Rosana Hessel, Simone Kafruni
postado em 16/02/2018 06:00
O primeiro grande projeto de concessão ferroviária do governo Michel Temer, a Ferrovia Norte-Sul (FNS), deve ter seu edital aprovado hoje, na reunião da diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A expectativa do secretário especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Adalberto Vasconcelos, é de que vários consórcios participem do leilão, sobretudo, estrangeiros.
A Ferrovias Russas (RZD, na sigla em russo), responsável por 85 mil quilômetros de trilhos, promete entrar forte na disputa. ;Vamos partir com tudo. No mínimo, vamos fazer as concessionárias que já operam no país pagarem mais caro para arrematar a Norte-Sul;, garantiu o representante dos russos no Brasil, Bernardo Figueiredo, ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) e da ANTT.
Na Rússia, a RZD transporta 1 bilhão de passageiros e 1 bilhão de toneladas de carga por ano na mesma linha, sem conflitos entre os trens. A companhia tem uma joint venture com os chineses para viabilizar a rota Moscou-Pequim com trem de alta velocidade, opera no Leste Europeu e iniciou obras em Cuba. ;São operações de alto nível, que podem contribuir para o sistema no Brasil;, afirmou Figueiredo. Uma das maiores preocupações dos investidores russos, no entanto, é a discrepância da estrutura da Norte-Sul com a malha ao Sul, controlada pela Rumo, que tem velocidade média muito baixa. Figueiredo lembrou que a FNS foi projetada para uma velocidade de até 80km/h, mas o governo acha normal derrubar a média para 42km/h.
Para o representante dos russos, o governo sinaliza que não está preocupado com a concentração do setor nas mãos das empresas que já têm operações no país, algo que pode travar a retomada do desenvolvimento do setor ferroviário, com a ampliação da competição. ;A FNS não chega aos portos. Para o projeto ser atrativo, o direito de passagem é fundamental. Isso funciona no mundo inteiro, onde o transporte ferroviário é eficiente. No Brasil, as operadoras preferem cobrar caro para garantir o monopólio. Não à toa, apenas 8 mil km estão concedidos e 20 mil km precisam ser recuperados;, criticou. ;O país já teve uma malha maior do que a dos Estados Unidos. Mas parou no tempo. Está na hora de voltar a favorecer a cultura de rede;, acrescentou.
O governo assegurou que haverá competição. ;Vários consórcios devem participar do leilão, principalmente, compostos por estrangeiros, como chineses, espanhóis e russos;, estimou o secretário Adalberto Vasconcelos, do PPI. Apesar da confiança do governo de que os chineses entrarão na disputa pela FNS, de acordo com fontes próximas às autoridades da China, é pouco provável que isso ocorra. Analistas também lembraram que os chineses anunciaram interesse em construir uma ferrovia para o Pacífico, via Peru, mas até agora tudo ficou na carta de intenções.
Vasconcelos ressaltou que a perspectiva é de que o leilão ocorra no segundo trimestre deste ano, com direito de passagem ;garantido no edital;. O superintendente de ferrovias da ANTT, Alexandre Porto, explicou que o dispositivo não é novidade. ;Existe desde 1997, quando o setor foi privatizado. O acesso ao porto de Santos é um exemplo em que três concessionárias utilizam a mesma malha. No Norte, no Porto de Itaqui, também;, ressaltou. Porto admitiu, contudo, que houve uma discussão mais ;profunda; sobre direito de passagem na modelagem econômica da concessão da FNS.
Compartilhamento
Para o diretor executivo da Associação Nacional de Transporte Ferroviário (ANTF), Fernando Paes, o compartilhamento da infraestrutura por meio do direito de passagem é uma prática recorrente e devidamente regulamentada no Brasil. ;De acordo com os dados mais recentes da ANTT, cerca de 10% do total das cargas transportas pelo modal ferroviário em 2017 ocorreu por meio desse dispositivo;, disse. ;É uma prática regular, natural e exercida há muito tempo, de forma contratual, entre as concessionárias. Não por acaso não temos conhecimento de litígios em relação a direito de passagem levados à agência reguladora;, acrescentou.
Porém, a ANTF reconhece que, em alguns pontos da malha ; como os acessos aos portos de Santos e de Itaqui (MA) ; há saturação e necessidade de novos investimentos. ;A solução de curto e médio prazos é a ampliação da capacidade por meio da renovação dos contratos;, explicou Paes (leia mais amanhã).
Além da FNS, Porto lembrou que mais duas ferrovias devem ser concedidas. ;Estamos trabalhando em outros processos. O edital da Ferrogrão, de Sinop a Miritituba, temos chance de apresentar ao Tribunal de Contas da União (TCU) no início do segundo semestre. A Fiol ainda está na fase de estudos, pode ficar para 2019. Estamos discutindo a modelagem, precisamos realizar audiência pública e o cronograma não foi definido;, afirmou. Conforme Vasconcelos, do PPI, os estudos de viabilidade para a Fiol serão concluídos até março.
Cronograma
O superintendente da ANTT disse que a agência está preparando o certame licitatório e a previsão é que o leilão da Norte-Sul ocorra no segundo trimestre de 2018, conforme o cronograma do PPI. ;Devemos aprovar a documentação técnica na sexta-feira (hoje). A ideia é protocolar no TCU (Tribunal de Contas da União) na semana que vem. Mas pode acontecer de ficar para a reunião de diretoria da próxima semana;, disse. A estimativa de Alexandre Porto é de que a unidade técnica da corte de contas avalie o edital em 45 dias. ;Depois disso vai a plenário para virar acórdão. A expectativa é publicar o edital em 60 dias;, destacou.