Economia

"Intervenção no Neon serve de alerta para fintechs", diz criador da PageMe

Para Manoel Lemos, criador da PageMe, liquidação do banco virou teste para as startups financeiras

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 21/05/2018 06:00
Para Manoel Lemos, criador da PageMe, liquidação do banco virou teste para as startups financeirasSão Paulo ; O ambiente de startups no Brasil, em nítido processo de crescimento, sofreu um susto recentemente depois de o Banco Central (BC) ter liquidado o Banco Neon. Segundo informou o BC, uma supervisão ;constatou o comprometimento da situação econômico-financeira, bem como a existência de graves violações às normas legais e regulamentares que disciplinam a atividade da instituição;. A decisão foi uma espécie de teste de pressão sobre as fintechs ; startups de serviço financeiro -, em fase de consolidação no país. Para Manoel Lemos, sócio da Redpoint eventures, empresa de capital de risco (venture capital) com foco em startups ligadas à internet e que investe em empresas como Gympass e PSafe, o que ocorreu com o Neon não vai desestabilizar o mercado ou provocar algum tipo de desconfiança sobre esse modelo de negócios.

;O episódio do Banco Neon serviu para abrir os olhos de quem faz parte desse ecossistema;, afirma. Ainda segundo o empresário, os órgãos reguladores, como o BC, têm se mostrado favoráveis a esse tipo de empreendimento e situações como a do Neon não
são isoladas. Ele lembra as dificuldades que o Uber teve e ainda tem em relação a questões legais, especialmente trabalhistas e concorrenciais. Além de continuar a apostar em investimentos em fintechs, Lemos diz que a Redpoint eventures mantém no radar negócios nas áreas de educação, saúde, seguros e de softwares. Por falta de oferta de projetos, diz ele, não há muitas alternativas no segmento de tecnologia pura, mais ligada ao desenvolvimento feito dentro de universidades. Otimista, Lemos acredita que o Brasil conseguirá gerar outros unicórnios entre as suas startups, como se viu recentemente com a 99, a PagSeguro e o Nubank, com valor de mercado calculado em mais de US$ 1 bilhão. Graduado em Engenharia da Computação pela Unicamp e pós-graduado em Estratégias para Companhias de Mídia por Harvard e Estratégias e Inovação pelo MIT, o sócio da Redpoint eventures fundou a primeira startup, PageMe, pioneira em internet móvel, em 1999. Em 2006, criou o BlogBlogs, plataforma de indexação para blogs escritos em português.

A decisão do Banco Central de liquidar o Banco Neon provocou que tipo de impacto
entre as startups brasileiras?


O episódio serviu para abrir os olhos de quem está nesse espaço, em que há questões regulatórias que podem impactar os negócios e que, muitas vezes, são mais sérias do que em outros mercados. É natural que essas coisas possam ocorrer em um lugar onde a inovação e as starturps estão sempre numa corrida, e cada vez com mais velocidade, e muitas vezes desafiando o status quo. Vimos isso em outros mercados. Foi assim, por exemplo, com o Uber.

Esse caso pode impactar o futuro das fintechs?
Acho que não, mas vai depender de como as coisas ocorrerão daqui para frente. Mas com certeza essa decisão do Banco Central chamou a atenção de todo mundo, mostrando que é preciso tomar mais cuidado. Mas até onde eu sei, a empresa de pagamentos do Neon está lidando bem com a situação, conseguiu reverter o quadro rapidamente e, se tudo der certo, sairá ainda mais forte do processo. Pelo menos é o final que a gente gostaria de ver para essa história. A gente nunca gosta de ver empreendedor passando por esse tipo de situação.

Como os empreendedores estão reagindo ao problema com o Neon?

No momento surgiram dúvidas, mas, por outro lado, vamos ver como as instituições, os reguladores e os empreendedores vão responder. Sou otimista. Por isso, acredito que a tendência seja de que as pessoas estruturem seus negócios com um pouco mais de cuidado antes de colocar seus produtos no ar, checando melhor se as suas estruturas estão corretas. No momento inicial, há um pequeno abalo, mas no final todo o ecossistema sai mais forte do processo.

A decisão do BC afeta a estratégia de investimento da Redpoint eventures?
Para nós não muda nada. Desde que começamos a investir em fintechs, sempre soubemos que se trata de um espaço em que existem regulações mais sérias do que em outros mercados. Não vejo os órgãos reguladores contrários à inovação. Acabamos de ver o Banco Central aprovar licenças novas para dois tipos de startups, de empréstimo pessoal e de crédito. Ou seja, continuamos achando que as fintechs representam um espaço muito quente e que precisa de muita inovação.

O que o fundo tem estudado com mais atenção?
Olhamos de maneira mais pró-ativa para fintechs, mas também para empresas na área de seguros e de registros. Saúde e educação são outras duas áreas das quais gostamos bastante também, assim como e-commerce e B2B. Mas isso não impede que acompanhemos startups de outros segmentos, como as agritechs, as que desenvolvem tecnologia mais pura, como inteligência artificial e blockchain.

