Vicente Nunes, Rosana Hessel, Paulo Silva Pinto
postado em 21/02/2018 06:00
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, pretende manter a previsão de crescimento de 2,8% para 2018, mesmo com o novo adiamento da reforma da Previdência. Ela lembrou que o mercado já não contava com a aprovação da proposta neste ano, mas destacou que, se as mudanças no sistema de aposentadorias não forem feitas em 2019 pelo novo presidente eleito, o quadro fiscal pode se agravar e comprometer a recuperação da economia. ;A reforma da Previdência é necessária, mas não é suficiente;, disse.
[SAIBAMAIS]Pelas estimativas de Alessandra, se o ritmo atual de retomada for mantido, apenas em 2022 o Brasil retornará aos níveis de 2014 e nem daqui a 10 anos será um país desenvolvido. ;O tombo foi grande;,disse, referindo-se à recessão que fez o país encolher 7% entre 2015 e 2016. ;No fundo, essa recessão fez a gente perder boa parte de todas aquelas conquistas de 2005 a 2010;, emendou. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pela economista ao programa CB.Poder, parceria do Correio Braziliense e da TV Brasília.
O governo pintou um cenário catastrófico caso a reforma não fosse votada, dizendo, inclusive, que as próximas gerações poderiam ficar sem aposentadoria. Isso pode ocorrer?
De fato, essa é a realidade. A situação é bem complicada sem a reforma da Previdência. Mesmo essa reforma mais desidratada que eles estavam discutindo já seria positiva. Seria o primeiro passo, mesmo cheio de remendos, com necessidades de reformas adicionais. Agora, fica tudo para 2019. A situação fica muito complicada. Não só para a Previdência, mas do ponto de vista fiscal.
O próximo presidente eleito vai ter condições políticas de aprovar a reforma da Previdência? Ele conseguiria construir uma base de apoio para isso?
Depende muito do governo que vai ser eleito. Se vai ser um governo com apoio para realmente encaminhar a reforma e outras coisas. A reforma da Previdência é necessária, mas não é suficiente. Agora, com um governo sem base, com uma eleição apertada e um Congresso polarizado, seria bem difícil encaminhar a reforma.
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Se a reforma é tão importante, por que há tanta resistência na sociedade brasileira?
Acho que o governo não soube comunicar o que, de fato, estava por trás da reforma. Tinha uma primeira abordagem muito relacionada ao ajuste das contas públicas, e a população não conseguia entender aquilo direito. A partir do momento em que ele mudou o enfoque, que era para combater privilégios, a diferença de aposentadoria entre o funcionalismo público e o setor privado, começamos a perceber uma mudança na opinião da população, em geral. O governo perdeu muito tempo com esse enfoque inicial errado. E também teve todo o problema da própria sobrevivência do governo Temer.
A média de aposentadoria do INSS é em torno de R$ 1,5 mil, enquanto, no setor público, passa de R$ 20 mil. Há uma transferência de renda?
Esse é o problema. Não faz sentido nenhum o setor privado ter 70% dos aposentados com salário mínimo enquanto o setor público tem uma média de aposentadoria muito mais elevada e com todos os privilégios. É transferência de renda pura. É isso que tem que ser explicitado, porque o custo será alto sem a reforma. E, se o governo não conseguir encaminhar a agenda em 2019, a economia volta a poder descarrilar novamente.
Esse é um tema que vai ser bem debatido na campanha eleitoral?
Não vai ter muito como escapar. Os mais populistas vão dizer que não vão votá-la, alegando que haverá perda de direitos. Caberá aos candidatos, principalmente da centro-direita ; que tendem a apanhar um pouco mais nessa campanha ;, colocar o problema, explicar a situação, apresentar números e mostrar transparência.
Para o mercado financeiro, qual é o candidato ideal para as eleições?
O mercado quer um candidato que defenda uma política econômica responsável, a manutenção do que foi implementado nos últimos tempos, com uma equipe de credibilidade. E um governo que tenha uma agenda de reformas, mas não é só a da Previdência. O mercado espera isso, porque, de fato, seria positivo para a economia brasileira.
Há uma crítica de economistas de que as 15 medidas que o governo anunciou como plano são requentadas, um pacote de factóides. É isso mesmo?
No grosso, não tem nada muito novo lá. São medidas boas, mas não vão ter um grande efeito para a atividade econômica neste ano, por exemplo. Não muda o nosso cenário. Para 2018, projetamos um crescimento de 2,8%. Mas, se não fossem essas incertezas todas, certamente haveria um crescimento ainda melhor, em torno de 3%.
E a recuperação do tombo que a gente levou na recessão? Quando é que o Brasil vai crescer de fato e virar um país mais desenvolvido?
A economia só vai retornar em 2022 ao patamar em que estava em 2014, mesmo com essa recuperação. O tombo foi grande. Agora, economia desenvolvida, como a gente gostaria de ter, isso não aparece no nosso cenário de 10 anos. No fundo, a recessão fez a gente perder boa parte de todas aquelas conquistas do começo de 2005 a 2010.
Sem a reforma da Previdência, como ficam o teto dos gastos e a meta fiscal?
O teto é difícil de cumprir, mas é factível. Estamos fechando nossos números prevendo um deficit de R$ 135 bilhões para o governo central. Ou seja, o governo vai cumprir a meta fiscal, que estipula deficit de até R$ 159 bilhões, mas o quadro tende a piorar em relação ao saldo negativo de R$ 124,4 bilhões de 2017. Só que o governo não tem muito o que fazer, e o problema maior das contas públicas precisará ser resolvido em 2019, sem falta.