Economia

Ex-ministro: "A crise causada pelo estouro da bolha de consumo já terminou"

Correio entrevista Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e doutor em economia que comandou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 1995 e 1998, e foi ministro das Comunicações no governo FHC

Jaqueline Mendes
postado em 27/02/2018 06:00
<b> Correio </b> entrevista Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e doutor em economia que comandou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 1995 e 1998, e foi ministro das Comunicações no governo FHC

São Paulo ;
Luiz Carlos Mendonça de Barros é voz influente no mundo político e econômico brasileiro há mais de 30 anos. Engenheiro graduado pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), comandou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 1995 e 1998, e foi ministro das Comunicações (1998) no governo Fernando Henrique Cardoso. Fora da política, tem uma trajetória empresarial bem-sucedida, tendo fundado e dirigido diversas empresas do setor financeiro. Atualmente, Mendonção, como é conhecido no meio empresarial, dá expediente em seu escritório em São Paulo e se dedica a prestar consultorias a empresas, a dar palestras e realizar análises econômicas.

Aos 75 anos, continua tucano de carteirinha e bastante afiado nos vaticínios políticos e econômicos. Ele foi um dos primeiros analistas a cravar que o Brasil entraria em um novo ciclo de crescimento e que a crise desencadeada pelo governo Dilma Rousseff estava definitivamente ficando para trás. Na entrevista concedida com exclusividade aos Diários Associados, Mendonção fala das perspectivas econômicas para o Brasil e afirma que o adiamento da reforma da Previdência não provocará grandes estragos ao país.

;A recuperação cíclica que estamos vivendo tem uma dinâmica própria já contratada;, diz ele. Atento às eleições de outubro, faz uma leitura aguçada do quadro eleitoral. Segundo ele, o deputado Jair Bolsonaro é carta fora do baralho e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, será o nome que vai unir as candidaturas do centro.


A constatação de que a reforma da Previdência ficará para o próximo governo terá qual impacto na economia brasileira neste ano? O adiamento da votação poderá frear a retomada?
O impacto na economia brasileira será praticamente nenhum, pois a recuperação cíclica que estamos vivendo tem uma dinâmica própria já contratada. A aprovação da reforma da Previdência certamente teria um efeito forte sobre as expectativas para 2019 e sobre alguns mercados como a Bovespa, o mercado de juros e câmbio.

Mas o adiamento não pode desestimular os investimentos privados, que dependem da confiança nos fundamentos econômicos do país?
Mesmo sobre os investimentos privados seus efeitos seriam pequenos, pois o risco político mais importante no Brasil hoje está associado às eleições presidenciais.

O presidente Temer dedicou boa parte de seu tempo para realizar a reforma da Previdência. A não aprovação significa uma derrota do governo?
Certamente que sim, mas a recuperação da economia nos próximos meses e uma nova agenda mais diretamente voltada para a população, como as ações para a melhoria da segurança pública, devem afetar positivamente a avaliação do governo. Creio que à época das eleições esta derrota já deve ter sido esquecida e o presidente Temer terá uma avaliação positiva bem acima da atual.

Que avaliação o senhor faz do governo Temer?
Precisamos reconhecer que o governo Temer tem surpreendido pela quantidade de matérias aprovadas no Congresso. Se não tivessem ocorrido as denúncias, a reforma da Previdência teria sido aprovada.

A equipe econômica terá dificuldades em seguir com sua política de arrumação da casa?
Não, pois os efeitos da reforma da Previdência só seriam sentidos no Orçamento depois de dois ou três anos, senão mais, após a sua aprovação. A recuperação da arrecadação, que já está contratada para este ano, vai melhorar de forma importante as contas do governo no fim de seu mandato.

O Brasil tem sido beneficiado também pelo bom ambiente econômico global. Até quando os ventos da tranquilidade vão continuar soprando?
A economia global vive um ciclo de crescimento sincronizado e, com exceção dos Estados Unidos, com inflação ainda sob controle, apesar dos juros muito baixos. Tenho medo apenas da economia americana.

Por quê? Que críticas o senhor faz ao governo do presidente Donald Trump?
O presidente Donald Trump está criando um risco de estagflação à frente, com a explosão do déficit fiscal provocada pela sua reforma tributária populista em um ambiente de pleno emprego. A combinação de um deficit fiscal de mais de 1,4 trilhão de dólares com um desemprego de 4% é uma combinação explosiva. Nada para 2018, mas o mercado costuma antecipar mudanças como essa.

Voltando a falar do Brasil. Qual é a sua aposta para o PIB, dólar e Selic neste ano?
Acredito que teremos um PIB com crescimento de 3,5% no ano, dólar entre R$ 3,20 e R$ 3,30 e Selic de 6,5% no fim do primeiro semestre.

Com números como esses, é de se imaginar, portanto, que a crise está completamente superada. Ou o senhor acha que existe a possibilidade de uma recaída econômica?
A crise provocada pelo estouro da bolha de consumo, gerada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, já terminou e vivemos atualmente a recuperação cíclica que normalmente se segue a ela. Temos agora que tratar de construir um período de crescimento sustentado, sem a utilização de mágicas, como fez o governo do PT nos últimos anos. Mas essa será uma tarefa para o próximo presidente da República a ser eleito este ano.

O senhor disse que o risco mais importante do Brasil está associado às eleições presidenciais? Que diagnóstico é possível fazer do cenário eleitoral?
Ainda é muito cedo para uma avaliação mais concreta, mas acredito que a disputa eleitoral vai decepcionar os que esperam grandes mudanças no cenário político e eleitoral, com o aparecimento de novos líderes.

Há riscos reais de vitória de um candidato anti-mercado?
Certamente que sim, embora, como disse anteriormente, ainda é muito cedo para uma avaliação mais assertiva.

Os chamamos ;outsiders;, candidatos fora do ambiente político tradicional, seriam bons nomes para conduzir a economia com equilíbrio a partir de 2019 ou é melhor ter no governo alguma figura já conhecida?
Esta será uma escolha do eleitor e hoje é impossível fazer uma avaliação mais correta do que vai acontecer. Exageraram nessa história do novo na política. Os partidos tradicionais vão prevalecer numa eleição curta e sem dinheiro.

O senhor acha que os partidos de centro vão se unir em torno de uma candidatura?
Creio que sim, pois a pressão dos brasileiros que querem evitar uma nova fase de populismo, de esquerda ou de direita, vai ser muito forte.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é o nome que unirá as candidaturas do centro?
Ele está surpreendendo positivamente. Conseguiu rapidamente unificar o partido e mostrou força ao conseguir fechar questão a favor da reforma da Previdência. No PSDB, o apito do comandante está com ele.

A recente recuperação econômica não pode favorecer a candidatura do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles?
Não. O Fernando Henrique Cardoso colheu esse fruto no governo Itamar Franco porque a hiperinflação era a prioridade dos brasileiros. A criação do real derrubou a inflação e gerou sensação de bem-estar nas pessoas. Agora, embora a inflação esteja mais baixa do que a do início do real, não está gerando o mesmo efeito. O crescimento está melhorando, mas não será suficiente para eleger o Meirelles. Fora o Alckmin, quem mais pode ser? Ninguém.

As pesquisas mostram que o deputado Jair Bolsonaro continua seduzindo uma parcela importante do eleitorado. Até onde ele pode chegar?
Ninguém leva muito a sério o Bolsonaro. Ele elogiou até o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Será fácil desconstruir a sua imagem.

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