Economia

Greve dos caminhoneiros evidencia dependência do país nas rodovias

Na última década, 65% dos investimentos do governo foram em rodovias. O modal recebeu R$ 80 bilhões dos R$ 123 bilhões aplicados. Mais de 61% da carga passam pelo sistema rodoviário; 20,7% pelos trilhos; e 18,2% pelos sistemas aquaviário, aéreo e dutoviário

Otávio Augusto
postado em 03/06/2018 07:50
Desenho de cifrão feito com uma estrada e trilhos de tremA opção pela rodovia foi considerada a mais barata e a mais simples para a integração do território nacional por Juscelino Kubitschek, em 1950. Agora, modernizar os modais viários ; rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroviário ; é um desafio que se impõe ao governo brasileiro. A greve dos caminhoneiros evidenciou a gravidade do problema: não há como o país depender de um único modelo de escoamento e transporte de cargas sob o risco de colapso.

Mais que representar ganhos em infraestrutura, o investimento em ferrovias, navegação de rios e cabotagem (navegação marítima costeira) é crucial para a dinâmica comercial interna e externa do país. Contudo, as aplicações nesses modelos ficam em segundo plano. Na última década, 65% dos investimentos do governo federal foram em rodovias. O modal recebeu R$ 80 bilhões dos R$ 123 bilhões aplicados.

Nos próximos meses, segundo o governo federal, serão licitadas as concessões da ferrovia Norte-Sul, que liga o Pará ao Rio Grande do Sul, e da ferrovia de Integração Leste-Oeste, entre a Bahia e o Tocantins. Além disso, haverá a renovação de cinco contratos de concessionárias que serão prorrogados em contrapartida a investimentos de R$ 16 bilhões na malha ferroviária. Ao todo, os investimentos estimados nos transportes chegam a R$ 70 bilhões.

[SAIBAMAIS]O diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Adalberto Tokarski, cita a diferença de investimentos entre os modais. Segundo ele, por ano, são aplicados R$ 400 milhões no aquaviário, enquanto o rodoviário abocanha R$ 13 bilhões. ;Ficamos na mão do transporte rodoviário. A luz no fim do túnel é a maior utilização dos nossos rios para navegação. O problema é o pouco valor que se dá a esse modal;, explica.

Licitações

A Antaq vai licitar três portos em julho. O processo estava parado havia 12 anos. A ideia do órgão era ter feito isso com 149 unidades, mas entraves técnicos, burocracia e mudanças na lei interromperam a empreitada. Há, ainda, sete terminais que o edital de licitação está em conclusão.

O órgão aposta na parceria público-privada para fomentar o transporte pela água. Para se ter ideia do lucro, em 2013, a Antaq tinha 120 terminais de uso privado (TUPs). Após a mudança na legislação, o número subiu 68% e chegou a 202 unidades em 2018. Nesse modelo de negócio, com parcerias com a iniciativa privada, a agência contabiliza R$ 21 bilhões em investimentos. Estão em análise 48 pedidos para TUPs. Se aprovados, eles gerarão mais R$ 6,9 bilhões.

Ele cita como potencial o Rio Tapajós. Lá, em 2017, foram escoados 3 milhões de toneladas de soja e milho. Este ano a previsão é de saiam 7 milhões de toneladas. Para 2019, o alcance é de 10 milhões de toneladas. ;Esse volume poderia vir para sul e sudeste por ferrovia, por exemplo;, ressalta. O gargalo é o acesso aos portos. ;Muita coisa precisa melhorar, mas isso passa pelo planejamento;, conclui.

Investimentos

Dados da Confederação Nacional de Transportes (CNT) mostram como o Brasil centralizou o escoamento de sua produção em estradas. Mais de 61% de toda a carga passam pelos sistema rodoviário; 20,7% pelas ferrovias; e 18,2%, pelos sistemas aquaviário, aéreo e dutoviário, somados.

O professor Marcus Quintella, consultor de transportes da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que o Brasil tem um problema crônico de logística. Falta integração entre os sistemas. ;Somos um país rodoviarista que não tem rodovias. As estradas que existem hoje são insuficientes. Comparativamente estamos atrás da maioria dos países em desenvolvimento, como o Chile, o México. Nesses locais vemos estruturas de transporte mais adequadas e modernas;, conclui, ao ressaltar que o rodoviarismo entrou em crise a partir da década de 1970, com a elevação do preço do petróleo.

Para ele, se mudanças começassem a ser feitas hoje, os efeitos demorariam 20 anos para ter impacto no sistema logístico do país. ;Falta no Brasil visão sistêmica de transporte e logística. Não há planejamento nesse setor. O Brasil está carente de um órgão pensador. Não temos órgãos que subsidiam o setor tecnicamente do que precisa ser feito. Os órgãos que existem não traçam políticas públicas. A greve mostrou como somos vulneráveis;, acrescenta. O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, discorda. ;O Brasil é um país rodoviário por vocação;, conclui.

O presidente executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Gustavo Bambini, destaca que mais ferrovias significam mais competitividade. ;O problema não é só a construção, mas os gargalos nos centros urbanos onde as ferrovias estão confinadas. Nenhum modal funciona separadamente sob o risco de colapsar. A intermodalidade tem que existir sempre. Não é competição, mas sim harmonia;, explica. Ele comemora a guinada do governo rumo às ferrovias. ;A licitação da Norte-Sul é primordial. Ela é a espinha dorsal do Brasil;, pondera.

As ferrovias foram até 1950, o meio de transporte mais importante do país. Algumas surgiram pela movimentação comercial na região, como em São Paulo, com o café, e em Santa Catarina, com o carvão. O modelo é mais barato que a operação por rodovias e é considerado o ideal para países de grandes proporções, como o Brasil.;Se tivéssemos feito esse investimento, os resultados da greve seriam menores;, explica Igor Rocha, diretor de Planejamento e Economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB).

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