Economia

Executivo da Volks: "Sem a indefinição política, cresceríamos muito mais"

Roberto Cortes, que comanda o braço de caminhões e ônibus da Volkswagen, cobra ações públicas para o setor

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 14/05/2018 06:00

%u201COs indicadores de vendas do setor são interessantes, mas estamos longe dos melhores momentos antes da crise%u201D

As vendas de caminhões, que sofreram com a crise brasileira nos últimos anos, têm apresentado uma recuperação desde meados de 2017. Com isso, as montadoras falam na retomada dos investimentos. É o caso da MAN, braço de caminhões e ônibus da Volkswagen, dirigida na América Latina por Roberto Cortes. Na companhia, a previsão é de que os investimentos nos próximos anos cheguem a R$ 1,5 bilhão. Segundo o executivo, diversos fatores poderiam acelerar a retomada das vendas e incentivar o aumento dos aportes de recursos no setor.

Um deles é a aprovação pelo governo do programa Rota 2030, que precisa ser regulamentado por meio de medida provisória e prevê que as montadoras abatam créditos fiscais como contrapartida aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, está sendo discutida a redução do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) à medida que o veículo apresentar maior eficiência energética, como no caso dos modelos híbridos. As discussões entre empresas e governo se arrastam há meses, porque não se chega a um consenso sobre onde será possível abater o pagamento dos tributos, se em qualquer imposto federal ou apenas no caso do Imposto de Renda. Para Cortes, a entrada em vigor do Rota 2030 é fundamental para aumentar a confiança das empresas, já que hoje, segundo ele, falta uma política governamental para o setor. Apesar da indefinição na política setorial, as vendas de caminhões estão em trajetória de alta, como mostram os números da Anfavea, a entidade que representa as montadoras. Nos primeiros quatro meses de 2018, elas aumentaram 57% na comparação com 2017. Graças a esse reaquecimento, a MAN aumentou o expediente na linha de produção de quatro para seis dias por semana, mais uma hora extra por dia. A montadora fechou recentemente um contrato para a venda de 3,4 mil ônibus para o programa federal Caminho da Escola, que atende as prefeituras com o transporte público. A licitação deve render nos próximos 18 meses, um total de R$ 70 milhões à companhia.

As vendas de caminhões vêm se recuperando. O avanço poderia ser mais rápido?

A indústria vem crescendo de forma expressiva. Só no primeiro quadrimestre, o aumento das vendas foi de 57% na comparação com o ano passado. Em janeiro de 2017, foram vendidos por dia 154 caminhões. Neste ano, foram 246, o que dá uma ideia da recuperação. Para nós, o mais importante é que as vendas têm crescido na comparação mês contra mês.

Os números são expressivos porque o Brasil viveu uma profunda recessão nos últimos anos. Até que ponto a frota envelheceu?

O momento de uma forma geral é favorável. Por causa da recessão nos últimos anos, a frota de caminhões deixou de ser renovada e ficou mais velha do que deveria, portanto menos econômica, porque requer mais manutenção. Por isso, a viabilidade de trocá-la por modelos novos aumentou.

Qual o peso da redução da taxa de juros no seu setor?

Um fator importante nesse contexto é a redução da taxa de juros, que não tem mais o peso de anos atrás como um inibidor do mercado consumidor. O Brasil está no caminho certo no quesito macroeconômico, inclusive pela redução da Selic, o que influencia na propensão a investir, por exemplo, na troca do caminhão usado por um mais novo. Um bom termômetro da venda de caminhões é a economia. Ela está retomando de uma forma geral.

O setor já recuperou os níveis pré-crise?

Os indicadores de vendas do setor são interessantes, mas estamos longe dos melhores momentos antes da crise. Começamos trabalhando quatro dias por semana, passamos a produzir cinco dias, agora estamos trabalhando aos sábados e ainda fazendo uma hora extra por dia. Isso está acontecendo para conseguimos dar conta do aumento das vendas.

Quais foram os segmentos atendidos pela MAN que reagiram mais depressa?

O agribusiness tem se recuperado com mais rapidez, especialmente por conta do transporte de grãos. Também vemos essa reação no transporte urbano de produtos, como alimentos e bebidas.

Quais ainda estão com o freio de mão puxado?

O que ainda está devagar são os caminhões que atendem ao mercado da construção civil e obras de infraestrutura. São investimentos de longo prazo, por isso, talvez a recuperação seja mais demorada.

