postado em 08/04/2018 14:26
Os juros do crédito devem continuar caindo, mesmo após a interrupção do ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic, previsto para junho. Isso será possível com a recuperação da economia e a maior competição no mercado de crédito, avaliou o diretor de Economia da Associação Brasileira de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira.
Em março, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) reduziu a taxa Selic pela 12; vez seguida, ao menor nível da história, para 6,5% ao ano, e sinalizou um novo corte em maio, com interrupção do ciclo em junho. A expectativa é que a Selic seja reduzida em 0,25 ponto percentual para 6,25% ao ano. O atual ciclo de cortes começou em outubro de 2016, quando estava em 14,25% ao ano.
Mesmo com a taxa Selic em seu menor patamar, os juros ao consumidor ainda são altos. A taxa média de juros para pessoas físicas estava em 74,3% ao ano, em outubro de 2016, e chegou a 57,72% ao ano, em fevereiro. Ou seja, enquanto a Selic caiu 54%, essa taxa média dos empréstimos às famílias teve redução de 22%.
[SAIBAMAIS]Mas há taxas ainda mais altas, como a do cheque especial, que não mudou muito nesse período. Em outubro de 2016 estava em 328,52% ao ano e em fevereiro desse ano chegou a 324,12% ao ano. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), as instituições financeiras devem apresentar mudanças no cheque especial ainda neste mês, mas ainda não foram divulgados detalhes da alteração.
;As taxas de juros nunca vão cair na mesma proporção da queda da Selic porque ela é um dos itens que compõem o custo. Além da Selic, tem impostos e compulsórios, despesas administrativas, risco, ou seja, parte do que os bancos emprestam eles não recebem de volta, e o lucro. Naturalmente, nada justifica o patamar dos juros que existe hoje;, disse o diretor da Anefac.
Oliveira destacou que os juros do crédito ainda são altos devido ao ;baixo nível; do saldo das operações de crédito, concentração bancária (poucas instituições atuando no mercado), compulsórios altos (parte do dinheiro depositado nos bancos que deve ser recolhida ao BC) e desemprego, o que leva a aumento de risco.
O diretor da Anefac lembrou que o custo de captação do dinheiro pelo banco (Selic) corresponde a 20% da taxa de juros do crédito. A maior parte da composição da taxa é o risco de inadimplência (32%). O lucro corresponde por 27%, impostos e compulsório, 20%, e despesas administrativas com funcionários e o processo de liberação do crédito, 1%. Oliveira explicou que essas despesas administrativas são mais baixas porque os bancos cobram tarifas para cobrir parte desses custos.
Com a recuperação da economia, o que deve levar a menos desemprego, o risco se reduz, avalia Oliveira. Além disso, o economista citou que recentemente o BC reduziu os depósitos compulsórios, o que liberou mais dinheiro para os bancos emprestarem, o que pode levar à redução dos juros ao consumidor. Outro fator que tem mudando o cenário é a maior participação de fintechs (empresas de inovação no setor financeiro) e cooperativas de crédito, o que aumenta a competição com os bancos. A redução da Selic também gera uma outra consequência, os bancos deixam de aplicar em títulos do governo e tendem a emprestar mais para conseguir retornos maiores.
Oliveira citou ainda o novo projeto do cadastro positivo, em tramitação no Congresso, que se aprovado vai ajudar a reduzir o custo do crédito para os bons pagadores. Atualmente, a adesão ao cadastro é opcional. Se a mudança for aprovada, a adesão será automática. ;Os bancos hoje, por não ter informação, acabam cobrando caro de tudo mundo. Com o cadastro positivo, os bancos vão disputar o bom pagador, oferecendo uma melhor condição de crédito para ele;, avalia.
;A tendência é que as taxas continuem caindo, em um cenário de Selic mais baixa, de competição maior, de recuperação da economia. O Banco Central vai reduzir a Selic em 0,25 na próxima reunião. Mas mesmo dali para frente, as taxas de juros ao consumidor vão continuar caindo por conta desses fatores;, concluiu Oliveira.
