Jaqueline Mendes
postado em 10/04/2018 06:00
São Paulo ; O empresário Sergio Habib, presidente da JAC Motors no Brasil e dono da holding SHC, que controla concessionárias das marcas Citr;en, Volkswagen, Jaguar, Land Rover e Aston Martin, além da própria JAC, é protagonista do sobe e desce do setor automobilístico brasileiro. Entre 2011 e 2014, as vendas da JAC despencaram quase 80% no país. Com a crise política dos anos seguintes, a situação continuou feia, mas Habib não desistiu. Uma das vozes mais ativas do setor automobilístico brasileiro, o executivo insistiu na tese de que o mercado se recuperaria. Ele estava certo. O setor ainda está longe dos tempos áureos, mas há sinais consistentes de retomada. No seu caso específico, ela tem se revelado ainda mais intensa. Em março, saíram das concessionárias JAC 436 automóveis, alta de 48,8% sobre o mesmo mês do ano passado. E os primeiros indicadores de abril demonstram que as vendas permanecem em alta. Na entrevista a seguir, Habib faz um diagnóstico do setor, analisa o papel da JAC no mercado brasileiro, fala sobre os entraves que freiam o desenvolvimento do país e defende a reforma trabalhista, que, segundo ele, permite aos empresários assumirem mais riscos em seus planos de investimento.
Quais as razões que fizeram a JAC Motors voltar a crescer em um ritmo acima de 40% no último mês?
Há fatores conjunturais, como o reaquecimento da economia brasileira e, consequentemente, o crescimento do mercado automotivo, além do próprio Inovar-Auto, que tornou a permitir que os importadores voltassem a concorrer livremente. Mas há ações previamente planejadas que auxiliaram a JAC nesta recuperação bem acima da média do mercado.
Que ações são essas?
Estamos mudando praticamente toda a nossa linha de modelos, priorizando SUVs, que são os veículos prediletos do consumidor brasileiro atualmente. Por serem modelos atrativos, com design moderno, ótimo custo/benefício e a exclusiva garantia de seis anos, acredito que nosso crescimento tenha sido em razão direta dessas vantagens específicas.
Como a JAC conseguiu atravessar o recente período de forte queda nas vendas no país?
Promovemos uma completa reestruturação interna no Grupo SHC, priorizando os concessionários que continuavam competitivos, mesmo num cenário de crise. Enxugamos nossos custos, priorizamos lançamentos, como a nova linha de SUVs já mencionada, e adequamos nosso marketing a um mercado recessivo, otimizando campanhas e focando no varejo. Passamos a crise. E, felizmente, passamos bem.
Internamente, que ajustes foram feitos?
Chegamos a ter uma rede autorizada com 70 pontos de venda, dos quais 50 eram próprios. Em 2017, a rede havia diminuído para pouco mais de 25 concessionários, dos quais 21 próprios. A boa notícia é que já invertemos esse vetor. Entre 2017 e 2018, teremos nove novas lojas, encerrando este ano com mais de 30 revendedores autorizados. É uma recuperação bastante significativa.
Superada a crise, que deixou profundas marcas no setor, quais os próximos passos da JAC no Brasil?
Sempre tivemos a pretensão de ofertar um leque de veículos amplo no mercado brasileiro. A matriz chinesa nos possibilita atuar em vários segmentos. Em 2018, por exemplo, faremos cinco lançamentos, dos quais três pertencerão a segmentos completamente inéditos para a marca. Além disso, estamos priorizando a abertura de novos concessionários nomeados, principalmente em praças onde havíamos tido lojas e tivemos de fechá-las. Em Brasília, estamos abrindo a segunda concessionária JAC Motors própria neste mês, na Asa Norte.
A indefinição do Rota-2030, o novo programa automotivo brasileiro, exerce alguma influência sobre a JAC no Brasil?
Francamente, não interfere em nada em nossos planos. Já estamos trabalhando espontaneamente em metas reduzidas de eficiência energética, que será um dos pilares estabelecidos pela nova política industrial para premiar as marcas.