Recentemente, a MAN assinou um contrato para fornecer 3,4 mil ônibus para o programa federal Caminho da Escola. Como esse pedido será absorvido pela companhia e qual deve ser o impacto?

Ganhamos essa concorrência, que prevê o direito de vender 3,4 mil ônibus e podemos entregar os veículos em até 18 meses. A expectativa é de que esse contrato gere perto de R$ 70 milhões e uma parte entrará em caixa neste ano. O governo não vai poder liberar recursos para algumas coisas, inclusive para esse programa, 90 dias antes das eleições. Portanto, haverá uma interrupção entre julho e setembro, com previsão de retomada das encomendas a partir de novembro.

Como a incerteza eleitoral influencia na tomada de decisões no curto prazo?

Influencia mais nos investimentos de longo prazo. Muitas empresas têm decidido tomar suas decisões agora, outras preferem estudar melhor o cenário. No caso do mercado de caminhões, sinto que a decisão de compra tem sido descolada da política. Claro que, sem essa indefinição política, estaríamos crescendo muito mais. Provavelmente em vez do crescimento em ;u;, seria um crescimento em ;v;.

O que falta para a economia brasileira melhorar?

Falta levar adiante algumas medidas voltadas às reformas, que apenas começaram. A única, mas nem por isso menos importante, foi a do teto de gastos. No caso da reforma trabalhista, ainda há muito o que ser feito. Sem falar da reforma política, é claro. Além disso, precisariam ser alinhados outros aspectos econômicos, como a taxa básica de juros. Apesar de a Selic estar bem mais baixa, em termos reais, descontada a inflação, ainda é muito elevada.

As indefinições sobre o programa Rota 2030 têm atrapalhado a definição de planos da companhia?

Tudo que está preso a incertezas não é bom para o ambiente de negócios. No Rota 2030 não é diferente. Nesse caso, quanto mais demora, mais incerteza há. Querendo ou não, sempre tivemos uma política governamental para o setor automotivo, mas hoje estamos sem política alguma. A mais recente, a do Inovar Auto, que terminou no ano passado, foi questionada, mas ainda assim era uma política para a indústria. Um setor como o automobilístico, tão importante para a geração de renda, com empregos, tem de ser regido por uma política setorial. Essa demora ainda não afetou as decisões de investimento, porque há uma crença de que o programa vai sair de uma forma aceitável para o governo e para as empresas.

Como o setor tem reagido a essa demora?

Temos buscado o consenso. Nesse sentido, cada um tem feito seu dever de casa e trabalhado com o cenário de que teremos uma política para o setor. Temos de reconhecer que há outros assuntos na pauta do governo e o Rota 2030 é um deles. Espero que em breve isso seja resolvido.

No caso da MAN, as indefinições em torno do Rota 2030 causam que tipo de problema?

Isso gera uma certa ansiedade, porque todos nós estamos investindo e queremos ter uma política que dê a certeza de que o ambiente de negócios irá propiciar todos os aportes que estão sendo feitos. No caso da MAN, temos um plano de investimentos de R$ 1,5 bilhão, levando em consideração que aquilo que está dentro do Rota 2030 vai acontecer, seja por meio de incentivos a todo o desenvolvimento feito em pesquisa e na engenharia, seja pelo reconhecido por meio da redução de imposto ou alguma outra alternativa que justifique a viabilidade econômica desse investimento.

Quem é Roberto Cortes

O executivo iniciou a carreira no segmento automotivo em 1979. Em 1986, participou da criação da Autolatina, uma joint-venture entre a Ford e a Volkswagen no Brasil e na Argentina que durou até 1994. Nessa época, foi convidado pela Volkswagen AG para trabalhar como controller corporativo do Grupo na América do Sul. Desde 1997, é CEO da Volkswagen Caminhões e Ônibus na América Latina. A partir de 2008, passou a ser responsável também pela marca MAN na região e, desde então, acumula posições nos Conselhos da Volkswagen e MAN Groups na Alemanha e, mais recentemente, na Volkswagen Truck & Bus holding.

;Sempre tivemos uma política governamental para o setor automotivo, mas hoje estamos sem;

;Apesar de estar bem mais baixa, a Selic, em termos reais, descontada a inflação, ainda é muito elevada;

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação