Economia

Crise em torno dos preços dos combustíveis ainda está longe da solução

Alta do petróleo e do dólar pode provocar efeitos negativos em diversas atividades econômicas, levar a aumento de preços e atrasar a esperada retomada do crescimento

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 01/06/2018 06:00
Vista da Regap, de Betim, uma das 13 unidades da Petrobras, que respondem por 95% da produção de gasolina no país
São Paulo ; Depois da paralisação dos caminhoneiros, a crise gerada em torno dos preços dos combustíveis pode ter efeitos negativos em diversos setores da economia, uma vez que o petróleo alimenta, em maior ou menor proporção, praticamente toda a produção de bens e serviços no país. A oferta dos derivados pode influenciar desde o custo da lavoura de tomates, por exemplo, que têm de ser transportados da horta até os centros de consumo, a toda a cadeia da fabricação do plástico, matéria-prima dependente do insumo para a sua produção.

Com a atual política da Petrobras, adotada na gestão de Pedro Parente, de calibrar os preços dos combustíveis de acordo com a variação das cotações do barril de petróleo, sempre haverá a ameaça de uma nova onda de aumentos no valor cobrado nas refinarias e nos postos. Por isso, fala-se agora na possibilidade de usar a variação dos tributos sobre os combustíveis, como PIS, Cofins e Cide, para compensar a disparada do preço. Se ele subir, caem os impostos.

Qualquer problema relacionado à alta dos combustíveis que surja a partir de agora terá de conviver com um outro complicador externo, segundo o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale. Trata-se da reação do Palácio do Planalto à greve dos últimos dias. ;O governo foi extremamente fraco, por isso vai ser difícil colocar racionalidade na discussão sobre uma política de preço dos combustíveis. Abriu-se a caixa de pandora e isso pode gerar consequências graves daqui para frente, com outros setores fazendo as mesmas reivindicações;, avalia.

Por outro lado, afirma Sérgio Vale, a partir de agora tanto os preços do barril de petróleo quanto a valorização da moeda americana podem se acomodar, o que minimizaria o risco de nova onda de avanço dos combustíveis. O economista acredita que a cotação do dólar já tenha chegado no teto.

Em relação às cotações do petróleo, Vale lembra que, recentemente, a Arábia Saudita e a Rússia anunciaram que podem elevar a oferta, o que teria força para baixar o preço da matéria-prima. ;Se o acordo entre os dois países for cumprido, deve haver descompressão no preço. De toda forma, será preciso discutir como suavizar esses repasses da alta de preço para o consumidor;, diz o economista-chefe da MB.

Outra forma de acelerar a descompressão sobre os preços dos combustíveis seria o aumento da concorrência no setor de refino de petróleo, dominado pela Petrobras, com 13 das 17 refinarias instaladas no país. Esse predomínio dá à gigante brasileira 95% da produção de gasolina do país. ;A venda de quatro parques da Petrobras vai melhorar a disputa comercial no setor de petróleo;, afirma João Luiz Zuñeda, sócio da consultoria Maxiquim. ;A solução está em dar maior competitividade no setor de petróleo por meio desse desinvestimento da Petrobras;.

Pouca margem

Além disso, Zuñeda lembra que também há poucos competidores atuando na produção de derivados de petróleo. Com a falta de opção para comprar as matérias-primas, a indústria tem pouca margem na hora de negociar preço. O setor químico é um dos mais impactados pelas variações do preço do barril de petróleo e do dólar, como lembra Fátima Giovanna Coviello Ferreira, diretor de economia e estatísticas da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Com a alta dos últimos meses, o aumento de custos já é fato; só não é possível afirmar quando ele começará a ser repassado para os preços, de acordo com a executiva.

Colheita de cana-de-açúcar: impacto dos preços do petróleo alcança 6% na produção de grandes lavouras

;O momento é delicado por causa da combinação de alta do petróleo e do câmbio, mas infelizmente não há muita opção;, diz Giovanna Ferreira. ;As duas variáveis que afetam o setor estão ocorrendo de forma simultânea. Por outro lado, temos hoje uma capacidade ociosa na indústria de 26%. Essas incertezas se aproximam cada vez mais da economia real e não sabemos qual será a reação depois da greve dos caminhoneiros;, diz.

Além da indústria química, os setores petroquímico, farmacêutico e do agronegócio também são afetados pela combinação explosiva da valorização do petróleo e do dólar. Por isso, observa Zuñeda, com a recomposição dos preços é de se esperar que haja um reflexo na inflação. ;A diferença é que agora a inflação está bem mais baixa, então o impacto será menor do que o visto em outros períodos;, acredita o sócio da Maxiquim.