Algum segmento saiu do radar nos últimos tempos e deixou de ser interessante como investimento?
Não. Às vezes, surgem modelos perseguidos por muita gente ao mesmo tempo, como foi o caso das compras coletivas há alguns anos, e hoje não vemos esse movimento todo. Mas isso não quer dizer que o setor de soluções para o varejo e serviços mudou, mas pode haver uma saturação pontual. Diferentemente disso, temos visto crescimento grande de empreendedores em todos esses espaços. O que começa a ocorrer é a especialização dentro desses espaços devido ao crescimento deles. Por exemplo, há empresas atuando nas áreas de seguros, de lawtechs,

Na sua opinião, há setores em que faltam empreendedores?
Uma coisa que vejo menor é o que depende muito de tecnologia mais pura, ou hardtech, que tem muita intersecção com as universidades. Nos últimos três anos, têm sido possível ver empresas atacando todas as áreas possíveis. O que não se vê no Brasil são startups nas áreas de hardware, de ciência mais aplicada. Portanto, ainda há espaço para avançar bastante.

A falta de empreendedores nessas áreas pode causar algum atraso na produção de conhecimento e na geração de novos negócios?
Grande parte do que os empreendedores estão atacando está relacionado à ineficiência em algum mercado. As startups estão fazendo um belo trabalho nesse aspecto. O que nós não vemos ainda é a indústria respondendo do mesmo jeito. Mesmo nessas áreas menos desenvolvidas, nós veremos melhoras, porque todo o ecossistema está amadurecendo. As corporações e a indústria precisam abraçar mais esse novo jeito de trabalhar, trazendo mais tecnologia para as operações, serem mais inovadoras em modelos de negócios. Nisso ainda temos muito chão pela frente.

No Brasil, as empresas têm feito essa aproximação com o ambiente das startups?
As empresas estão começando a perceber, mas ainda não fazem tanta coisa. A gente viu ocorrer nos últimos dois anos, como o Cubo, lançado pelo Itaú, e outras grandes empresas se engajando com as startups, mas a grande maioria está fora. Talvez elas tenham percebido que as startups estão aí e que as novas tecnologias estão impactando nos negócios, mas ainda não tomaram ações para abraçarem esse movimento.

O crescimento do Bitcoin e de outras criptomoedas pode influenciar o ambiente financeiro?
Do ponto de vista tecnológico, as criptomoedas estão mostrando que existem maneiras diferentes de resolver alguns problemas ligados a finanças, quase todos relacionados em como garantimos confiança em transações, que são bem diferentes das que estávamos acostumados a fazer. E se conseguirmos aplicar bem essa tecnologia, vamos mudar muito as estruturas de que precisamos no universo financeiro. Pode sim causar um grande impacto na indústria, mas, por outro lado, pode ser uma enorme oportunidade para que essas indústrias também se deem bem usando esse tipo de tecnologia. A tecnologia por trás das criptomoedas tem um potencial gigante, mas ainda estamos muito no começo para saber o que vai ocorrer. De todo modo, as criptomoedas chegaram para ficar.

O Brasil tem condições de produzir mais unicórnios (startups com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão), a exemplo do que vimos recentemente com 99, PagSeguro e Nubank?
O Brasil tem uma característica que é boa por um lado e ruim por outro. O mercado local é muito grande. Isso faz com que a maior parte das empresas não precise pensar em internacionalização para virar um bom negócio. Daí vermos tantas empresas nacionais focadas só no mercado interno. Mas isso tem começado a mudar, com empresas que nasceram no Brasil, cresceram bastante por aqui e se tornaram líderes e começaram a buscar o mercado internacional para expansão. Outras já estão atacando o mercado global logo de cara, especialmente no universo do software, porque há menos necessidade de ativos físicos. Em casos assim, essas empresas estão atacando um problema genérico, que independe da geografia, com o mesmo produto. Com isso, elas abrem uma nova via de crescimento. E isso pode criar a oportunidade para o Brasil gerar outros unicórnios.

Os resultados da economia brasileira e a expectativa pré-eleitoral influenciam de alguma forma os planos de investimento da Redpoint eventures?
Seguimos investindo e sob esse ponto de vista não faz muita diferença a questão eleitoral. Nosso horizonte é de longo prazo. Investimentos em empresas para ficar nelas por seis, sete, oito anos. Aquele pequeno período de incertezas em torno das eleições acaba desaparecendo. Por isso, é interessante ter a diversificação, com a distribuição desses investimentos ao longo do tempo. Estamos agora preparando o processo de expansão, mudando para um espaço quadro vezes maior e aumentando em muito a aposta nesse universo de startups e pensando em como conectá-las com as corporações. O lançamento deve ocorrer na virada do próximo semestre.

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