Durante muito tempo, os carros chineses foram vistos com certa desconfiança pelos brasileiros. Esse preconceito já foi superado?
Considerando o que era sete anos atrás, quando a JAC estreou no Brasil, eu diria que 80% daquele status já foi revertido. E muito nos orgulha afirmar que participamos ativamente da reversão dessa sensação oferecendo carros com design atraente, com preços justos e, de forma exclusiva até hoje no mercado, com seis anos de garantia.
O Brasil é um país com inúmeras amarras que atrapalham o desenvolvimento. No seu setor específico, quais são os entraves que poderiam ser corrigidos?
Fatores conjunturais da economia. Basicamente, o desemprego é um entrave, pois continua alto, acima de dois dígitos. Além disso, o Brasil perdeu 10% de sua renda per capita em 2016 frente aos anos anteriores, o que tem enorme impacto em nosso setor. Enquanto esses dois fatores não forem equacionados, o mercado não voltará aos índices de 2012, quando superou a marca de 3,6 milhões de unidades.
Qual é a sua avaliação a respeito da nova legislação trabalhista no Brasil?
A reforma trabalhista corrigiu algumas distorções que inibiam novos investimentos por parte dos empresários. A legislação se tornou mais equilibrada. O empresário brasileiro tem hoje maiores condições de assumir riscos ao empreender do que no passado, pelo menos sob o ponto de vista da legislação trabalhista.
A reforma que foi feita é aquela que o senhor considera ideal?
Entendo que ela foi tímida. Poderia ter sido mais profunda, inclusive sob a premissa de que nossos produtos industrializados estão perdendo a corrida com a concorrência internacional nas exportações exatamente em decorrência deste custo Brasil. E o custo Brasil inclui as demandas trabalhistas.
As eleições deste ano poderão, de alguma forma, prejudicar a trajetória de recuperação da indústria automobilística?
Poderão interferir na economia em geral caso o candidato eleito seja populista e se recuse a promover os ajustes que são aguardados para a economia, como a reforma da Previdência. Nesse caso, o setor automotivo sofrerá, ou não, do mesmo modo que os demais segmentos da sociedade.
O aumento da concorrência, inclusive com marcas chinesas, como a Chery-Caoa, ajuda ou atrapalha a JAC a se consolidar no Brasil?
Ajuda. E ajuda muito. Acredito que o trabalho de construção de imagem das marcas chinesas associada à tecnologia, refinamento, custo/benefício e design, que foi iniciado pela JAC Motors lá atrás, receberá um grande apoio a partir de agora.
Como a Selic baixa, o dólar estável e a perspectiva de reaquecimento econômico podem ajudar a aumentar as vendas da JAC no Brasil?
Prevejo que o mercado automotivo cresça entre 15% e 20% neste ano, o que é um salto considerável frente ao patamar que encerrou em 2017. Ainda assim, ele ficará distante dos 3,6 milhões que tivemos no início desta década.
Até que ponto a JAC depende da retomada da economia para crescer com força no Brasil?
Uma marca que trabalha em nichos específicos como a JAC Motors depende muito mais dela mesma do que da economia, à medida que, conforme antecipei, pretendemos dobrar nossas vendas neste ano. Se o mercado crescer 15% ou 20%, vamos aumentar nossos volumes em 100% ou 110%. E o motivo é simples: tínhamos toda uma linha de novos modelos represada que poderá ser lançada neste ano.
O projeto de construir uma fábrica no Brasil está enterrado em definitivo ou essa possibilidade ainda existe?
Transferimos nosso projeto industrial da Bahia para Goiás. Estamos acertando detalhes antes de fornecer mais informações. Mas a ideia é produzir em regime de CKD por volta de 35 mil unidades anuais, com dois SUVs saindo das linhas de montagem. Se tudo der certo, vamos iniciar essa planta no início de 2020. O investimento total será de R$ 200 milhões.