Economia

Presidente da Latam no Brasil comemora a volta do crescimento da companhia

Jerôme Cadier reconhece que recuperação levará mais dois anos, no mínimo

Vicente Nunes
Paulo Silva Pinto
postado em 01/04/2018 08:01 / atualizado em 19/10/2020 15:01
Cadier afirma que, diferentemente da percepção do consumidor, há, sim, concorrência entre as companhias aéreas.
Jerôme Cadier completou em março um ano no cargo de presidente da Latam no Brasil. Finalmente teve o que comemorar: os resultados do quarto trimestre de 2017, que acabam de ser divulgados, vieram positivos depois de 10 períodos seguidos de perdas. Mas ele acha que teremos um ano de lenta recuperação. “Estou otimista com o Brasil? Não. Parei de ficar pessimista.” Cadier afirma que, diferentemente da percepção do consumidor, há, sim, concorrência entre as companhias aéreas. “É ferrenha”. Prova disso, argumenta, é que, com a redução de oferta de assentos das maiores empresas, a Latam e a Gol, durante a crise, a Azul e a Avianca ganharam espaço. “Em um mercado sem concorrência, haveria uma ação coordenada. Não houve. Foi uma briga de foice.” Com a cobrança pela bagagem, houve queda dos preços em um primeiro momento, afirma o executivo.

Mas ele reconhece que não se pode dizer isso do período seguinte. Afinal, com a recuperação econômica, os preços tendem a aumentar porque diminuem as promoções para atrair quem viaja a passeio. Os preços, diz, mudam a cada instante em função da demanda. “Não existe setor mais difícil para falar de preço que o da companhia aérea.” Filho de um francês e uma carioca, Cadier nasceu em São Paulo e torce para o Corinthians. Ele acha que não cabe ao governo gastar dinheiro com a criação de uma companhia que carregue a bandeira do país, o que já aconteceu no passado. Reconhece que a criação da Latam impõe uma perda à marca TAM para os brasileiros, mas ressalva que os chilenos sentiram ainda mais o fim da Lan, que sumiu do novo nome. A seguir, os principais trechos da entrevista de Cadier concedida ao Correio.

Como está a recuperação do mercado?

A gente quer tentar estimular a demanda, só que passageiro de negócio não é estimulável. Tem alguma coisa que define a viagem, e o preço dificilmente o faz mudar de ideia. O passageiro a turismo é que é estimulável. O que aconteceu, em um primeiro momento, é que as tarifas caíram para atrair o passageiro de turismo, porque não se consegue devolver imediatamente o avião que estava programado para ser usado naquela época. Houve uma derrubada de tarifas para estimular o turista. O passageiro a negócio começou a voltar no começo do ano passado. O quarto trimestre mostrou bons resultados. Pela primeira vez em 10 trimestres, houve crescimento. Subimos quase 1% a quantidade de assentos disponíveis à venda.

Qual a previsão para este ano?

Crescimento entre 2% e 4% aqui no mercado doméstico. O internacional teve um comportamento um pouco diferente, a crise foi mais violenta, mas ela também se recuperou mais rápido. Teve um ajuste de capacidade mais rápido no mercado internacional e a demanda voltou com mais rapidez. Mas, no final do ano passado, já estávamos vivendo um mercado internacional mais aquecido. A demanda no internacional é, em sua maior parte, turística. Estamos em um momento melhor. Voltando a crescer, abrindo novas portas. Lançamos novos destinos neste ano: Las Vegas e Boston. Inauguramos o voo para Roma. Estamos tendo discussões para tentar lançar, neste ano, um voo para Lisboa saindo de São Paulo.

E o mercado doméstico?

Concentramos nossos voos domésticos em Brasília e Guarulhos. A gente já tinha isso mais ou menos definido e encolheu menos nesses dois aeroportos. Depois voltou a crescer mais neles. Mudamos um pouco nosso modelo de pensar em malha. Antes, a malha era mais distribuída. Tinha uns voos chamados de “pinga-pinga”, que param em uma cidade e vão para outra. Hoje, concentramos em algumas cidades, buscando melhorar a experiência de conexão. Você tenta sair com muita frequência de poucas cidades, com mais horários, mais alternativas. Às vezes, estados do Nordeste pedem. Tentamos conectar com Brasília.

