Economia

Burocracia atrapalha avanços tecnológicos no setor bancário brasileiro

Caixas eletrônicos, compartilhados pelas instituições financeiras em outros países, se limitam a cada marca no Brasil, ou a pequenos grupos. Mudança, que já foi defendida pelo BC, esbarra na falta de competição, dizem especialistas

Antonio Temóteo
postado em 05/03/2018 06:00

Ir a um caixa eletrônico para sacar dinheiro, fazer um depósito com envelope ou consultar o saldo disponível se tornaram as mais simples possibilidades oferecidas pelas empresas do setor. A tecnologia disponível no mercado brasileiro já possibilita a abertura de contas em terminais de autoatendimento, depósitos sem envelope, solicitação de cartões e pagamento de contas, mesmo sem ser cliente de um banco. Acessar contas de diferentes instituições financeiras em qualquer equipamento, porém, segue sendo um sonho, embora comum em outros países. Isso seria uma realidade no Brasil caso a burocracia e a falta de competição no setor bancário e de tecnologia financeira pudessem ser superadas.


A experiência oferecida pelos bancos brasileiros aos clientes nos terminais de autoatendimento tem deixado a desejar, opina Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação. ;O Brasil ficou para trás e penaliza os clientes com o serviço prestado atualmente;, diz.

O compartilhamento das infraestruturas para que o cliente não fosse obrigado a acessar mais de um caixa eletrônico (Automatic Teller Machine, ATM na sigla em inglês) para movimentar contas de diferentes instituições era uma das medidas da primeira versão da Agenda BC%2b, apresentada pelo presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, em dezembro de 2016. O item fazia parte do pilar Sistema Financeiro Nacional Mais Eficiente e, segundo a autoridade monetária, era uma das ações ;para aumentar a racionalidade e a eficiência na compensação e na liquidação das transações de pagamentos;.

Entretanto, essa medida, conhecida tecnicamente como interoperabilidade de caixas eletrônicos, foi excluída da Agenda BC e deixou de ser uma prioridade para o BC. Procurada, a autoridade monetária não se manifestou. Caberia à equipe de Ilan Goldfajn regulamentar essa possibilidade, assim como fez no caso das máquinas de cartão de crédito, obrigadas a aceitar todas as bandeiras existentes.

Relatório

Dados do Relatório de Inclusão Financeira (RIF), publicado pelo próprio regulador do sistema financeiro, apontam que a rede de ATM no Brasil se caracteriza pela baixa interoperabilidade, à exceção da rede Banco24Horas, que presta serviço a diversas instituições financeiras. A autarquia destaca ainda que, sem o compartilhamento de infraestrutura, as redes acabam por ser superdimensionadas, com pontos de atendimento sobrepostos.

O documento ainda aponta que essa realidade levou o país a ostentar um número de terminais em relação à população acima da média mundial. Mas a média de transações por ATM é inferior ao padrão internacional. Essa realidade fica clara quando são analisados os números de terminais e operações. Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostram que, entre 2011 e 2016, o número de caixas eletrônicos passou de 174 mil para 185 mil. No mesmo período, o total de transações cresceu de 8,3 bilhões para 10 bilhões. O pico de uso dos caixas, porém, se deu em 2014, com 10,2 bilhões.

No meio do caminho, milhões de brasileiros perderam o emprego e milhares de empresas fecharam as portas diante de uma das maiores recessões que o país já atravessou. Além disso, a participação dos caixas eletrônicos entre todos os canais de atendimento caiu significativamente. Em 2011 representava 26% e em 2016 despencou para 15%. Especialistas detalham que, sem interoperabilidade e com uma gama de serviços limitados, os clientes deixaram de lado os caixas eletrônicos e migraram para os demais canais de atendimento.

Principal empresa do mercado de autoatendimento externo do Brasil, a TecBan, dona do Banco24Horas, possui atualmente 21,1 mil caixas eletrônicos em mais de 600 municípios. A empresa espera terminar o ano com 22 mil terminais de autoatendimento, além de expandir o número de transações de 1,9 bilhão para 2,1 bilhões. A companhia tem como acionistas o Banco do Brasil, o Itaú Unibanco, o Santander, a Caixa Econômica Federal e o Bradesco.

Grupo fechado

O acordo de acionistas da TecBan impede a contratação de outras empresas para a rede externa de atendimento, os equipamentos fora das agências. Com isso, os cinco bancos que possuem mais de 75% dos ativos do sistema financeiro e a esmagadora maioria dos clientes impedem que outras empresas entrem no mercado. Além dominar a rede de terminais nas ruas, a TecBan tem quase metade de todo parque de ATM do país ; 44% são da empresa.

Na avaliação do consultor José Luiz Rodrigues, sócio da JL Rodrigues, Carlos Atila & Consultores Associados, diante da tecnologia disponível, que possibilitaria acesso ao sistema e a cidadania financeira para milhões de brasileiros desbancarizados, não faz sentido manter as redes de autoatendimento fechadas. ;A interoperabilidade vai ao encontro da política do governo e do próprio BC. Tem um mote social. Em um país com 30% da população sem acesso à internet, a rede ATM tem papel importante;, comenta.

Em nota, a TecBan informou que a rede de caixas compartilhados proporciona mais eficiência e aumento de capilaridade, além de maior comodidade aos consumidores. Além disso, a empresa detalhou que acredita na livre concorrência de mercado. ;Tanto que existem outras redes compartilhadas no Brasil, como a Saque e Pague, a Rede Verde e Amarela, Dai Brasil e o compartilhamento de caixas entre Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, por exemplo. Além disso, no sistema financeiro,os bancos têm liberdade para escolherem suas redes e os modelos de atendimento ao cliente;, detalha a empresa.

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