Depois de surpreender crescendo acima de 10%, em termos reais (descontada a inflação), em janeiro e em fevereiro deste ano, a arrecadação do governo federal perdeu fôlego em março, ficando abaixo das previsões do mercado. No mês passado, a receita total com tributos coletados pelo Fisco teve alta de 3,95% na comparação com mesmo período de 2017, totalizando R$ 105,6 bilhões. Apesar do ritmo mais fraco, foi o quinto mês consecutivo de crescimento e o melhor resultado para o mês desde 2015.
O chefe do Departamento de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, reconheceu que as taxas de crescimento dos primeiros meses do ano tiveram forte contribuição de receitas não recorrentes, como o Refis, mas avaliou que o desempenho de março decorreu, principalmente, do desempenho da atividade econômica. Ele evitou usar o termo desaceleração e afirmou apenas que houve uma ;mudança de patamar; no ritmo das receitas. ;O resultado ficou dentro das expectativas do governo. Nossa projeção errou em 0,05 ponto percentual;, disse.
O ritmo menos intenso da receita tributária gera dúvidas sobre a capacidade do governo de reduzir o deficit nas contas públicas, já que as despesas continuam crescendo de forma acelerada. A mediana das expectativas do mercado para a arrecadação de março era de R$ 109,9 bilhões, lembrou o economista e especialista em contas públicas Fábio Klein, da Tendências Consultoria, que previa R$ 110,9 bilhões. ;Apesar da perda de força em relação ao primeiro bimestre devido à atividade econômica relativamente mais fraca, os dados ainda são positivos porque a velocidade é superior ao crescimento da economia;, afirmou. Para Klein, a trajetória da arrecadação deverá perder força ao longo do ano até chegar a 5%, em termos reais, no acumulado de 2018.
[SAIBAMAIS]A Tendências manteve a previsão de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2,8%, apesar de a mediana da expectativa do mercado ter sido reduzida pela quarta semana seguida devido às frustrações nos indicadores macroeconômicos. Atualmente, a projeção é de 2,75%. O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) alterou a estimativa de alta do PIB de 2,8% para 2,6%. Esta última taxa, inclusive, está próxima à expansão acumulada em 12 meses da receita total até março, de 2,67%, computada pelo Fisco. Já o governo continua projetando aumento de 3% no PIB deste ano e mesmo percentual para a arrecadação.
Na avaliação da economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Ibre-FGV, mesmo frustrando as estimativas do mercado, o dado de março não é de todo ruim. ;A arrecadação está tendo um movimento um pouco melhor que o do PIB, e esse desempenho não compromete nossa expectativa de recuperação da receita em 2018;, afirmou ela, que está refazendo as projeções para o ano.
Malaquias reconheceu que o ritmo de recuperação da economia está mais lento do que o previsto inicialmente tanto pelo mercado quanto pelo governo. ;A indústria e o comércio têm tido desempenho positivo. Apenas o setor de serviços vem se recuperando com menos intensidade. Foi o último setor a entrar na crise, agora é o último a sair da recessão. Essa recuperação mais lenta também impacta na arrecadação;, explicou.
Segundo Malaquias, a queda de 3,78% na receita com o Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a Contribuição sobre Lucro Líquido (IRPJ/CSLL) em março, por exemplo, foi reflexo dessa retomada mais lenta devido, especialmente, ao segmento financeiro, cuja arrecadação encolheu 17,11%, no mês passado, e também às companhias do setor de serviços que fazem declaração por lucro presumido, modalidade que registrou queda e 5,82% no mesmo período.
Incertezas
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, destacou que o enfraquecimento no ritmo da arrecadação federal confirma que a receita continuará sendo insuficiente para cobrir as despesas do governo, que não param de crescer, principalmente, as obrigatórias, como gastos de pessoal e Previdência. ;A realidade é que a retomada econômica é mais lenta porque as empresas ainda estão se ajustando devido às incertezas, principalmente, na área política. Mas o governo está projetando uma aceleração na economia e uma inflação um pouco maior que o mercado para inflar uma receita que não vai acontecer. Portanto, teremos um deficit maior lá na frente;, alertou.
Agostini lembrou que o nível de emprego ainda não mostrou recuperação e que o rendimento médio do brasileiro continua baixo. Com isso, as famílias seguem cortando despesas com escola particular e plano de saúde, por exemplo, o que afeta o setor de serviços, que tem um peso de 70% no PIB ; e não deu sinais de crescimento em março.
No acumulado do ano, os tributos recolhidos pelo Fisco tiveram alta real de 8,42% em relação ao primeiro trimestre de 2017, totalizando R$ 366,4 bilhões. O bom desempenho teve forte contribuição de receitas não recorrentes, ou seja, que não se repetem ao longo do ano. É o caso do programa de regularização tributária, ou Refis, e os parcelamentos da dívida ativa da União. Sem isso, incluindo o reajuste de PIS-Cofins sobre os combustíveis, que passou a valer desde julho de 2017, a arrecadação teria sido R$ 17,3 bilhões menor. Além disso, a receita administrada teria aumentado 4,02% em vez de 7,9% no trimestre, conforme dados apresentados por Malaquias.