São Paulo — As recentes jogadas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no tabuleiro do comércio internacional continuam provocando ampla discussão. O Brasil, apesar de ter uma participação muito pequena no mercado de produtos e serviços transacionados no mundo, também foi alvo das decisões protecionistas recentes do líder republicano. As indústrias do aço e de alumínio foram as que mais sentiram o impacto da sobretaxa imposta pelo governo americano. As ações das companhias brasileiras que atuam nesses setores perderam valor diante da possibilidade de redução do volume de exportações para os EUA e do aumento da importação desses produtos a preços que dificultem a briga no mesmo nível de competitividade.
Agora, a diplomacia brasileira tenta negociar para que o país fique de fora da decisão de Trump e mantenha seus embarques nas mesmas condições anteriores ao rompante presidencial. Paralelamente, as principais vítimas das sobretaxas anunciadas pelo presidente americano, como China, União Europeia e Coreia do Sul, ameaçam levantar a voz e também partir para retaliações.
Para Roberto Jaguaribe, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex Brasil, que tem grande experiência na função de embaixador em países como China e Reino Unido, o Brasil pode encontrar oportunidades em um momento de tensão comercial, especialmente entre Estados Unidos, União Europeia, China e países do Nafta – o bloco comercial formado pelos EUA, México e Canadá.
Jaguaribe acredita que a decisão de Trump de dificultar as importações em alguns setores poderá ser o empurrão que faltava para que o Mercosul finalmente assine o acordo comercial com a União Europeia. “A Europa se voltou para nós”, afirma. Ele alerta, ainda, para o fato de que a Organização Mundial do Comércio (OMC) está enfraquecida, o que pode ser um problema diante das batalhas comerciais envolvendo protagonistas globais como Estados Unidos e China.
O Brasil está muito exposto à guerra comercial deflagrada pelos Estados Unidos?
Não vejo nenhuma razão para o Brasil se transformar em eixo central de possíveis acirramentos de conflitos comerciais. Não há a menor dúvida de que pode resvalar algum efeito negativo para nós e vamos procurar evitar que ele nos atinja de forma significativa. Neste momento, não temos nenhum indício de que um setor em particular será afetado negativamente. Sempre há outras questões que podem influenciar, mas não em função de um conflito desse tipo.
Por outro lado, o Brasil pode buscar oportunidades com essa tensão comercial pairando no ar?
Uma postura mais avessa à internacionalização de alguns países faz com que outros países busquem novas parcerias. De certa forma, esse comportamento dos Estados Unidos mais refratário ao comércio com a Europa, com a Ásia e mesmo em relação ao acordo com os países do Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte, que inclui Estados Unidos, Canadá e México), leva outros parceiros comerciais a buscar alternativas. É o caso de Canadá e México, que têm uma concentração enorme de comércio com os Estados Unidos. Isso gera um potencial reflexo negativo para eles.
Como fica o Brasil?
O Brasil, ao lado do Mercosul, está fazendo um esforço de se aproximar do Canadá e da mesma forma se empenha para completar o ciclo de negociação para a Aliança do Pacífico. Falta acertar com o México, porque Colômbia, Peru e Chile já têm acordos com o Brasil no âmbito do Mercosul. Nesse sentido, existe uma vontade maior daqueles países mais afetados em buscar alternativas. E isso já está gerando situações favoráveis ao Brasil nas negociações comerciais.
Que tipo de papel a Apex pode ter em um momento de indefinições no comércio mundial?
A Apex tem a responsabilidade de promover as exportações brasileiras e os investimentos no Brasil, além de apoiar empresas brasileiras no exterior. Esses movimentos protecionistas acentuam a necessidade de o Brasil se posicionar também para ter mais empresas nacionais se internacionalizando. Quando uma empresa começa a operar fora, automaticamente ela vai ampliar o comércio com aquele país no qual ela vai se estabelecer.
E no movimento oposto, das empresas estrangeiras que vêm para o Brasil?
