Economia

Apesar do bom desempenho do setor, receita das farmácias corre risco

Alheio à crise dos últimos anos, o segmento vê os consumidores receosos quanto ao cenário eleitoral e sem disposição para deixar os genéricos e voltar ao medicamento de referência

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 16/05/2018 06:00

Patriciana Queirós, da Pague Menos, diz que o esforço concentrado da empresa melhorou vendas e margens de lucro, além da oferta de produtos
São Paulo ;
Na contramão da maioria dos setores da economia brasileira, as vendas das farmácias passaram quase ilesas pela recessão dos últimos anos. Dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) mostram indicadores positivos de 2013 a 2017 nas vendas gerais, de medicamentos, de não medicamentos, de genéricos (em valores) e em número de unidades.

Da mesma forma, aumentou a quantidade de lojas. Em 2013, eram 5.085. No ano passado, foram registradas pela entidade 7.240. Mas, quando se leva em consideração todo o universo farmacêutico, incluindo as pequenas redes e unidades independentes, o número é muito maior. O país tem cerca de 77 mil farmácias.

Apesar do bom desempenho, e a despeito, neste ano, de projeções do governo e de analistas de bancos e corretoras que indicam crescimento maior da economia, a expectativa não é de aumento de vendas em comparação a 2017. Segundo Sérgio Mena Barreto, presidente da Abrafarma, a previsão de aumento de 12% a 13% em 2018 já foi revista e deve ficar em cerca de 9%, mesma alta registrada no ano passado em comparação a 2016.

Em boa parte, isso deve ocorrer porque os brasileiros, que durante a crise trocaram os medicamentos de referência pelos genéricos, não fizeram o movimento de retorno. Ou seja, continuam a consumir os remédios que são de 40% a 70% mais baratos. ;A confiança do consumidor não está tão plenamente recuperada como se imaginava. É um comportamento parecido com o que se vê no comércio de uma forma geral. Em parte, isso pode refletir certo temor em relação ao cenário eleitoral;, avalia Mena Barreto.

Além da falta de confiança por parte do consumidor, outros dois assuntos têm feito com que as grandes redes fiquem particularmente atentas em 2018. Um deles é a possibilidade de aprovação de um projeto de lei que permite a venda de medicamentos sem controle, como Aspirina e Sal de Fruta, por supermercados e comércios do gênero, sem a necessidade de um farmacêutico.

O assunto é antigo, mas voltou a ser discutido recentemente, durante viagem do presidente Michel Temer a São Paulo, com representantes do setor varejista. Temer prometeu se empenhar na aprovação do PL desde que os supermercados oferecessem, como contrapartida, a contratação de filhos de famílias beneficiadas pelo programa Bolsa-Família.

A reação da Abrafarma foi imediata. Na terça-feira passada, Mena Barreto teve encontro com Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, para mostrar quais impactos esse PL poderia ter. Os supermercados, segundo ele, prometem vender remédios até 30% mais baratos do que as farmácias.

No entanto, segundo levantamento feito pela Abrafarma, de um total de 4 mil itens oferecidos nas gôndolas, 56% custam mais nos supermercados do que nas farmácias. ;Essa proposta é esdrúxula. Como eles prometem um preço menor em remédio, se já não conseguem fazer isso com outros itens, como absorventes, xampus?;, questiona o executivo da Abrafarma.

A mesma planilha foi encaminhada ao Ministério da Saúde, mas ainda não há uma resposta. Para Mena Barreto, o PL não deve permitir a venda de medicamentos em supermercados e pequenos comércios sem a presença de um farmacêutico, diferentemente do que é exigido das farmácias.

Sinergias das bandeiras Drogasil e Raia, do grupo RD, foram essenciais para que as duas redes atravessassem a recessão

Farmácia popular

Outro problema para o setor é a decisão do governo de diminuir o valor de repasse para os medicamentos que fazem parte do Programa Farmácia Popular. A nova tabela passou a valer neste mês, por isso, Mena Barreto acha que ainda é difícil saber que impacto terá na receita. ;No caso da insulina, o governo quer pagar R$ 20 e o custo para a farmácia é de R$ 29. Ou seja, a conta não fecha. Mas, ainda estamos aguardando para ver o que deve ocorrer;, diz. Esse programa responde por 2% do faturamento do setor.

A vice-presidente comercial da rede Pague Menos, hoje com 1.100 lojas em todos os estados, Patriciana Queirós, acredita que a medida do governo não deverá ter um impacto significativo na receita das farmácias, mas vai penalizar o consumidor. ;Sem acesso a medicamentos de extrema necessidade, ele não terá a quem recorrer;, alerta.

A executiva da Pague Menos conta que a companhia tem atuado em várias frentes para melhorar os resultados ; tanto a margem de lucro quanto as vendas. Por exemplo, vem ampliando as parcerias com grandes indústrias, como Coca-Cola, Unilever e Nestlé, para aumentar a oferta de produtos nos pontos de venda e ir muito além da venda de remédio para dor de cabeça. A rede já implantou em 800 unidades um serviço especial para os clientes, com orientação profissional sobre perda de peso e tabagismo, e controles de saúde, como a medição da pressão arterial.