Por que a aviação regional não decola?

Ela é superimportante. Não sei se ela não decola. Se você olhar a Azul, ela é um exemplo claro de que a aviação regional é muito importante e vai bem. Das rotas que a companhia faz, 70% conectam cidades que a Gol, a Avianca e a Latam não conectam.

Mas o plano de aviação regional, que o governo lançou, não decolou. O que emperrou?

A demanda caiu violentamente. Sumiram 10 milhões de passageiros. Do ano passado para este, crescemos dois milhões e meio de passageiros.

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Quanto tempo você acha que demora para recuperar?

No mínimo, mais dois anos. Vamos ter um ano bom, como está se configurando, e talvez em 2019 cheguemos aos números que víamos em 2012 se tudo ajudar ao redor. Existem muitos motivos para o qual isso pode não acontecer. Do nosso custo, aqui no Brasil, 35% é só combustível e 60%, no total, em dólar. A pauta do ICMS, que foi derrubada no Senado, buscava botar um teto de 12%, alíquota já usada no Distrito Federal. Isso não avançou. O incrível é pensar que um avião da Latam que está em Guarulhos e vai voar para Brasília paga ICMS. Quando vai para Nova York, não paga. Vemos com bons olhos as concessões que aconteceram para aeroportos nos últimos tempos, porque ofereceram aeroportos com mais infraestrutura, com mais capacidade de investimento, com espaço mais moderno, mais bem pensado. O fato é que isso veio junto de um aumento de custo de operação. A gente paga mais de taxas aeroportuárias hoje do que antes.

Por que, dos aeroportos que foram privatizados, nunca se pensou nessa questão comercial?

Não sei se deu tempo para discutir o modelo adequadamente, por causa da Copa.

Há disposição dos investidores em encarar esses novos aeroportos? Em quais condições?

Sim. Um dos grandes fatores atrativos da aviação é que você sabe que vai crescer. A aviação pode ter alguma dificuldade aqui, como foi nos últimos anos, com um momento de recessão ou em um momento de mais dúvida. Mas é um setor que cresce continuadamente há 30, 40 anos, de forma bastante consistente.

Comparado com a média mundial, o potencial de crescimento é claro.

Este número é brutal. A média de viagem por passageiro no Brasil é menor do que 0,5. Meia viagem por habitante por ano. Na Inglaterra, é 3,5. Nos EUA, perto de 3 também. Se chegarmos a um terço disso, dobramos o tamanho em relação ao quadro atual, em que transportamos 90 milhões de passageiros. Isso vai vir com mais frequência, mas também vai vir com mais capilaridade da rede.

É necessário o Estado ter uma companhia aérea ou o setor privado está pronto, já se viu e se tem comprovação de que é o setor privado que tem que operar isso?

Não é necessária a participação do Estado. A iniciativa privada pode e sabe operar. É a concorrência que faz o serviço melhorar e que faz o setor se desenvolver.

Argumenta-se que para ter uma empresa, uma companhia aérea que represente o país, o governo teria que entrar como investidor. O Brasil não tem mais uma companhia que seja identificada como uma companhia brasileira. Como o senhor vê isso?

É preciso perguntar qual é o objetivo. Se o objetivo é oferecer transporte aéreo, fazer com que os habitantes do país possam viajar quando quiserem a tarifas adequadas, de forma confortável, acho que não dá para defender que o Estado tem que estar por trás da operação. Em alguns países, o negócio vai além da companhia aérea. Há uma promoção do turismo do Estado, do desenvolvimento do país. Gera ocupação no hotel, arrecadação de impostos.

Dentro desse raciocínio, muita gente acha que o Brasil talvez devesse ter isso porque precisa promover turismo.

Existe uma via excepcional para desenvolver o turismo com as instituições de desenvolvimento como a Embratur. Tem que ter muito da discussão de céus abertos que, por exemplo, teve no ano passado.  A gente viu que tem que abrir. Não adianta achar que colocar uma barreira protegendo o país vai desenvolver o setor aéreo.

