Economia

Enfraquecidos pela reforma trabalhista, sindicatos tentam se reinventar

Reforma trabalhista, profundas mudanças no mercado de trabalho e novo ambiente de negócios tiram força das entidades, que enfrentam crise sem precedentes no Brasil

Jaqueline Mendes
postado em 03/05/2018 06:00
Protesto contra a reforma trabalhista: para representante da Fecomércio, pequenos sindicatos vão desaparecer

Os moradores do município de Mogi Guaçu, no interior de São Paulo, conhecem como poucos os efeitos do sindicalismo na economia. A cidade se tornou, a partir das décadas de 1950 e 1960, uma potência industrial no setor de cerâmica. Quase a metade de todo piso, azulejo e acessórios para banheiros e cozinhas vendidos no estado saía dos fornos de olarias da cidade, como Lanzi, Chiarelli, Gerbi, Martini, São José, Fantinato e Irmãos Ramalho.

Nas últimas duas décadas, no entanto, essa indústria virou pó. Apenas a Cerâmica Lanzi se mantém em pé. O colapso da cadeia ceramista em Mogi Guaçu, segundo empresários locais, teve contribuição ativa dos sindicatos. Endividadas, as empresas não conseguiram fechar acordos que pudessem flexibilizar jornada, readaptar salários e suspender benefícios em períodos de crise.

;O sindicalismo irresponsável ditou o ritmo da música durante décadas em regiões importantes sob a ótica industrial;, afirma o economista Jorge Afonso Bellido, especialista em economias regionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo. ;A velha ideologia do confronto de classes, que colocou patrões e empregados em lados opostos, atravancou o desenvolvimento de várias regiões brasileiras.; O resultado não poderia ter sido pior. Sem arrecadação, a antiga entidade sindical, que representava os quase 12 mil trabalhadores da categoria, também atrofiou.

O exemplo de Mogi Guaçu não é exceção. Em 2013, a montadora americana General Motors (GM) ameaçou fechar, em definitivo, a fábrica de São José dos Campos (SP) se o sindicato dos trabalhadores não endossasse o plano de redução de custos. Aos 45 minutos do segundo tempo, em reunião a portas fechadas, um acordo evitou o fim da unidade e garantiu o emprego de 7,5 mil trabalhadores da planta. ;A coisa é mais séria do que qualquer um possa imaginar;, afirmou, naquela ocasião, Luiz Moan, diretor da GM encarregado nas negociações.

Algo parecido aconteceu com a alemã Volkswagen. Tanto a fábrica de Taubaté quanto a de São Bernardo do Campo estiveram na iminência de fechar as portas diante do impasse gerado pela intransigência de sindicatos em aceitar a proposta de corte de 15% dos custos das unidades.

Para o economista José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio-SP e uma das maiores autoridades do país no campo das relações trabalhistas, ;o sindicalismo à moda antiga está caindo em desuso; em razão das profundas transformações na sociedade. O mercado de trabalho mudou, as empresas se ajustaram aos novos tempos, os profissionais se atualizaram, o ambiente de negócios é bem diferente do de anos atrás. Só o sindicalismo quer ser o mesmo.

Pastore é enfático em dizer que os sindicatos perderam a relevância e terão de aprender a caminhar com as próprias pernas. ;O fim do Imposto Sindical e a possibilidade de negociações diretas entre empresários e funcionários, sem a intermediação de sindicalistas, abrem novos horizontes para os negócios no país e para a indústria sindical;, afirma Pastore.

Exército


Os sindicatos, de fato, se tornaram uma poderosa indústria no Brasil. Essas entidades empregam um exército de 153,5 mil pessoas, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Os sindicatos de trabalhadores receberam R$ 2,6 bilhões arrecadados com o Imposto Sindical em 2016 (os números de 2017 ainda não foram divulgados). No mesmo ano, as entidades patronais embolsaram R$ 1,3 bilhão da contribuição recolhida diretamente das empresas.

Diante dessas cifras, fica fácil entender a preocupação dos sindicalistas. Com a reforma trabalhista, o número de trabalhadores em sindicatos no Brasil tende a encolher, porque muitas entidades terão de se reestruturar para sobreviver com um orçamento menor. É provável inclusive que centenas de sindicatos deixem de existir. ;Especialmente os pequenos vão desaparecer. Fecharão as portas por falta de dinheiro ou serão incorporados por grandes grupos sindicais;, garante Pastore. ;Aqueles que viviam às custas da arrecadação do imposto terão de trabalhar e adotar uma postura proativa para convencer os trabalhadores de que a contribuição voluntária vale a pena.;

Além da extinção do imposto, os sindicatos enfrentarão desafios colocados por outros artigos da reforma que, de forma direta ou indireta, enfraquecem o sindicalismo. Entre eles estão a possibilidade de negociação individual de aspectos importantes da relação de trabalho sem assistência sindical, a representação dos trabalhadores no local de trabalho independentemente dos sindicatos e a não obrigatoriedade de que as rescisões contratuais sejam homologadas nos sindicatos. ;Não há dúvidas de que os sindicatos terão de se reinventar para sobreviver;, conclui Pastore.

O mercado já está sofrendo os impactos dos novos tempos. O Dieese, principal entidade de apoio aos sindicatos de trabalhadores do país, vive a pior crise financeira de sua história. Com a situação crítica do movimento sindical, sua principal fonte de receita, o instituto corre até o risco de fechar. Em apenas 3 anos, o orçamento da instituição caiu de R$ 42 milhões para R$ 21 milhões, e 100 funcionários foram desligados. O quadro atual é de 250 colaboradores, mas a direção não descarta novos cortes ainda em 2018, reduzindo o número para apenas 150 pessoas. O motivo da penúria é a inadimplência das entidades sindicais, que não estão quitando as mensalidades. ;Os sindicatos estão com dificuldade para pagar e vamos ter que nos reorganizar;, diz Clemete Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese.

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