Inflação

Apesar de a pressão sobre a inflação ser menos ameaçadora agora, não se deve desprezar o fato de o petróleo estar presente em quase toda a cadeia produtiva ; desde os fertilizantes até as embalagens plásticas dos produtos de limpeza e dos cosméticos. ;Algum repasse de aumento de custos terá de ocorrer;, avisa José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast).;Claro que o ambiente não permite que seja feito (o repasse ao consumidor) de uma vez só, mas ele virá.;

Para Roriz, o ideal para amenizar os impactos dessas variações de custo seria ter a média móvel de preço que permitisse administrar os mecanismos de aumento. ;Não defendo o congelamento do preço dos combustíveis;, diz o executivo. ;Sabemos pela experiência do passado que esse tipo de interferência não funciona. Mas o fato é que hoje temos uma desorganização em várias cadeias produtivas num ambiente de monopólio no refino de petróleo. Isso fica ainda mais grave quando as empresas estão vulneráveis pela crise econômica;, afirma.

Segundo o presidente da Abiplast, o aumento da concorrência certamente teria minimizado os impactos tanto da alta do petróleo quanto da greve dos caminhoneiros. Para o agronegócio, explica Renato Conchon, coordenador do núcleo econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a desvalorização do real e o aumento do preço do petróleo nos últimos meses estão corroendo a rentabilidade no campo em diferentes atividades, como o plantio de arroz e a pecuária de leite.

;Como as safras estão boas, não deve haver repasse para o preço dos alimentos. Mas não há dúvida de que a conta para o produtor está aumentando;, diz. Segundo Conchon, o que mais impacta o setor é a oscilação do dólar, que se acentuou no último mês. Isso torna muito difícil tanto para o agente financeiro quanto para o agricultor fazer previsões sobre o ambiente de negócios.

No caso do petróleo, existe uma influência sobre o custo de produção que varia segundo a localização e a atividade. No caso do cultivo de cereais e oleaginosas, por exemplo, o impacto é de cerca de 6%, mas pode chegar a 12% para a pecuária leiteira. Já a mão de obra, insumos, fertilizantes e sementes sofrem com a alta do dólar e do petróleo. ;Não bastasse isso, ainda temos o problema da economia, que não está crescendo, e as eleições de outubro. Será um ano difícil;, analisa o representante da CNA.

Aéreas repassam aumento

Empresas, como a Gol, revisaram projeções de crescimento em razão dos custos com querosene de aviação

As companhias aéreas também são impactadas pelos reajustes dos preços do petróleo e a valorização cambial, devido ao uso do querosene de aviação, cotado no mercado internacional, e ao leasing das aeronaves baseado na moeda norte-americana. Essas empresas vêm enfrentando dificuldades nos últimos meses para manter o controle das contas. A Latam Airlines Brasil informa que a alta do petróleo já está provocando alterações nos valores das tarifas, ;uma vez que o combustível representa cerca de 40% dos custos da companhia e que 60% dos seus custos totais são calculados em dólar.;

A Gol Linhas Aéreas revisou para baixo as estimativas de crescimento de capacidade para 2018 até a chegada de suas aeronaves 737 Max 8, que consomem 15% menos combustível comparadas aos aviões 737 NG. O aumento dos custos do combustível já foi considerado nas expectativas, em 9 de maio de 2018, quando a companhia revisou as perspectivas gerais e projeções financeiras para 2018.

A Avianca informou, por meio de nota, que o aumento dos preços combustíveis não pressionará o preço das passagens. ;Caso haja alguma mudança neste cenário, a empresa vai avaliar medidas necessárias, que serão estudadas de forma minuciosa para que um possível impacto ao consumidor seja mínimo;, disse a empresa.

Para Alex Malfitani, vice-presidente financeiro da Azul, o que tem garantido a saúde financeira da companhia, mesmo debaixo da pressão de aumento de custos, é o hedge (espécie de proteção em caso de variação cambial). Com isso, por enquanto, está afastada a elevação dos das passagenes.

No caso dos combustíveis, a empresa fez compras antecipadas, o que travou os preços. Segundo a divulgação de resultados do último trimestre, o custo com combustível representou 27,9% das despesas da Azul. No caso do dólar, a empresa tem títulos conversíveis da TAP, companhia aérea portuguesa, em euros ; outra moeda muito valorizada. Além disso, parte da sua frota é financiada em reais pela Embraer.

;Para diminuir todos esses efeitos, nós temos buscado eficiência em tecnologia, com aeronaves que queimam menos combustível;, diz Malfitani. ;Isso é possível com a renovação de frota. Renovamos 14% dos nossos assentos em 2017 e mais 27% neste ano.; O executivo afirma que, por enquanto, não há previsão de aumento de preço da passagem, mas admite: ;Ninguém sabe onde estarão o dólar e o petróleo, então, o que vai influenciar nessa decisão será a demanda.;

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