A sanção da lei dos céus abertos pode ser protelada em função da guerra comercial. Isso é um problema?

Seria uma medida equivocada. Por dois motivos: primeiro, o Brasil não tem um histórico de retaliação nesse aspecto, mas vamos dizer que queira fazer, eu acho que, para os Estados Unidos, é pouco relevante os céus abertos versus o aço. Ele vai fazer o Trump mover-se 0,01 milímetro. No final das contas, seria perder uma oportunidade de trazer mais concorrência, mais dinamismo para o setor, em função de uma contrapartida que não vai vir. Estamos em uma batalha para isso há seis anos.

O que isso traz de benefício para o consumidor?

Facilita as companhias aéreas de ambos os lados a decidirem colocar ou retirar voo entre os dois países. Hoje é um processo bastante travado pela autorização e pela reciprocidade. Com a mudança, pode-se conectar uma cidade como Curitiba com Atlanta simplesmente por identificar a demanda. Hoje precisa passar pela aprovação de ambos os lados.

Há concorrência no Brasil? Na cabeça do consumidor, não tem.

A concorrência é ferrenha. Quando houve a queda da demanda, em 2012/2013, havia quatro empresas que tinham estratégias bastante diferentes no momento. A Azul e a Avianca em um momento de crescimento, no Brasil. A TAM e a Gol já estabelecidas e com um tamanho grande. O que aconteceu, naquele momento, foi que a demanda caiu. A Gol e a TAM retiraram capacidade, e a Azul e a Avianca aumentaram loucamente. A gente entregou uma parcela importante do mercado, buscando o equilíbrio. Em um mercado sem concorrência, haveria uma ação coordenada. Não houve. Foi uma briga de foice.

Qual a antecedência ideal para comprar a passagem barata?

Acho que o ideal é 90 dias. Como passageiro, a turismo, seis meses antes eu já tento me programar.

Seis meses antes não se paga mais caro que 90 dias antes às vezes?

Dificilmente. Às vezes tem flutuação para baixo no preço. O que acontece nas oscilações para baixo é, por exemplo, se houver cancelamento de capacidade, alguma companhia decidir parar de operar um voo.

Quando começou a cobrança da bagagem, falavam que o preço da passagem cairia. E não caiu. Por quê?

O divertido da companhia aérea é que não existe setor mais difícil para falar de preço que o da companhia aérea. Na medida em que se dissocia o preço da bagagem e da passagem, você tem uma tarifa piso mais baixa. Mas isso não quer dizer que a tarifa média é mais baixa. A gebte sempre cobrou bagagem, o problema é que a gente cobrava de quem não transportava e de quem transportava. Agora, a gente separou, está mais justo, cobrando de quem transporta mala e não cobrando de quem não transporta. A bagagem baixou o piso. Se a gente pega um dia antes do lançamento da separação e um dia depois,  você bate o olho na tarifa e vê que caiu R$ 30.

E a crise que a gente viveu? Ela foi a pior da história para vocês?

Não sei se foi a pior, mas foi horrível. Está demorando por que, no fim das contas, tem fundamento essa recuperação? Não. A gente parou de piorar, tem alguns sinais positivos, mas estamos numa avenida de crescimento porque as contas estão equilibradas, porque as reformas que precisavam ser feitas não foram feitas. Temos uma eleição, não sabemos o que vai acontecer. Parei de ficar pessimista. O primeiro semestre tá sendo bom, o segundo é uma incógnita. E, se você me perguntar como vai ser 2019, acho que vai ser conservador. A gente espera continuar crescendo, mas não é que estamos pisando no acelerador com toda força. Temos uma questão de falta de competitividade, do lado de gestão de recursos humanos.

A reforma trabalhista não ajudou?

Não. A Lei do Aeronauta, que foi aprovada ano passado, é uma lei que traz dificuldades. Temos de ter mais tripulantes do que uma companhia norte-americana, por exemplo, para um voo igual. O voo de São Paulo para Tel Aviv terá de ser com um avião e uma tripulação do Chile. Com a duração que tem, não poderia ser feito com brasileiros.

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