Ocorre o mesmo em relação às empresas estrangeiras que vêm para cá e que vão aumentar o comércio entre seu país de origem e o Brasil. Esse é um dos papéis em que a Apex pode ajudar, mas ela também tem uma atuação mais direta no âmbito da Camex (Câmara de Comércio Exterior, ligada ao Ministério da Indústria e Comércio Exterior e Serviços, o MDIC), além de ter condições de promover sinergia em assuntos relevantes entre a esfera federal e o setor produtivo.
Esta pode ser uma oportunidade para que finalmente o Mercosul e a União Europeia assinem acordos de cooperação?
Todos os indícios apontam para isso, mas eu vou além. Mais do que o interesse em um acordo entre o Mercosul e a União Europeia, há uma convergência de interesses entre Argentina e Brasil, o que permite mais coesão para nos engajarmos em novos processos negociadores. O mais evidente é com a União Europeia, que está em vias de ser concluído e que foi beneficiado por essa maior relutância dos Estados Unidos em se engajar em uma negociação comercial que acabou sendo paralisada. Como consequência desse processo, a União Europeia se voltou para nós em um processo que já era muito antigo, mas que até então não deslanchava. Com tudo isso, os indícios são muito positivos para que haja em breve um acordo com a União Europeia, o que poderá trazer inúmeros benefícios para o Brasil.
Pela experiência que o senhor tem na diplomacia, é possível imaginar um recuo nas ações mais extremas depois de iniciada uma guerra comercial?
Existem inúmeras possibilidades, mas tenho certeza de que, neste momento, os atores relevantes, não só os agentes públicos, mas também os privados, estão atuando para impedir que haja um processo de deflagração plena de uma guerra comercial. Não só os Estados Unidos, mas também países como a China, que é um grande comerciante global, têm o seu papel. Por isso, não acredito que cheguemos a um ponto de difícil reversão dessa situação. Por mais que se viva um período de alguma tensão, não acredito que os efeitos negativos sejam permanentes.
Por tudo que o senhor viveu no avanço do comércio mundial nas últimas décadas, é possível imaginar que ocorreram mudanças relevantes no que entendemos hoje por globalização?
Não acredito que haja um permanente surto de contenção da globalização; até porque iniciativas protecionistas são uma forma de diminuir os impactos e o próprio processo de globalização. Ela traz benefícios às economias, mas também há inevitáveis perdas específicas para determinados grupos. Por essa razão, é importante que não se perca a coesão, que esses setores prejudicados tenham uma atenção particular para não ficarem à míngua. Em parte, isso explica o que aconteceu nos Estados Unidos, essa ideia do presidente Donald Trump e a reação da União Europeia. Protecionismo é uma forma de reduzir impactos, mas não acredito que vá perdurar, porque o benefício da globalização é muito claro, ainda que alguns setores ou países saiam perdendo, especialmente os pequenos.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) tem protagonismo para atuar neste momento mais tenso da economia mundial?
A OMC é resultado de um esforço crescente de racionalização e de criação de normas e regras para a conduta do comércio internacional. É evidente que ela está enfraquecida hoje e que não tem poder, mesmo em seu eixo mais relevante, que é a resolução de controvérsias e conflitos.
O que explica a perda de poder da OMC nos últimos anos?
Isso é reflexo também dos interesses dos Estados Unidos, já que a OMC não tem se comportado de acordo com os anseios americanos. Ela foi criada para atender a esses interesses, de forma que há certas contradições que precisam ser resolvidas. Não há dúvidas de que a OMC está enfraquecida, mas ela precisa se reerguer para garantir processos saudáveis de trocas comerciais.
Longa trajetória
Presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), o diplomata ocupou o cargo de embaixador do Brasil na China, na Mongólia, no Reino Unido e na Irlanda do Norte. No Ministério das Relações Exteriores, foi subsecretário-geral de Política, diretor do Departamento de Promoção Comercial e chefe da Divisão de Propriedade Intelectual. No exterior, atuou ainda como ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Washington. Também foi conselheiro na Delegação Permanente do Brasil em Genebra, atuando como delegado no Acordo Geral da Tarifas e Comércio (GATT), na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e na Conferência de Desarmamento.