Economia

Wilson Ferreira Júnior: "Não resta alternativa a não ser privatizar"

Para dirigente, só com a privatização a Eletrobras garantirá sustentabilidade no futuro

Amauri Segalla
postado em 27/03/2018 06:00


São Paulo ;
O engenheiro paulistano Wilson Ferreira Júnior assumiu em julho de 2016 uma tarefa inglória: presidir a Eletrobras, a estatal à beira de um colapso econômico, com dívidas de R$ 50 bilhões e quatro anos seguidos de prejuízos no balanço financeiro. Para garantir alguma sobrevida à maior companhia de energia elétrica da América Latina, Ferreira cortou metade dos funcionários e instituiu um controle severo de gastos. O resultado foi um breve alívio nas contas da empresa, mas insuficiente diante da gravidade do problema. Por conhecer como ninguém a realidade da Eletrobras, Ferreira diz que só há uma saída para salvar a companhia: a privatização. Na entrevista a seguir, o executivo explica por que considera esse o único caminho possível.

O senhor defende a privatização da Eletrobras como o único caminho para a empresa. Por quê?
A Eletrobras precisa ampliar sua capacidade de investimento e garantir sua sustentabilidade no futuro. Isso só será possível por meio da desestatização, que permitirá à empresa atrair novos acionistas, com mais recursos. Hoje, a capacidade de investimento da companhia encontra-se bastante limitada.

Quanto a empresa precisa investir nos próximos anos para garantir algum nível de competitividade?
A Eletrobras detém hoje 31% da geração e 47% da transmissão de energia elétrica no país. Apenas para manter essa participação, a empresa precisaria investir R$ 14 bilhões por ano, nos próximos 10 anos, considerando o crescimento da demanda. A Eletrobras, no entanto, não dispõe desses recursos. A média de investimentos prevista para o período até 2022 está em torno de R$ 4 bilhões por ano. A União, que tem 60% do capital da companhia, não tem recursos para fazer esses investimentos. Logo, não resta alternativa a não ser desestatizar, diluindo a participação da União com a emissão de novas ações e atraindo outros investidores.

Se a Eletrobras for privatizada, como ficam as usinas hidrelétricas que funcionam no regime de cotas?
Esse é outro ponto importante. A companhia precisará de recursos para ter de volta 14 de suas usinas hidrelétricas que hoje operam no regime de cotas, desde a MP 579, de 2012. Essas usinas hoje vendem energia a um valor muito abaixo do mercado e o consumidor fica com o ônus do chamado risco hidrológico. Ou seja, se for necessário acionar as usinas térmicas por causa da estiagem prolongada, o consumidor, imediatamente, começa a pagar mais caro por meio das bandeiras tarifárias. O projeto de lei da desestatização devolve esse risco ao gerador, que tem mais condições de gerenciá-lo.

O que vai mudar na Eletrobras depois de uma eventual privatização?
O objetivo é transformar a Eletrobras numa grande corporação do setor elétrico, mantendo a União com menos de 50% do capital. Hoje, no mundo, quase todas as grandes empresas do setor são corporações. Dessa forma, a Eletrobras fica livre das amarras burocráticas de uma estatal, ganha agilidade e competitividade. Com capital privado e já beneficiada pelo processo de reestruturação em curso, a Eletrobras pode investir em novas tecnologias, sobretudo eólica e solar, que são o futuro da matriz energética brasileira. Uma gestão mais eficiente dos ativos da Eletrobras contribuirá para aumentar a segurança energética em todo o sistema elétrico nacional e expandir a oferta de energia a partir de uma empresa com capacidade financeira e boa governança. A Eletrobras será uma empresa mais ágil, eficiente e lucrativa.

Não há o risco de, após a privatização, as tarifas ficarem mais caras?
De modo algum. O projeto de lei estabelece que um terço dos recursos da desestatização será para abater a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo importante que incide na conta de luz. Além disso, o consumidor ficará livre do risco hidrológico.

Os críticos da privatização afirmam que ela traz poucos benefícios para a sociedade.
O projeto de lei que está tramitando na Câmara dos Deputados deixa muito claros os benefícios da desestatização. A nova Eletrobras proporcionará ganhos inequívocos: contribuirá para reduzir encargos sobre a conta de luz, vai tirar do consumidor o risco hidrológico, assumirá a responsabilidade de investir R$ 350 milhões por ano para recuperar o Rio São Francisco, aumentará investimentos, eliminará a necessidade de aportes do Tesouro na companhia e permitirá à União concentrar-se em suas verdadeiras vocações de provedor de saúde, educação e segurança. A União também poderá arrecadar mais dividendos e impostos, sendo que estes também serão partilhados com estados e municípios.

O senhor citou o Rio São Francisco. Poderia detalhar melhor como a privatização ajudaria na sua revitalização?
Um ponto extremamente importante é que o projeto de lei garante ainda recursos para a revitalização do Rio São Francisco, que atravessa sua maior crise hídrica. Pelo projeto, está previsto investimento de R$ 350 milhões por ano no rio, nos primeiros 15 anos, e mais R$ 250 milhões por ano nos 15 anos seguintes. Esses valores são até 17 vezes maiores do que se investe hoje na recuperação do São Francisco.

O senhor considera o modelo de privatização definido para a Eletrobras como o ideal?
A desestatização se dará por meio de um processo de emissão de ações nas bolsas de valores que hoje negociam os papéis da Eletrobras: São Paulo, Nova York e Madri. A União, hoje majoritária, não venderá nem uma ação, mas sua participação será diluída. Por exemplo, se a empresa vale R$ 30 bilhões e a União, BNDES, BNDESPar e fundos setoriais têm juntos 60%, pode-se dizer que eles possuem R$ 18 bilhões. Se a emissão for de R$ 12 bilhões em ações, a Eletrobras vai se transformar numa empresa de R$ 42 bilhões. O governo manterá os mesmos R$ 18 bilhões e R$ 24 bilhões virão de novos investidores. Dessa forma, a empresa passa a ter capital privado. Para isso, além da aprovação do projeto de lei que está tramitando na Câmara, é preciso aprovar novas regras no estatuto da empresa.

Que regras?

O projeto de lei prevê novas bases para a governança da companhia, como a limitação de 10% para o controle de capital (mesmo que o acionista tenha mais do que esse percentual em ações) e regras para indicação de assentos no Conselho de Administração. Determina ainda a criação de uma ação de classe especial, a golden share, para que a União tenha poder de veto em questões preestabelecidas de interesse nacional.

Se a Eletrobras não for privatizada, qual será o futuro da empresa?
Sem a desestatização, ela será incapaz de manter sua participação de mercado, visto que sua capacidade de investimento está comprometida.

O que está sendo feito para aliviar os problemas financeiros da empresa?
Várias ações vêm sendo tomadas nos últimos meses para aprimorar a gestão da companhia, como a redução do peso do seu endividamento, a eliminação de cargos gerenciais, a readaptação do quadro de pessoal, a racionalidade dos processos, o corte de custos. Além disso, estamos também privatizando seis distribuidoras de energia, para concentrar as atividades nos segmentos de geração e transmissão.

O senhor continuará na empresa após a eventual privatização?
Quando o presidente Michel Temer e o ministro Fernando Coelho Filho me convidaram para essa missão, meu mandato foi estabelecido até abril de 2019. Meu foco então é trabalhar até o último dia na recuperação da companhia e no sucesso do plano de desestatização proposto pelo governo.

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