíduos em grandes valas, aposentando o sistema de barragens.
O obstáculo continua sendo o embate jurídico com o município de Santa Bárbara, que condicionou a liberação de seu Termo de Conformidade, documento essencial para o reinício das atividades, à instalação de uma estação de tratamento de esgoto da cidade, paga pela Samarco. ;Eu jamais poderia fazer isso. Seria como comprar uma licença, algo que está fora das nossas regras de compliance;, justificou o presidente da Samarco. Procurada, a Prefeitura de Santa Bárbara não retornou à reportagem.
Reconstrução
Os processos e as longas negociações com representantes dos municípios continuam. A Samarco mantém o auxílio às 291 famílias que foram afetadas pelo rompimento. Todas moram em casas alugadas, enquanto aguardam a reconstrução de suas comunidades. Como parte do acordo, a Samarco distribuiu 7.901 cartões de auxílio financeiro aos impactados em Minas Gerais e no Espírito Santo, com mensalidade de R$ 1,2 mil a R$ 1,5 mil. Desde o final de 2016, as iniciativas socioeconômicas e socioambientais estão sob gestão da Fundação Renova. ;Não existe limite para os gastos. Estamos amparando financeiramente todos que, de alguma forma, foram prejudicados;, garantiu o diretor executivo da entidade, Marcelo Figueiredo.
A Samarco protagonizou a maior catástrofe ambiental da história do Brasil. O rompimento de sua barragem despejou mais de 34 milhões de metros cúbicos de lama na natureza e deixou um rastro de destruição de 663,2 quilômetros, entre Minas Gerais e o litoral do Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram, sendo 14 trabalhadores da barragem e cinco moradores do distrito de Bento Rodrigues ; uma tragédia que não tem volta. Por outro lado, sua inatividade mergulha a produção econômica em clima de total incerteza.