Rosana Hessel
postado em 19/02/2018 14:08
As previsões de analistas que apontavam um resultado primário muito pior do que o realizado terem sido frustradas é resultado da falta de transparência do governo. ;Se no último decreto de programação orçamentária, o governo não tivesse mantido despesas que acabaram ficando menores, o erro das projeções não teria sido tão grande se o governo fosse mais transparente;, avaliou o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal.
A meta fiscal de 2017 prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) permitia um deficit primário de até R$ 159 bilhões nas contas do governo central, que inclui Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social, mas o resultado ficou bem abaixo desse montante, em R$ 124,4 bilhões. O economista lembrou que a diferença de R$ 34,6 bilhões no resultado primário é decorrente do desvio para cima de R$ 15,8 bilhões em receitas, da redução de R$ 14,2 bilhões de despesas acima do esperado, pois a previsão do decreto para subsídios, por exemplo, ficou 20% menor do que o realizado entre janeiro e novembro, atrapalhando as previsões dos analistas. Outro dado que contribuiu para a melhora do resultado primário, segundo os dados da IFI, foi o aumento estoque de restos a pagar, que passou de R$ 131 bilhões em 2017 para R$ 143 bilhões, em 2018.
[SAIBAMAIS]De acordo com Salto, essas diferenças não previstas fizeram, por exemplo, com que a projeção para a dívida pública bruta do governo federal da IFI, de 76,2% do Produto interno Bruto (PIB) ficasse 1,7 ponto percentual acima do registrado pelo Banco Central em 2017, de 74,5% do PIB.
Conforme os dados do Relatório de Avaliação Fiscal (RAF) de fevereiro da IFI, as receitas extraordinárias atingiram R$ 90,5 bilhões, em 2017, e, se não fossem essa arrecadação atípica, como concessões, Refis e aumento de PIS-Cofins sobre combustíveis, o deficit primário teria ficado perto de R$ 215 bilhões. De acordo com o diretor-adjunto da IFI, Gabriel Leal de Barros, para este ano, esse montante considera, por exemplo, R$ 31,2 bilhões de receitas com concessões e outorgas, R$ 28,5 bilhões com os vários Refis e parcelamentos de dívida com a União e R$ 6,2 bilhões com o aumento de PIS-Cofins sobre os combustíveis e R$ 10,2 bilhões de resgate de precatórios não pagos.
Para este ano, a IFI contabiliza, no seu cenário base e pessimista, R$ 72,7 bilhões de receitas extraordinárias, sendo R$ 24 bilhões para um novo Refis, R$ 28,7 bilhões com PIS-Cofins sobre combustíveis e R$ 20 bilhões com concessões. Não foi contabilizada a possível privatização da Eletrobras e muito menos a receita sobre o pagamento da Petrobras para União pelos barris adicionais da cessão onerosa, cuja negociação tem sido bastante extensa, que somariam algo em torno de R$ 40 bilhões pelas estimativas da IFI, levando essa soma para R$ 112,7 bilhões.
Teto frágil
Os riscos de descumprimento do teto dos gastos em 2019 são crescentes e inevitáveis, alertou Salto. As consequências disso serão nas despesas gerais, desde salários e até no mínimo em 2020, quando serão necessários os gatilhos para conter os gastos previstos na Emenda Constitucional 95. O especialista em contas públicas foi categórico ao afirmar que, em 2019, a emenda constitucional do teto dos gastos, a EC 95/2016, será descumprida. ;A margem para o cumprimento do teto está encolhendo e a dinâmica dessa margem devido às despesas obrigatórias crescentes mostra que há pouco tempo para o descumprimento do teto. O risco de descumprimento a partir de 2019 é muito elevado;, disse Salto, durante a apresentação dos dados do RAF de fevereiro.
Regra de ouro
Salto também adiantou alguns dados de um estudo que está sendo feito pela IFI sobre a regra de ouro, que é prevista na Constituição e é fundamental para manter certa qualidade no gasto público, pois evita que o governo se endivide muito para cobrir despesas correntes, como salários e benefícios previdenciários. Ele reconhece que existem alguns mecanismos que poderiam ser revistos, mas se alguns componentes usados em outros países, que não permitem incluir despesas com juros nessa conta, o descumprimento da regra já teria ocorrido em 2017. Pelas contas feitas pelo economista Daniel Couri, analista da IFI, o estouro em 2017 teria sido de R$ 74 bilhões em não uma margem de R$ 29 bilhões. Neste ano, o Tesouro Nacional prevê um rombo de R$ 208 bilhões para cumprir essa norma.
Na avaliação do economista Leonardo Ribeiro, consultor do Senado Federal, a regra de ouro precisa ser mantida, mas alguns mecanismos dela precisam ser revisados para assegurar a qualidade do gasto público e evitar que, em pouco tempo, o governo brasileiro só arrecade para pagar salários e aposentadorias. Ribeiro adiantou que está elaborando uma proposta de regulamentação da regra de ouro que, em breve, será apresentada pelo senador José Serra (PSDB-SP).
Novas previsões
As novas estimativas da IFI elevou de 0,7% para 1,1% a previsão de crescimento do PIB deste ano e de 2,3% para 2,7%, a de 2018. A entidade ainda reduziu o ritmo de crescimento da dívida pública bruta, que chegará em 100% do PIB em 2024, e não mais em 2021, no cenário mais pessimista, ou seja, sem reforma da Previdência e outras medidas de ajuste fiscal. ;Esse cenário é um pouco melhor do que o anterior, mas ainda assim é um quadro muito negativo e classificado de quase insolvência, mostrando qual será o risco de o governo se desviar da agenda de reformas;, alertou Salto.