;Esse setor será cada vez mais dominado por aqueles que se profissionalizarem, que investirem em uma estrutura pesada de tecnologia para entender melhor quais são as necessidades dos clientes e oferecerem produtos e serviços sob medida;, avalia Patriciana. Para este ano, a vice-presidente da Pague Menos projeta crescimento entre 8% e 10% nas vendas. Eugênio De Zagottis, vice-presidente de Planejamento e RI da RD, da qual fazem parte as bandeiras Droga Raia e Drogasil, diz que em boa medida o compartilhamento de competências complementares entre as duas marcas foi decisivo no momento mais difícil da economia.

;Fizemos um upgrade, preservando todas as funcionalidades a serem compartilhadas entre as duas redes. Isso se tornou uma das nossas maiores vantagens competitivas para os anos seguintes. Outra vantagem competitiva foi o investimento em pessoas qualificadas e motivadas. Além disso, apostamos em formatos diferenciados, com conceitos avançados de gestão de categorias. Revisamos toda a segmentação de lojas, de forma a otimizar o sortimento e a precificação de cada unidade ao perfil dos clientes e ao ambiente competitivo;, detalha o executivo. A companhia tem 1.650 unidades e está presente em 22 estados.

Outra aposta da RD foi focar o negócio na venda de saúde e bem-estar. Uma forma de melhorar esse conceito, que tem sido adotado por outras redes, é com a criação de espaços para o oferecimento e aplicação de vacinas. Em 2017, foram abertas 210 unidades e a projeção para 2018 e 2019 é que sejam inauguradas mais 240 unidades por ano.

"Setor terá dificuldades"

Entrevista com Eugênio De Zagotti, diretor de planejamento corporativo e relações com investidores da Raia Drogasil


Uma das empresas mais bem avaliadas da Bolsa, a Raia Drogasil, viu suas ações despencarem 35% neste ano ; de R$ 92 para R$ 60 ; depois de uma desaceleração nas vendas colocar em xeque a tese de resiliência da demanda. Além dos resultados mornos no fim do ano, as vendas das lojas com mais de um ano de operação cresceram 2,7% no primeiro trimestre.
Já os negócios das lojas consideradas maduras, abertas há mais de três anos, recuaram 1%, na primeira queda trimestral da história da companhia. De acordo com o IMS Health, empresa que presta serviços de consultoria em marketing farmacêutico, as vendas do setor avançaram 5,6% no período.

A mudança de rota levou o mercado a se questionar sobre a abertura agressiva de lojas, num modelo que poderia levar a uma ;canibalização;. Quer dizer, se as novas lojas não estariam roubando vendas de estabelecimentos já consolidados, muitas vezes localizadas a pouco quilômetros de distância.

Eugênio De Zagottis, diretor de planejamento corporativo e relações com investidores da Raia Drogasil, debita a perda de fôlego das vendas na conta da desaceleração do mercado farmacêutico, que prosperou na crise, mas agora, com a retomada da economia, está competindo com outros setores, como o de bens duráveis e de consumo discricionário.

As novas lojas abertas estão canibalizando as vendas de lojas mais antigas?

É óbvio que existe canibalização, mas isso não é relevante. Vou chutar um número. Vamos dizer que eu tenha 2% de canibalização. Quer dizer que, se eu não crescesse, minha venda de loja madura seria 2% melhor. É óbvio que, se eu parar de crescer, a loja madura vai vender mais. Mas, não é isso que faz a gente estar em uma inflação de 3% e ter crescido 0,4%, ajustado a calendário, no primeiro trimestre.

A que fator o sr. atribui a desaceleração nas vendas?

Talvez tenhamos sido de longe a melhor empresa num momento em que houve contração da economia. Mas, quando a economia expande, você vê um ciclo reverso. A gente tem uma característica contracíclica. Quando a economia está ruim, o cliente não está gastando dinheiro em bens duráveis e consumo discricionário, mas está gastando no essencial. Nessa economia em ritmo de retomada, veja a Renner ou a Magazine Luiza. Hoje eu tenho uma competição pelo bolso com todos esses competidores.

O consumidor deixa de comprar remédio para comprar bens duráveis? Ou essa competição é por outras categorias, como higiene e perfumaria?

Cerca de 45% do que a gente vende não é medicamento de prescrição. É HPC (higiene e perfumaria) e OTC (medicamentos sem prescrição). HPC tem sido das categorias mais duras para nós. Prescrição está bem. Na classe C, às vezes, a pessoa entra em uma loja, compra uma TV em oito parcelas, pega o cartão de crédito emprestado sei lá de quem e vê depois se tem renda. O mercado como um todo deu uma barrigada.

Com o mercado todo sofrendo, vai haver espaço para consolidação?

Veremos rede média apertada, alguns endividados que tiveram um alívio com a taxa de juros caindo e que agora vão ter de voltar a apertar o cinto. Vai ter gente cortando estoque, gente em recuperação judicial, rede que cresce mal e vai ter de segurar o crescimento. Isso nos dá uma boa perspectiva: vamos ganhar participação de mercado e nossa posição competitiva vai se fortalecer.

O desempenho da empresa não é um incentivo para cada vez mais concorrentes entrarem no mercado?

Eu ouço essa história há anos. Ouvi quando os supermercados entraram no negócio de farmácias em 2000, e hoje as farmácias dos supermercados estão todas largadas. Ouvi essa mesma história quanto a Casa Saba veio do México para cá, quando a Fasa do Chile veio para cá, quando a CVS comprou a Onofre, quando a Extrafarma entrou. Diga-me qual novo entrante teve sucesso nesse negócio? Não tem.

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