São Paulo ; As montadoras de caminhões trouxeram para 2018 um otimismo que havia tempos não sentiam. Neste ano, as empresas esperam que as vendas cresçam entre 25% e 30%. Apesar de ser uma previsão de alta muito acima do que se espera para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2018 ; 2,87%, segundo o relatório Focus, do Banco Central, publicado mais recentemente, se essa projeção for alcançada, ainda assim a indústria estará em um patamar muito abaixo do que o registrado no seu auge, mas será um volume maior que o de 2015 e 2016, quando as vendas chegaram ao fundo do poço.
Em 2017, as vendas chegaram a 51,9 mil unidades ; aumento de 2,7% em relação a 2016. Mas os dois últimos meses do ano foram os que confirmaram a tendência de recuperação para 2018. Em dezembro, foram comercializadas 6,1 mil unidades (crescimento de 11% sobre novembro e 36,5% a mais do que o registrado no mesmo período de 2016). Já a produção aumentou 37% no ano passado, com 82,9 mil unidades (7,4 mil só em dezembro, o que apontou para uma alta de 81,3% se comparado ao mesmo mês de 2016). As exportações também avançaram. Foram 28,3 mil unidades embarcadas, equivalente a uma expansão de 31,3%.
O agronegócio, apesar de ter uma previsão de crescimento menor em 2018, deve ser o responsável pelo principal empurrão nas vendas de caminhões. Já o setor de construção civil (incluindo construção pesada) é o que está demorando mais a reagir, segundo os executivos ouvidos pela reportagem.
Para o diretor comercial da Volvo, Bernardo Fedalto, se a expansão do mercado de fato se confirmar dentro do patamar estimado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Motores (Anfavea), o setor ainda estará a apenas 60%, no máximo 70% do seu potencial de mercado. Fala-se que, no auge da crise, a capacidade ociosa chegou a cerca de 70% e hoje seria de 45%. ;Já percebemos a inversão, mas nossa base é muito ruim. Fomos bem até 2014, com 2011 e 2013 batendo recordes, até acima do que se esperava. Houve uma bolha naquele momento, depois vimos uma queda de 70% em dois anos. Mas agora vemos a economia retomando, e o mercado de caminhões está diretamente ligado à economia;, afirma.
Para Fedalto, um ponto de atenção nessa expectativa de recuperação é a eleição presidencial. ;Estamos otimistas para 2018, com previsão de mais de 30% de crescimento, mas a base é muito baixa. A expectativa para o Brasil nos próximos anos é positiva, desde que a economia continue em uma polÍtica mais liberal, como está sendo visto hoje, com menos despesas e mais controle, sem gastos acima da arrecadação. Mas há desafios, como o deficit fiscal, que tem de ser resolvido pelo governo e parar de gastar mais do que arrecada. Talvez esse governo não consiga fazer as reformas que deveria por conta das questões políticas, mas o próximo governo não escapa de fazê-las, baixando o custo do Estado perante a arrecadação;, analisa.
Infraestrutura
O executivo da Volvo argumenta que as necessidades do país, por exemplo, com infraestrutura, são enormes, e esse é um ;grande gerador de oportunidades; para o setor de caminhões. Mesmo que o setor demore a decolar, a expectativa é de que haja demanda em outras frentes, como a que vem do campo. Apesar de alguma incerteza, a montadora anunciou no início de 2017 um investimento de R$ 1 bilhão até 2019. Além disso, no fim do ano começou a contratar 250 funcionários para iniciar o segundo turno a partir da segunda semana de fevereiro.
A retomada das vendas leva o executivo da Volvo a acreditar que será possível reajustar alguns preços, deprimidos nos últimos anos, segundo ele, por conta da concorrência. ;Foram três anos de acirramento total entre os competidores, porque todo mundo estava desesperado para vender o pouco que tinha. Mas, nos últimos anos, tivemos os custos aumentados em toda a cadeia, sem reposicionarmos os preços. Apesar de a briga estar feia, esse reposicionamento será necessário;, avisa Fedalto.
Queda
Roberto Barral, vice-presidente de Operações Comerciais da Scania no Brasil, lembra que o setor passou por seu momento mais delicado a partir de 2014. ;As vendas caíram junto com a economia. O volume de vendas chegou a cair entre 70% e 75%. Agora, apesar da projeção de crescimento, estamos vindo de um patamar de vendas muito deprimido;, avalia.
Barral lembra que os níveis de venda registrados em 2013, quando foram produzidos 187.002 caminhões, estavam em um patamar insustentável, estimulado artificialmente graças a financiamentos ;com juros muito subsidiados, o que inflou o mercado de forma artificial;. Apesar de a retomada não estar nem perto do auge do setor, as montadoras sabem que não podem ficar paradas. No caso da Scania, foram anunciados no ano passado investimentos de R$ 2,6 bilhões. O valor será destinado a desenvolvimento e lançamento de produtos, na unidade de produção e nas redes de distribuição. ;A matriz já está acostumada com as turbulências no Brasil e sabe que precisamos continuar nos atualizando;, afirma o executivo.
Para Roberto Cortes, presidente da MAN, apesar de o crescimento em 2017 ter sido ;modesto;, já confirmou a inversão da curva de queda nas vendas de caminhões. ;Nós esperamos para 2018 um aumento de 10% nas vendas, entre 10% e 20% em 2019, se contarmos com um cenário político e econômico estáveis, até chegar em 2020/2021 ao mesmo patamar de 2013;, avalia.
O executivo explica que a volta das vendas que se vê agora é resultado de anos sem a renovação de muitas frotas. Entre os setores que já começam a aquecer a demanda na MAN está o de distribuição de mercadorias, que utiliza caminhões leves, que percorrem médias distâncias ou são usados em centros urbanos.
;Nossos principais clientes, aqueles que compram em volume maior, estão há quatro, cinco anos sem trocar de caminhão. Esse uso começa a pesar na manutenção dos veículos com o passar do tempo. Uma coisa é uma transportadora ter uma frota de seminovos (três a quatro anos de uso), outra é ter apenas modelos velhos (acima de quatro anos), que não são tão econômicos e perdem eficiência. A conta começa a pesar, e esse é o principal estímulo hoje para a volta das vendas;, avalia Cortes. O executivo lembra que enquanto a idade média da frota nos Estados Unidos e na Alemanha varia entre sete e oito anos, no Brasil ela é de 17 anos.
Apesar dos sinais de recuperação, Cortes admite que o tamanho do setor hoje é, segundo ele, ;infinitamente menor; daquele visto antes da crise. ;A capacidade ociosa atualmente está em torno de 60%;, lembra. A unidade de Resende (RJ) trabalhava no período mais aquecido das vendas com três turnos, rodando 24 horas por dia. No momento, os executivos estudam a viabilidade de ativar o segundo turno. Atualmente conta com apenas um turno. Ainda assim, a companhia anunciou um pacote de R$ 1,5 bilhão de investimentos entre 2017 e 2021. ;Estou há 40 anos no setor e já passei por 18 crises. Sabemos que são ciclos;, diz o presidente da MAN.
Ari de Carvalho, diretor de Vendas e Marketing da área de caminhões da Mercedes-Benz, também acredita na demanda reprimida pelos veículos e que isso fará com que as vendas cresçam 30% em 2018. Para o executivo, alguns setores estão descolados das incertezas ligadas à política, por isso a recuperação é certa. ;No agronegócio, por exemplo, estamos vindo de um ano de recorde de produção. Mesmo com um 2018 menor, ainda assim são valores astronômicos. Até porque, o agronegócio está capitalizado e conta com contratos futuros;, salienta.
Para se ter uma ideia do peso do agronegócio, no fim do ano, a Mercedes fechou um contrato com a Raízen para a venda de 530 caminhões, que serão usados no transporte de cana-de-açúcar e de etanol. A encomenda será entregue até o fim do primeiro semestre. O último grande contrato desse tipo havia sido assinado em 2014. Depois, o volume máximo ficou na casa das 200 unidades. Carvalho diz que a ;confiança voltou, mas ainda não totalmente;. Por isso, a montadora não pretende descuidar das exportações. ;A Argentina vai continuar bombando;, garante o executivo.
Exportação
A Mercedes não está sozinha na estratégia de pulverizar o risco contido no mercado nacional e buscar abrir mais espaço com as exportações. Sem isso, dizem os executivos, a situação das montadoras instaladas no Brasil estaria ainda mais delicada. A Ford, por exemplo, apesar de trabalhar com a expectativa de aumento de 20% a 25% nas vendas no mercado interno, continua em busca de um incremento nos contratos internacionais, que hoje representam 30% da produção. ;Até o fim do ano, pretendemos começar a vender para o Peru;, conta João Pimentel, diretor de Operações da Ford Caminhões para a América do SulPimentel admite que 2018 será um ano de muita competição não só na América do Sul, mas principalmente no mercado interno, ;já que todo mundo está querendo espaço;. Para o executivo, a principal disputa será pelo mercado de grandes contratos ; que variam de 10 a 500 unidades e responde por 40% das vendas da Ford. ;Nesse segmento, além dos contratos serem maiores, há construção de um relacionamento de longo prazo, por isso é onde as montadoras mais brigam por um espaço;, diz.