Economia

Embrapa estuda hortaliças não convencionais e de alto potencial

Algumas dessas plantas têm risco de extinção alimentar; flores comestíveis têm alto potencial gastronômico

Marlene Gomes - Especial para o Correio
postado em 30/04/2018 06:00
A pesquisadora Neide Botrel revela o potencial nutricional da capuchinha: 25% de proteínas e vitamina C equivalente ao teor de quatro laranjas

Ninguém sabe direito quando o mangarito caiu em desuso na alimentação de comunidades locais. O fato é que pessoas que tinham o hábito de consumir o tubérculo passaram a ter dificuldades para encontrar a planta. Aos poucos, esse parente próximo do inhame e da taioba saiu da mesa de muitos brasileiros e entrou no processo denominado de ;extinção alimentar;. Por isso, o mangarito está entre as 20 espécies de hortaliças que fazem parte do grupo de plantas alimentícias não convencionais que estão sendo estudadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Os agrônomos querem avaliar as características agronômicas e o valor nutricional desses alimentos, definir as melhores condições de manejo, o ponto ideal de colheita e as melhores condições para o armazenamento, além de definir sua vida útil, desde o momento em que são colhidos até a hora em que chegam à mesa do consumidor. O projeto está sendo desenvolvido pelos técnicos do Laboratório de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Embrapa Hortaliças, no Distrito Federal. O projeto visa resgatar essas espécies dentro de um contexto científico, econômico e social.
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As hortaliças não convencionais são chamadas de tradicionais pelos agricultores. São espécies restritas a determinadas regiões, sua distribuição é limitada e não têm uma cadeia produtiva estabelecida, ou seja, não despertam interesse comercial em empresas de sementes ou de fertilizantes. ;A redução no cultivo e no consumo ocorre pela perda de referência da produção local nos quintais ricos e diversificados e pela substituição por hortaliças de maior apelo comercial e cadeia produtiva estabelecida;, informa o Manual de Produção de Hortaliças Tradicionais, documento da Embrapa que lista essas hortaliças e informa sobre formas de cultivo e a utilização de cada uma das espécies.

O desconhecimento sobre o potencial nutricional de hortaliças não convencionais leva, muitas vezes, ao aproveitamento equivocado de alimentos ricos em proteínas, que podem ser boas alternativas na composição alimentar. Algumas variedades, como a araruta, taioba e almeirão, são bem conhecidas em certas localidades. Outras, no entanto, são mais difíceis de ser reconhecidas no meio do mato ou pelos quintais de casas, principalmente em áreas urbanas.

Essa é a situação da Ora-pro-nobis (rogai por nós, em português), comumente usada em cidades como cerca viva na proteção de propriedades, por causa de sua estrutura em forma de arbusto e a presença de espinhos pontiagudos nos ramos. A espécie, no entanto, é bastante usada em pequenas comunidades, principalmente na zona rural, por suas propriedades que ajudam a fortalecer o sistema imunológico, recompor a flora intestinal e manter a integridade da visão. O que sempre foi sabedoria popular ficou evidente após os estudos desenvolvidos pela Universidade de Lavras, em Minas Gerais. A instituição atestou a eficiência dos princípios ativos da planta para o tratamento de doenças de origem gastrointestinais, circulatórias ou inflamatórias.

Antes que esse conjunto de hortaliças caia no esquecimento, técnicos da Embrapa Hortaliças começaram a desenvolver o projeto para resguardar essas espécies. ;Fazemos um trabalho de manutenção e de resgate daquelas hortaliças que eram utilizadas no passado e que foram caindo em desuso em função das mudanças no padrão da sociedade brasileira, com a globalização, urbanização verticalizada e perda das referências dos quintais produtivos;, explica o engenheiro agrônomo Nuno Madeira, pesquisador da Embrapa.

Para Neide Botrel, pesquisadora do Laboratório de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Embrapa Hortaliças, o cultivo das hortaliças tradicionais vem diminuindo em todas as regiões do país, em áreas rurais e urbanas. O seu consumo, no entanto, não deve ser desmerecido em se tratando da riqueza de nutrientes que podem contribuir para a composição da dieta alimentar, já que são alimentos ricos em vitaminas e nutrientes. ;O consumo de hortaliças não convencionais é importante para a diversidade e riqueza da dieta alimentar e o fomento aos bons hábitos alimentares;, atesta a engenheira agrônoma.

Atualmente, cerca de 50 hortaliças classificadas como não convencionais fazem parte do banco de germoplasma da Embrapa Hortaliças. Esses alimentos são considerados um patrimônio a ser conservado e preservado. Para a pesquisa, no entanto, foram elencadas somente as 20 espécies de hortaliças não convencionais com maior potencial agronômico e de mercado.

A melhor maneira de preservar essas espécies e impedir o seu desaparecimento, ressalta Nuno Madeira, é com a própria utilização dessas plantas. Para isso, é preciso que as pessoas da cidade, e não somente as que moram em áreas rurais, reconheçam que aquela plantinha dispersa no meio do jardim, ou do mato, é fonte nutricional. Outra vantagem é que o cultivo dessas hortaliças pode ser feito em qualquer tipo de solo. A planta se propaga com facilidade e são mínimos os cuidados para a sua sobrevivência.
;Fazemos um trabalho de manutenção e de resgate daquelas hortaliças que eram utilizadas no passado e que foram caindo em desuso;
Nuno Madeira, pesquisador da Embrapa

Sementes e sabor picante


As pessoas associam o consumo de plantas às partes comestíveis, como folhas, frutos e raízes. Em algumas espécies, no entanto, as sementes também são aproveitadas. É o caso da capuchinha, cujas sementes podem ser consumidas, cruas ou na forma de conserva, sendo popularmente chamadas de falsas alcaparras.


O potencial nutricional da capuchinha é enorme ; somente as proteínas ocupam 25% de sua composição, mas não é só isso. A planta é rica em vitamina C ; uma porção equivale ao teor da vitamina C encontrada em quatro laranjas. A hortaliça também é rica em fibras e tem elevado teor de minerais.

Com sabor picante, a capuchinha é uma flor comestível, semelhante ao agrião, que pode ser utilizada em saladas, ou desidratada, embebidas em álcool ou em calda de açúcar, congeladas em forma de cubos, para ser adicionados em drinques. Os técnicos da Embrapa se debruçaram sobre flores da planta e encontraram um produto com excelentes propriedades nutricionais.

;O carotenoide predominante na flor da capuchinha é a luteína, um composto antioxidante que ajuda na prevenção de doenças oculares. Os compostos sulfurosos beneficiam o sistema imunológico e a flor contém, também, vitamina C e minerais como o potássio, cálcio e zinco;, explica Neide.

As flores da capuchinha são muito sensíveis e perecíveis. O seu manuseio exige cuidados específicos. ;As flores devem ser colhidas, embaladas rapidamente e devem ser mantidas refrigeradas a uma temperatura de 5 graus por até uma semana, diz Neide.


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