A Febraban também acredita que a tendência é de redução dos juros do crédito. ;Mantido o cenário atual, de inflação e Selic em baixa, de retomada gradual do crescimento e inadimplência em queda ou estável, é praticamente certo que vamos observar novos recuo das taxas ativas de crédito e dos spreads [a diferença entre as taxas cobradas nas concessões de crédito e as taxas de captação do dinheiro pelas instituições financeiras] no decorrer dos próximos meses;, avaliou.
Spreads bancários
A Febraban destaca que a queda nas taxas de juros foi acompanhada da redução do spread bruto bancário. Em fevereiro de 2018, o spread ficou em 49,2 % nas operações de crédito com recursos livres para pessoa física, ante 62,6 % registrados em fevereiro do ano anterior ; uma redução de 13,4 pontos percentuais. No mesmo período analisado, o spread nas operações de crédito com recursos livres para as empresas caiu de 18,3% para 14,6%, uma redução de 3,7 pontos percentuais.
Apesar dessa redução, a Febraban reconhece que os spreads ainda são altos no país. ;Estudo divulgado recentemente pela Febraban, feito pela empresa de consultoria Accenture, comprovou que a razão principal pela qual os spreads brutos são mais altos no Brasil, em comparação a outros países, está nos custos elevados da intermediação financeira. Os custos associados à inadimplência, tributação, depósitos compulsórios e outros elementos do sistema de regulação são bem mais altos no Brasil que em países emergentes relevantes, como Chile e Turquia, por exemplo;, disse a federação, em nota à Agência Brasil.
Segundo a pesquisa, as despesas com provisões para empréstimos não pagos representam 4,5% da carteira de crédito dos bancos, uma proporção 2,5 vezes maior do que o dos países emergentes, cujas provisões representam em média 1,8% da carteira de crédito. ;Em relação aos países desenvolvidos, o custo da inadimplência no Brasil é mais de 11 vezes maior;, acrescentou.
Concorrência
Na avaliação da Febraban, a concentração bancária é algo comum no mundo todo. ;Essa não é uma característica unicamente brasileira, e está ligada ao fato de que o setor é intensivo em capital e exige investimentos em montante elevado. Ela não representa ausência de concorrência, especialmente no Brasil, onde os bancos públicos representam cerca de 50% do mercado de crédito - nunca foram menos de 30% - e há forte presença de concorrentes internacionais. A concentração bancária tem aumentado globalmente, especialmente após a crise financeira de 2008, e, dentro de limites, com supervisão regulatória de qualidade como no caso do Brasil, facilita a fiscalização e aumenta a solidez do sistema;, avaliou.
Lucratividade
A Febraban defende que quando se compara a rentabilidade dos bancos em proporção ao capital, o setor não é o mais rentável da economia, nem tem uma rentabilidade muito diferente da registrada por bancos de outros países de mercados emergentes. A federação cita que estudo realizado pela consultoria Accenture, que apontou que a rentabilidade média dos cinco maiores bancos no Brasil, em 2016, ficou em 16,2%, próximo à média de outros países em desenvolvimento. No Chile, o valor chegou a 17,8%, na África do Sul a 15,2% e na Colômbia 14,8%. Quando se desconta desse percentual a taxa básica de juros da economia desses países, o Brasil chega a uma rentabilidade média dos cinco maiores bancos de 8,8%, enquanto, para efeito de comparação, Chile está em 14,7% e a África do Sul e a Colômbia, em 11,22%.
;Se a rentabilidade dos bancos no Brasil é semelhante à de outros países emergentes que praticam juros e spreads bem mais baixos, é preciso buscar os fatores que transformam spreads elevados em rentabilidade em linha com o restante da economia. As causas do alto spread bancário são elevados custos da intermediação financeira e não uma suposta remuneração excessiva;, argumentou a Febraban.
;Para efetivamente reduzir os spreads e as taxas dos empréstimos precisamos trabalhar não só na agenda de aumento da competição, que apoiamos inteiramente, mas principalmente na agenda de redução dos custos de intermediação financeira [como os custos com a inadimplência, compulsórios, impostos, despesas operacionais], como aliás vem fazendo acertadamente o Banco Central;, avaliou a Febraban.