São Paulo ; Diferentemente de outros movimentos grevistas, a paralisação dos caminhoneiros não teve como pontos decisivos as assembleias da categoria ou a tradicional organização por sindicatos de trabalhadores. Em tempos de popularização da tecnologia, os motoristas de caminhões utilizaram smartphones e aplicativos de mensagens para se comunicar e organizar o movimento que imobilizou o Brasil nos últimos 10 dias.
Pesquisa realizada pela TruckPad ; startup que conecta caminhoneiros às transportadoras de carga, espécie de Uber do setor ;, mostrou que a maior parte dos motoristas (cerca de 60%) ficou sabendo do movimento grevista por meio do WhatsApp e pelo Facebook, enquanto apenas 1,52% foram comunicados diretamente pelo sindicato ou associação de classe a que pertencem. O levantamento dos dados foi realizado na última terça-feira, quando as negociações ainda estavam em andamento entre o governo e os representantes dos transportadores.
;Essa é a primeira greve de vulto organizada digitalmente. Isso mostra que, ao contrário do que se pensa, os caminhoneiros estão digitalizados e utilizando a tecnologia no seu dia a dia;, disse Carlos Mira, presidente da TruckPad, dona do aplicativo que conecta os caminhoneiros às transportadoras de carga.
Carlos Mira lembra que ficou claro que o governo não usou o canal certo para se comunicar com os grevistas, uma vez que os caminhoneiros não seguiam uma única liderança nem reconheciam os negociadores como seus legítimos representantes. ;O governo deveria ter utilizado uma plataforma digital para ser ouvido pelos grevistas, o que teria sido bem mais eficaz;, disse o empresário.
Segundo Mira, a ideia de fazer o levantamento foi uma forma de identificar o perfil dos grevistas e saber o que realmente estava acontecendo com o setor de cargas. Para isso, a empresa enviou enquete com oito perguntas a 9 mil usuários do aplicativo. Em apenas uma hora, recebeu 1,5 mil respostas.
Assim, foi possível saber que 71,2% dos caminhoneiros não estavam parados nas rodovias brasileiras, mas em suas casas, acompanhando o movimento pela internet e se comunicando com os colegas por WhatsApp e Facebook, e 25,2% se encontravam estacionados nos acostamentos ou em barreiras montadas pelos grevistas. Pouco mais de 3% responderam que conseguiram trabalhar, porque haviam furado os bloqueios. Do total dos entrevistados, 81,8% se disseram autônomos e 10,6% empregados de transportadoras.
Questionados sobre a disposição de continuar a paralisação, 74% dos motoristas informaram, na terça-feira, que estavam dispostos a manter a paralisação pelo tempo que fosse preciso, o que pode explicar a demora na volta dos caminhoneiros ao trabalho.
Sem vínculo
Outro dado que chama a atenção na pesquisa é a quantidade de caminhoneiros que se disse sem vínculo com sindicatos ou associações de trabalhadores, o que também explica a dificuldade e a demora para o governo fechar o acordo e acabar com a greve. Do total de 1,5 mil entrevistados, 96% informaram não fazer parte de qualquer entidade de classe. Somente 4% responderam que são sindicalizados.O aplicativo TruckPad registra 1 milhão de downloads e cerca de 700 mil caminhoneiros utilizam a plataforma, além de empresas como P e ArcelorMittal. Com investimentos de US$ 100 mil, e aportes das empresas Movile e Mercedes-Benz, ela foi fundada por Mira em 2013, tornando-se assim a primeira startup voltada ao transporte rodoviário de cargas, atendendo tanto caminhoneiros quanto a transportadoras.
A paralisação dos caminhoneiros abriu frente de negócios para a startup: a realização de pesquisas junto a um universo gigantesco de profissionais da área. Ainda que sem valor científico, elas indicam tendências e ajudam a entender a realidade das estradas brasileiras.